sábado, 16 de setembro de 2017

Para além da austeridade: "heresias" da ONU

Por Cesar Locatelli, no site Jornalistas Livres:

“A economia global parece travada em seu caminho para a recuperação”, aponta novo estudo das Nações Unidas, Para além da austeridade, que contradiz grande parte do que advogam membros do governo do Temer e os economistas brasileiros conservadores que palpitam diariamente na mídia tradicional. A austeridade fiscal é apontada como o principal entrave à retomada mais vigorosa da economia mundial.

O estudo carrega pouco mais nas tintas e decreta que “a prosperidade para todos não pode ser proporcionada por políticos com fixação na austeridade, por empresas que buscam ganhos monopolistas (rent-seeking) e por banqueiros especuladores”. Em outro termos, o relatório afirma que as promessas, de sociedades mais justas e de menor desigualdade, entre as nações não foram cumpridas.

Rentismo e rent-seeking estão entre as causas. Mas o que querem dizer esses termos?

O termo rentista é, normalmente, usado no Brasil para designar aqueles que obtêm renda por emprestar seu capital financeiro a terceiros, especialmente ao governo. “Viver de renda”, dizia-se. Renda astronômica de R$ 428 bilhões é a que o Brasil pagou sob a forma de juros, nos últimos 12 meses terminados em julho de 2017, àqueles rentistas que emprestaram seu capital para o governo.

Rent-seeking é usado no texto, não somente para designar ganhos derivados da simples propriedade ou controle de ativos, mas também ganhos de posições monopolistas. O feirante não consegue cobrar o preço que quiser pela dúzia de bananas, pois a concorrência o destruiria. No entanto, há empresas monopolistas, ou quase monopolistas, que têm capacidade de fixar seus preços acima do que conseguiriam em um mercado concorrencial. Rent-seeking é a busca dessa renda extra para engordar os lucros.

As privatizações, muitas vezes, não aumentam a eficiência

A busca por essa renda extra não para por aí: “outros [ganhos são] conquistados pela predação do setor público, inclusive por privatizações de larga escala – que simplesmente deslocam recursos dos contribuintes para administradores e acionistas de empresas privadas – e subsídios a grandes empresas, frequentemente sem resultados para a eficiência econômica ou geração de renda”. Saliente-se que essa conclusão do estudo é oposta ao discurso privatizante do grupo no poder no país hoje.

“Fortemente encorajada por muitas instituições internacionais, esperava-se que as privatizações melhorassem as práticas administrativas, aumentassem a eficiência e quebrassem monopólios, gerando, assim, ganhos de bem-estar. Todavia, ao invés disso, muitos programas de privatização foram altamente eficientes em promover ganhos extras (rent) para empresas monopolistas.” É preciso ressaltar que essa renda extra se dá em detrimento de outras empresas e, especialmente, às custas dos consumidores, com forte impacto na concentração de renda.

O relatório sublinha esse ponto pois, embora a atenção tenha, corretamente, ido para as empresas do mercado financeiro, “cujo retorno é absurdamente desproporcional ao retorno social que geram”, as empresas não-financeiras também se adaptaram à busca desse tipo de renda e “surgiram como fonte disseminada de desigualdade”. Essa atitude das empresas, financeiras ou não, e o apego extremado pela austeridade fiscal, inibem a retomada do crescimento econômico e aprofundam a desigualdade de renda.

Quais são as medidas-chave propostas no relatório?

Para tentar corrigir as graves consequências da hiperglobalização (“desigualdade e instabilidade estão conectadas à hiperglobalização”), da retirada de controle dos fluxos financeiros, das privatizações, da precarização do trabalho, entre outros efeitos perversos da cartilha econômica ortodoxa, o relatório sugere as seguintes medidas-chave:

• Pôr fim à austeridade por meio de investimento público, maior e melhor, com uma forte dimensão assistencial, incluindo vultosos programas que aprimorem a infraestrutura e gerem emprego.

• Aumentar a receita governamental: um maior recurso a impostos progressivos (inclusive sobre a propriedade e outras formas de renda).

• Dar mais voz ao trabalho (os salários precisam subir em linha com a produtividade; a insegurança no emprego precisa ser corrigida por meio de ações legislativas e medidas ativas no mercado de trabalho).

• Domar o capital financeiro: regular de forma apropriada o setor financeiro.

• Melhorar a capitalização dos bancos de desenvolvimento multilaterais e regionais.

• Manter o controle sobre o “rentismo” empresarial.

Seriam heresias?

Como “heresia” final, há um trecho sobre a importância dos bancos públicos: “Um sistema financeiro que harmonize um papel significativo para bancos públicos de diversos tipos e bancos privados menores com influência política limitada e com fiscalização mais dura, estará menos sujeito a gerar excessos especulativos, ciclos de grande expansão seguidos por colapsos e austeridade.” Música para meus ouvidos!

Nota

- As citações estão em: UNCTAD, Trade ad Development Report, 2017: Beyond Austerity – Towards a Global New Deal

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