quarta-feira, 29 de novembro de 2017

PSDB quer mais mercado e privatização

Por Joana Rozowykwiat, no site Vermelho:

O PSDB apresentou nesta terça (28) as diretrizes do programa partidário, que deve pautar sua candidatura ao Planalto. O texto, além de exaltar os governos FHC, propõe um "choque de capitalismo" e ações como ampliar privatizações e rever o acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos. Para o economista Guilherme Mello, após 15 anos, a sigla voltou a ter coragem de defender o impopular “legado” da década de 1990. Resta saber se também reconhecerá como seu o saldo negativo da gestão Temer.

Apesar de o texto do PSDB anunciar que não quer o Estado nem máximo, nem mínimo, em vários momentos há críticas à atuação estatal e uma pregação em prol de “mais mercado”. “O Estado brasileiro não se transformou o suficiente para deixar de ser caro, inchado e ineficiente. Ao contrário, em vez de servir como vetor de desenvolvimento da cidadania, tornou-se fardo ainda mais pesado a ser suportado pela população”, diz o documento.

De acordo Mello, que é professor da Uncamp, por trás de uma sucessão de “lugares-comuns”, a plataforma dos tucanos está permeada por uma visão “extremamente liberal”, na qual o “Estado é visto como um obstáculo”. O economista, contudo, afirma que esta ideia se contrapõe à história do Brasil, onde “os saltos de desenvolvimento sempre dependeram da ação estatal”.

“O documento traz uma interpretação como se o que atrapalhasse o desenvolvimento brasileiro fosse a existência do Estado, das estatais, de uma ineficiência estatal. Isso contraria via de regra qualquer estudo sobre a história brasileira do século 20. O Estado tem papel central no desenvolvimento econômico, seja do ponto de vista do crescimento, quanto da distribuição de renda. Em todos os pequenos períodos em que houve desenvolvimento, melhoria de estrutura produtiva, da distribuição de renda, crescimento econômico, o Estado, as estatais e os serviços públicos tiveram papel fundamental”, aponta Mello.

Como exemplo desse impulso estatal, ele citou as gestões de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, dos militares e de Luiz Inácio Lula da Silva. “Sempre que você tentou algo mais liberal na história brasileira, de deixar o mercado comandar o processo, não houve desenvolvimento. Períodos como o de Fernando Henrique Cardoso, em que teve reforma administrativa, privatizações, redução do Estado, isso não gerou dinâmica, mudança estrutural, distribuição de renda ou crescimento sustentado”, reiterou o economista.

Serviço público para pobre
Um outro viés dessa visão liberal contida na plataforma do PSDB é a ideia de que serviços públicos não devem ser universais, e, sim, focalizados na parcela mais pobre da população, indica o professor. “O acesso dos mais ricos a serviços públicos gratuitos precisa ser reavaliado”, diz o documento. Guilherme Mello discorda da estratégia.

Na sua avaliação, quando se desconstrói políticas universais para fazer políticas focalizadas, há problemas de redução da qualidade do serviço e de desconstrução de elos de solidariedade dentro da sociedade. “As pessoas não vão se identificar como cidadãos iguais, que pagam seus impostos e desfrutam dos mesmos serviços. Vão se identificar como cidadãos diferentes - uns passam a ser beneficiários do Estado; outros financiadores do Estado, o que gera evidentemente um problema, inclusive porque as pessoas deixam de conviver”, critica.

Ele ressalta que, na Europa, por exemplo, ricos e pobres compartilham o transporte público, lado a lado. “Ou seja, com a universalidade, você começa a construir as bases de uma sociedade em que todos se veem como cidadãos, partícipes dessa sociedade. Quando você fala: ‘não, o Estado serve só para ajudar os muito pobres’, a classe média vai falar que então não quer esse Estado, que cobra imposto, mas não lhe dá nada. Sente que não faz parte”, afirma.

Segundo ele, excluir os ricos e a classe média dos serviços públicos gratuitos alimenta uma divisão social e os afasta do convívio com os demais. “Hoje, quando alguém contrai HIV, câncer, todo mundo vai para o SUS - o rico e o pobre”, menciona. “Há uma questão de uma certa construção de uma solidariedade e de uma organicidade social que o serviço público universal dá”, completa.

De acordo com ele, várias pesquisas mostram ainda que, quando as políticas públicas atendem apenas às classes mais baixas, a qualidade desses serviços cai. “Porque as classes mais baixas não têm tanto poder político para se organizar e demandar melhoria da qualidade daquele serviço. A partir do momento em que a classe média saiu da escola pública brasileira, a qualidade dela caiu. Porque a classe média pressionava por um ensino público de qualidade. Hoje, não está nem aí, porque não usa”, coloca.

Herança impopular de FHC
No documento, o PSDB defende medidas levadas adiante nas duas gestões presidenciais tucanas: “Derrotamos a inflação com o Plano Real; modernizamos a economia com maior abertura ao capital privado e maior integração ao mercado global; aumentamos o acesso da população a bens e serviços, por meio de privatizações e concessões; elaboramos, implementamos e defendemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, para garantir que o governo só gaste o que arrecada; apoiamos a modernização da agropecuária; promovemos o Proer, o saneamento dos bancos estaduais e do sistema financeiro nacional”.

Para Guilherme Mello, depois de 15 anos, o partido criou “coragem” de defender as medidas de FHC. “Desde que o PSDB saiu do poder, os candidatos tucanos sempre tiveram muita vergonha de defender esse tal legado, por um motivo óbvio: a memória desse legado estava muito fresca na mente das pessoas. E era profundamente rejeitada. Houve várias campanhas em que negaram que iam privatizar as coisas, esconderam Fernando Henrique”, afirma.

O professor mencionou o caso das privatizações. De acordo com ele, elas nunca tiveram aprovação popular, não só por princípio, pelo aspecto mais ideológico – da crítica ao desmonte do Estado – mas também pela forma com que foram feitas e pelos seus resultados. “Na época em que foram feitas, todo mundo sabia dos vários problemas que existiam nos processos. Os conluios, os favorecimentos, o fato de que você pegava uma empresa pública, injetava dinheiro público para sanear ela, vendia a preço de banana e pouco depois ela estava valendo um monte”.

Segundo ele, o saldo das privatizações também é negativo. “Na parte de ferrovias, você teve que reestatizar tudo, porque as empresas privadas simplesmente não faziam investimentos, deixavam tudo às traças. Na parte de energia, teve o apagão. Na parte de telecomunicações, que é sempre a mais comemorada, nós temos hoje os serviços de telefonia e internet entre os mais caros e de pior qualidade do mundo”, enumera.

Na sua avaliação, o elogio do PSDB à era FHC se deve ao distanciamento temporal e ao atual cenário político. “As pessoas já esqueceram. Já faz 15 anos. Elas não lembram bem como foi. Tem uma geração nova que não sabe como era, as dificuldades, as críticas que existiam, a corrupção. E também porque estamos em um momento de reversão cíclica ideológica, para uma postura mais conservadora, antiestatal. E eles vão tentar apelar para isso”, prevê.

Partícipe do legado de Temer
Na opinião de Guilherme Mello, uma dúvida em relação à postura dos tucanos nas eleições de 2018 diz respeito ao governo Michel Temer. “A dificuldade maior é que hoje eles são governo. Quero saber se eles vão defender o legado do Temer. Essa é a discussão política. Quem vai ser o candidato do governo?”, indaga.

Cotado para disputar o Planalto, Geraldo Alckmin já fala em desembarcar da gestão do peemedebista. “Mas vai ser muito difícil para o PSDB falar ‘o nosso legado’ e esquecer que eles fizeram o impeachment e estão no governo há quase dois anos, fazendo tudo isso aí. Obviamente a discussão central de 2018, muito mais que o legado da década de 1990 - que quem lembra rejeita -, vai ser sobre os anos recentes. E o legado Temer? Quem é o culpado pela situação em que a gente chegou e quem é capaz de tirar o país dessa situação?”, questiona Mello.

Para o economista, o PSDB vai ter que decidir como se portar em relação a Temer, se vai defender a agenda do governo e as reformas em curso. “O Alckmin é muito mais cuidadoso que o João Doria em relação a isso. Tentou se desvencilhar um pouco de Temer. Isso tem um lado positivo para ele, embora o PSDB esteja comprometido com o governo. Por outro lado, isso pode complicar a formação de alianças, porque vai haver as viúvas de Temer, querendo que defendam abertamente seu legado”.

Passado não permite crer em promessas de hoje
Entre algumas propostas, o texto dos tucanos afirma que uma nação como o Brasil deve ter como meta dobrar sua renda per capita nos próximos 20 anos. “É factível, é viável, é necessário”. Segundo Guilherme Mello, contudo, o crescimento da renda per capita cresceu muito pouco durante as gestões Fernando Henrique Cardoso e dobrar esse indicador depende da retomada do crescimento. Ocorre que as escolhas do partido hoje, inclusive no governo Michel Temer, não inspiram otimismo nesse sentido – a aposta no setor privado como motor do desenvolvimento não deu certo na década de 1990 e dificilmente dará certo agora, pondera o economista.

“O próprio presidente do Banco Central falou que eles esperavam que os investimentos voltassem, mas perceberam que o que está reagindo é o consumo das famílias, porque deram os recursos do FGTS. Ou seja, eles esperavam que o setor privado substituísse o setor público como alavanca do crescimento, mas isso não acontecerá, porque o investimento privado é tipicamente induzido. Se não tem alguém que induza esse investimento, ele não sai do lugar, principalmente em cenário de crise, incerteza, capacidade ociosa, etc”, analisa.

De acordo com o professor, o fato de que o crescimento da população nos próximos 20 anos vai cair, torna mais fácil aumentar a renda per capta. Mas, ao mesmo tempo, fica mais difícil crescer. “Na verdade, eles estão fazendo uma aposta que o passado deles não permite que a gente olhe para frente e diga que eles vão cumprir. Olhado o passado, a estratégia que eles adoraram na década de 90 e adotam agora com Temer não nos permite acreditar que essa ideia de dobrar a renda per capita, por exemplo, vá se concretizar”.

Guilherme Mello analisa que o documento dos tucanos é "cheio de lugares-comuns e platitudes". O partido diz que é favor do desenvolvimento, da retomada do crescimento, da eficiência, da queda da desigualdade. "É como ser a favor das criancinhas e contra o câncer. Todo mundo é", ironiza.

Entre outras medidas ligadas à economia, o PSDB propõe renegociar as dívidas dos Estados e municípios e cobrar mais tributos de quem ganha mais. O texto afirma que é preciso haver uma redução do número de ministérios, cargos e órgãos. A plataforma tucana crítica os governos do PT e diz que o legado do PSDB "foi exaurido pelo populismo e pela irresponsabilidade dos governos petistas, que terminaram afundando o país na mais profunda e longa recessão". Ignora, assim, a própria responsabilidade nas crises política e econômica que lançaram o país na atual situação.

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