terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Um ano de Crivella na prefeitura do RJ

Por Theófilo Rodrigues, no blog Cafezinho:

Em outubro de 2016, a cosmopolita cidade do Rio de Janeiro elegeu como prefeito o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella. A vitória foi surpreendente na medida em que venceu, com pouco tempo de televisão e poucas alianças, a poderosa máquina da bem avaliada gestão de Eduardo Paes do PMDB.

Em poucos dias o ex-senador Crivella completará seu primeiro ano de gestão em um cargo executivo. Mas o que se pode dizer do seu legado construído até agora?

Antes de falarmos exatamente em políticas públicas (policy) precisamos tratar da política e de seus conflitos em jogo (politics).

Uma das principais marcas da gestão Crivella é a sua patente dificuldade em consolidar um sólido arco de alianças políticas. Dificuldade criada pelo próprio prefeito a partir do momento em que optou por não ter como chefe da Casa Civil alguém com experiência articulatória como foi Pedro Paulo nos últimos 8 anos.

Em um primeiro momento, Crivella tentou nomear seu próprio filho como chefe da Casa Civil. Mas a decisão logo teve que ser abortada devido às fortes críticas de nepotismo. Em seu lugar assumiu o ex-assessor de Crivella no Senado, Ailton Cardoso da Silva. Ailton, no entanto, não é conhecido nem por sua capacidade de liderança interna na prefeitura, nem por conhecer os meandros das políticas partidárias.

Destaca-se negativamente ainda a nomeação da ex-vereadora Aspásia Camargo como Subsecretária de Planejamento e Gestão Governamental. Embora possa ser considerada por alguns como uma boa formuladora sobre os temas da cidade, há uma unanimidade entre os funcionários da Casa Civil de que Aspásia não reúne as condições necessárias para um posto de chefia, o que prejudica o processo decisório.

Para suprir os obstáculos impostos pela falta de alianças políticas, Crivella buscou nomes da sociedade civil para compor seu secretariado. Foi o caso de Cesar Benjamin, indicado para a Secretaria de Educação. Conhecido intelectual e editor de livros, Benjamin seria um bom nome para apaziguar o movimento educacional. Ao menos seria se Benjamin não sofresse da mesma dificuldade política de Aspásia Camargo. Incapaz de produzir consensos, Benjamin, ao contrário, trouxe polêmicas desnecessárias para sua pasta. A mais recente foi considerar a questão racial uma “idiotice”, em polêmica aberta contra a atriz Thais Araújo.

Mas se não pôde contar com a “virtú”, ao menos a “fortuna” sorriu para Crivella. Na questão dos transportes estão as principais melhorias, embora não necessariamente derivadas da prefeitura. Por imposição da justiça, o preço das passagens de ônibus na cidade passou de R$ 3,80 para R$ 3,40, para desespero da Rio Ônibus e alegria dos moradores. Além disso, a Câmara de Vereadores aprovou e o prefeito sancionou hoje a lei que proíbe a dupla função de motorista e cobrador na cidade.

Já na esfera de atuação da Secretaria de Cultura foi onde o prefeito conseguiu expressar da melhor forma sua identidade conservadora. Não obstante a bem recebida nomeação de Nilcemar Nogueira, neta de Cartola, o prefeito atuou com mão de ferro sobre importantes tradições da cidade. Não apenas deixou de participar do Carnaval como reduziu o orçamento para a festa. Mas, o que é pior, de forma inédita Crivella estabeleceu a censura no Museu de Arte do Rio e proibiu a exposição Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira na cidade.

Na saúde a prefeitura também não conseguiu honrar os pagamentos para os médicos das Clínicas da Família o que resultou em greves. Mas a notícia que mais assustou foi mais uma vez uma imposição de censura. De acordo com o Sindicato dos Jornalistas, Crivella teria pedido através de seu assessor de imprensa a demissão de Caio Barbosa do jornal O Dia, pelas críticas feitas ao mau funcionamento dos postos de saúde da prefeitura.

Nas conhecidas subprefeituras, prevaleceram as velhas relações locais que mobilizam interesses na Câmara de Vereadores. Um exemplo mais conhecido é o de Marcelo Maywald, subsecretário da Zona Sul e filho da ex-vereadora Leila do Flamengo. Desde a época do prefeito Cesar Maia que a família comanda a política na região.

Crivella mexeu ainda em um vespeiro para a classe média alta da cidade: o reajuste do IPTU. De fato, entre especialistas havia certo consenso de que o reajuste era uma necessidade já que muitas moradias em áreas nobres estavam isentas. Mas mexer com impostos nunca é tarefa fácil para o executivo. A partir de uma reforma no secretariado, Crivella redistribuiu as secretarias entre aliados e aprovou na Câmara sua proposta. Graças ao apoio dado para a aprovação do novo IPTU, Jorge Fellipe Neto e Pedro Fernandes, neto e filho dos vereadores Jorge Fellipe e Rosa Fernandes, assumiram secretarias na prefeitura.

Entre as críticas que mais encontraram ressonância na opinião pública estiveram aquelas relacionadas às viagens do prefeito. Claro, uma bobagem, mas que conquistou o imaginário popular com a ideia de que o líder da cidade não estaria trabalhando. Crivella viajou, mas por bons motivos. Esteve, por exemplo, na China, em busca de novas linhas de financiamento com juros mais baixos para os cofres da cidade. Caso obtenha sucesso, será um gás para a dinâmica de investimentos no Rio.

Um ano é pouco tempo para qualquer avaliação de políticas públicas. Mas o suficiente para percebermos que no Rio de Crivella falta capacidade de articulação política e sobra conservadorismo e arbitrariedade. Apesar disso, merece elogio a disposição inicial do prefeito em reorganizar as finanças da cidade, seja através do reajuste do IPTU, seja através da busca por novos investimentos vindos da China.

* Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.

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