quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Os desafios da renovação do Congresso

Por Antônio Augusto de Queiroz, no site Vermelho:

Pelo senso comum se imagina que a desqualificação da política e o desgaste dos congressistas – que votaram matérias impopulares e salvaram o presidente da República de duas denúncias de corrupção – levará necessariamente à uma grande renovação do Congresso em 2018. Mas, se não houver uma reação articulada na sociedade, isto pode não se confirmar, por uma série de motivos.

Antes de tratar desses motivos, lembremos que a média histórica de renovação, considerando as sete últimas eleições para a Câmara dos Deputados, foi de 49%. Parte importante dessa renovação decorre da desistência de parlamentares da tentativa de reeleição. Em média, pelo menos 100 dos 513 deputados não tentam renovar seus mandatos, seja por abandono da vida pública, seja para concorrer a outros cargos na disputa eleitoral, conforme tabela a seguir.






Em geral, o índice de renovação para as cadeiras em disputa para a Câmara dos Deputados está sempre associado ao ambiente político. Quando o ambiente é de crise, com escândalos, a renovação tende a aumentar. Quando o ambiente é de relativa estabilidade, o desejo de mudança diminui. O índice de renovação também está associado ao número de candidatos à reeleição. Quanto mais parlamentares disputam a reeleição, menor o índice de renovação, pelas notórias vantagens que têm aqueles que concorrem à reeleição.

E por que em 2018 poderá ser diferente, com uma renovação menor que a média histórica? Basicamente pelas razões que seguem.

Em primeiro lugar, porque neste pleito o número de candidatos à reeleição tende a ser maior que a média histórica, especialmente pela necessidade de fórum privilegiado para alguns parlamentares fugirem de eventuais punições pela prática do crime de caixa 2 e outros crimes nas campanhas anteriores.

Em segundo lugar, porque a janela para mudança de partidos nos seis meses que antecedem o pleito eleitoral dá ao detentor de mandato e candidato à reeleição enorme vantagem para negociar tratamento privilegiado em seu partido, exigindo a garantia de espaço diferenciado no horário de rádio e TV, além de mais recursos do fundo eleitoral, sob pena de mudar para outro partido que lhe ofereça tais vantagens.

Em terceiro porque houve redução de 90 para 45 dias do tempo de campanha eleitoral, facilitando a vida dos candidatos à reeleição, que tem nome conhecido e serviços prestados, em detrimento dos novos postulantes.

E, em quarto, porque o detentor de mandato dispõe de uma série de outras vantagens comparativas em relação a quem aspira ocupar seu lugar, conforme segue:

1) Disputa a vaga no exercício do mandato;
2) Já tem bases eleitorais consolidadas;
3) Tem cabos eleitorais fidelizados;
4) Dispõe de recursos e meios para angariar apoio, como:
4.1) as emendas individuais, cujo valor anual supera R$ 14,7 milhões de reais (valores para 2018), fato que impulsiona o engajamento de vereadores e prefeitos;
4.2) a quota ou verba de gabinete entre R$ 30 e R$ 38 mil reais por mês para despesas diversas decorrentes do exercício do mandato, como passagens áreas, telefonia e material de expediente, consultoria, hospedagem, impressão de material, combustível, locação de veículos e aluguéis de escritórios políticos, etc;
4.3) verba de R$ 78 mil mensais para a contratação de pessoal para o gabinete em Brasília e/ou no estado de origem; e
4.4) poder, prestígio e acesso aos veículos de comunicação, muitas vezes por interesse dos próprios veículos em manter boa relação com os detentores de mandatos.
O desgaste dos atuais detentores de mandato certamente irá diminuir suas votações individuais, mas não terá o condão de evitar a reeleição. É que os pequenos partidos que surgem com perspectiva de renovação, se não fizerem coligações, dificilmente conseguirão atingir a cláusula de barreira. E também haverá aumento das abstenções, dos votos brancos e nulos, reduzindo o número de votos necessários para ocupar uma vaga, desde que o partido ou coligação atinja o quociente eleitoral.

O que tende a acontecer – e mesmo assim em menor escala – não será uma renovação real, mas uma mera circulação no poder, com a substituição de representantes de uma oligarquia local por outra. Ou seja, quem não conseguir se reeleger terá sua vaga ocupada, majoritariamente, por ex-prefeitos, ex-governadores, ex-deputados federais, estaduais ou distritais, ex-vereadores, ex-secretários, ex-ministros, etc, por endinheirados, por parentes de caciques regionais e por celebridades, como os jogadores de futebol.

Nos casos dos setores populares, é fundamental que haja uma articulação em nível estadual e nacional, como o objetivo de unir esforços para aumentar sua representação no Congresso, sob pena de ampliação dos retrocessos, com a eleição de um Congresso ainda mais conservador que o atual.

Para tanto, é indispensável que os movimentos sociais, os trabalhadores do setor privado e os servidores públicos priorizem candidaturas e concentrem votos nelas, além de os partidos do campo popular só fazerem coligação na eleição proporcional onde houver identidade programática, sob pena de acontecer o que ocorreu em 2014, quando votos dados aos candidatos identificados com os trabalhadores ajudaram a eleger dezenas de deputados de partidos contrários ao seu ideário.

Como haverá grande escassez de recursos, é preciso que haja criatividade e solidariedade no campo popular, potencializando o financiamento eleitoral coletivo, principalmente mediante a “vaquinha online” (crowdfunding) e também a comercialização de bens e serviços e a promoção de eventos de arrecadação, como jantares e outros eventos, conforme autoriza a legislação eleitoral.

Por isso a importância de não fazer coligação, nas eleições proporcionais, com partidos sem unidade programática, para evitar transferir votos dos assalariados e do campo popular para as forças antagônicas as suas convicções; não pulverizar os votos e apoiar os candidatos comprometidos com os interesses dos trabalhadores; e denunciar todos aqueles que votaram contra seus interesses.

* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.

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