sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Senado dá com uma mão e tira com outra

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Com anos de atraso, e depois de muito leite derramado, o Congresso aprovou o financiamento público de campanhas, com a criação de um fundo que já começa ser apedrejado pela hipocrisia de sempre: vamos gastar em campanhas o dinheiro que poderia financiar a saúde, a educação, a habitação etc. Lorotas de quem deseja a volta do financiamento empresarial, que permite sempre o embolso parcial das doações e é porta-larga para a corrupção. Mas como não poderia deixar de ser, na última hora inventaram um modo de favorecer os candidatos mais ricos, com a supressão, pelo Senado, do artigo que impunha limites ao autofinanciamento. Se o ricaço pode gastar quanto quiser, e geralmente ele é empresário, trata-se de um autofinanciamento empresarial.

Foi o Senado que viabilizou a aprovação do financiamento público de campanhas, aprovando um projeto em tempo recorde depois que a Câmara conseguiu enredar-se num impasse sobre a matéria. Mas foi o Senado que, depois de dar com uma mão, tirou com a outra, ao permitir o autofinanciamento ilimitado.

O fundo público foi criado com o apoio decisivo, pela esquerda, de PT, PC do B e PDT, que sempre defenderam a medida. Na centro-direita, por PMDB, PP, DEM, PTB e PSD, que embora no passado tenham combatido a proposta, depois de caírem no desvão gerado pelas doações privadas, renderam-se à necessidade do fundo público. Os tucanos ficaram no muro. O barulho virá de partidos que votaram contra: Rede, PEN, PSOL, PV, PPS, PHS, PRB, PSB e PR. A lenga-lenga será a de sempre, a de que o dinheiro destinado ao fundo de financiamento eleitoral será tirado de educação, saúde, habitação e outras políticas públicas.

Lorota. Primeiro, porque o fundo tem fontes definidas. Seus recursos virão de emendas de bancadas e da compensação às emissoras de radiodifusão pela veiculação do horário eleitoral "gratuito". Depois, porque sempre faltou mesmo dinheiro para educação, saúde e outros serviços, enquanto as empresas despejavam dinheiro em seus candidatos. Eleitos, eles sempre lhes garantiram a obtenção de contratos no Estado, geralmente com um superfaturamento que, aí sim, subtraíam recursos que poderiam ter outra destinação, favorecendo a população. O que esta hipocrisia esconde, na maioria dos casos, é a saudade do contubérnio entre partidos e empresas no financiamento das campanhas.

A outra importante virtude do financiamento público é a democratização do acesso à política, permitindo que pessoas das camadas economicamente mais fracas, sem acesso aos financiadores privados do passado, possam agora disputar mandatos eletivos nos três níveis da representação política. Mas isso foi comprometido pelo Senado com a votação de hoje, ao suprimir a imposição de limite para o auto-financiamento. Com o ricaço agora liberado para fazer campanha milionária, usando recursos próprios ou mesmo doados por debaixo do pano, os candidatos pobres novamente perderão competitividade na disputa.

Certamente algum partido acabará judicializando a questão, restando a hipótese, que acho pouco provável, de restauração do limite pelo TSE ou pelo STF. Estariam literalmente metendo a mão numa lei aprovada pelo Congresso.

Aqui não bananão é assim. Quando pensamos que houve um passo à frente, descobrimos que houve um para trás.

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