sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Mídia monopolista é barreira pra democracia

Por Emílio Pio, no site do FNDC:

A concentração dos meios de comunicação é uma das barreiras enfrentadas pela democracia do Brasil. A mídia tradicional é controlada por conglomerados empresariais que estão ligados não somente a interesses editoriais, mas também a interesses privados de uma elite influente.

De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, realizada pela Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), a TV é o meio de comunicação mais acessado pelos entrevistados, sendo mencionada pela quase totalidade da amostra. Pouco mais de três quartos dos entrevistados assistem TV todos os dias da semana. As emissoras da TV aberta são as mais assistidas, principalmente a Rede Globo. Aproximadamente 73% dos entrevistados afirmaram assistir a TV Globo.

Por volta de um em cada três respondentes afirma ler jornal. Apesar do recente crescimento de meios digitais e novas mídias, a principal fonte de informação da maioria da população brasileira sobre política nacional continua sendo os jornais da mídia tradicional. O Globo e a Folha de São Paulo são os jornais mais lidos do país. Apenas 26% da população afirmam se informar sobre o que acontece no Brasil pela internet.

A imprensa tradicional constitui uma instituição poderosa no país. Segundo pesquisa realizada pela Associação Nacional de Jornais, a audiência mensal da Folha é de 20,2 milhões de brasileiros. Esse é o número de pessoas que consomem conteúdo por meio de aparelhos móveis, internet e versão impressa. Na rede social Twitter, a Folha de SP tem mais de cinco milhões de seguidores e O Globo quase cinco milhões.

De acordo com o jornalista e sociólogo Venício Artur de Lima, na nossa versão de democracia liberal, a grande imprensa é uma instituição privada poderosa, concentrada nas mãos de uns poucos grupos empresariais familiares, beneficiária da propriedade cruzada e da ausência histórica de formas democráticas de regulação.

No Brasil, a propriedade cruzada dos meios de comunicação é uma prática recorrente que consiste em uma forma de concentração da propriedade na qual um grupo empresarial ou família é proprietário de mais de um tipo de veículo de comunicação, ou seja, jornal, TV, rádio, revista ou portal de notícias, como é o caso das Organizações Globo. Com a maior audiência do país e elevada arrecadação de verba publicitária, os veículos de imprensa das Organizações Globo têm poder para influenciar a sociedade, a economia e a política do país. De acordo com publicação do site Observatório da Imprensa, apenas entre maio e agosto de 2016, as Organizações Globo receberam mais de R$ 15,8 milhões do governo. No mesmo período, o UOL recebeu mais de R$ 691 mil e a Folha, mais de R$ 426 mil, somando a apenas essas duas empresas do Grupo Folha uma quantia superior a R$ 1,1 milhão.

Como a sociedade se informa, principalmente, por meio de notícias transmitidas pela mídia tradicional, essas notícias podem criar um falso consenso engendrado pelas classes dominantes, no qual interesses específicos das elites são apresentados como interesses coletivos para os diversos setores da sociedade.

Com o acesso limitado a informações alternativas, ou devido à escassez de recursos mentais para se opor a tais informações, os leitores ou a audiência dificilmente questionarão as mensagens transmitidas por jornais com amplo alcance. A mídia tradicional configura-se, assim, como única fonte de informação para a maioria da população brasileira, disseminando notícias raramente contestadas. E, pode assim, produzir conteúdos utilizando artifícios discursivos para enquadrar aspectos da realidade, dessa forma, determinadas ideias e interpretações podem ser enfatizadas e naturalizadas em diversos setores da sociedade.

Hoje, essas empresas de mídia - que “falam” como se fossem representantes de cada um de nós -constituem-se, elas próprias, em importantes e poderosos atores, tanto econômicos quanto políticos, mas, sobretudo, como atores determinantes na construção da opinião pública em todo o mundo (LIMA, 2010. p.104).

No Brasil, a legislação não define limites à concentração dos meios de comunicação. Além disso, o “coronelismo eletrônico” define a atual rede de relações na estrutura de comunicação brasileira. Herdado do termo Coronelismo, cunhado na década de 1940, que designa o sistema político de “troca de favores”, que sustentou o período da República Velha (1889–1930), o coronelismo eletrônico designa-se, de acordo com Santos (2006) como:

“O sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre poder nacional e poder local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação” (SANTOS, Suzy, 2006. p.8).

Um exemplo de coronelismo eletrônico pode ser visto no Maranhão. A Rede Mirante, conglomerado de mídia, afiliado da Rede Globo no estado, durante anos pertenceu ao político Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (PMDB).

Os meios de comunicação podem atuar com interesses políticos bem definidos. Esse posicionamento é criticado por alguns setores da sociedade. Movimentos sociais, organizações e a mídia alternativa visam combater a concentração existente nos meios de comunicação. O Intervozes visa promover às pessoas o direito de comunicação no país. O “Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé” pretende democratizar o sistema de comunicação para que a diversidade e a pluralidade da mídia sejam exercidas. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação tem como objetivo democratizar os meios de comunicação do Brasil. O site “Outras Palavras” é um exemplo a respeito da questão do direito à comunicação e da mídia livre. Além da Mídia Ninja, que oferece uma cobertura jornalística alternativa dos fatos políticos do país e que está presente em mais de 150 cidades brasileiras. “A sociedade enfrenta sua mídia”, Braga (2006).

Em 2009, o Governo em busca de regulamentação da mídia realizou a 1ª. Conferência Nacional de Comunicação com a participação de mais 1600 delegados. Poucas entidades do setor privado participaram, apenas a ABRA e a Telebrasil. Apesar da falta de apoio dos grandes grupos de mídia do país, o evento resultou em 600 propostas para auxiliar o governo na regulação dos meios de comunicação. Em 2010, o então presidente, Luís Inácio Lula da Silva, assinou um decreto criando uma comissão interministerial que elaborou estudos e propostas de revisão do marco regulatório dos serviços de radiofusão da mídia. Em 2014, a ex-presidenta da República, Dilma Rousseff, prometeu que no seu segundo mandato defenderia a regulação da mídia no Brasil.

No início de seu primeiro mandato, com fama de gestora eficiente e iniciativas de combate à corrupção, a presidente Dilma Rousseff chegou a ter a maior aprovação de um mandatário brasileiro desde a redemocratização. Entre janeiro e março de 2013, a aprovação de Dilma era de 63%, de acordo com pesquisa Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria. Esse cenário se inverteu após os primeiros meses do segundo mandato.

Segundo pesquisa realizada pelo instituto Datafolha e divulgada em março de 2015, em poucos meses a reprovação de sua gestão chegou a 62%. Após diversas manifestações e um intenso debate político nacional, o Senado brasileiro destituiu a presidente Dilma Rousseff, processada por crime de responsabilidade na gestão do orçamento nacional. O processo ainda vem sendo questionado e é alvo diversas críticas. Jessé de Souza (2016) define o processo de impeachment de Dilma Rousseff como um golpe midiático-jurídico.

Em 2013, por meio de um editorial, o jornal O Globo assumiu que o apoio à ditadura militar foi um erro. Em 1964, classes dominantes, inclusive órgãos de imprensa, como O Globo e a Folha de S.Paulo, voltaram-se para a desestabilização e derrubada de João Goulart, que governou o Brasil dando atenção às reivindicações sociais.

A grande mídia brasileira é parcial e usa seu poder para influenciar os diversos setores da sociedade. A Rede Globo atua como um partido de direita, que defende interesses específicos. Para lutar contra esse discurso hegemônico, há vários caminhos, como fortalecer redes de mídia alternativa e novos coletivos, lutar pelo ensino crítico da mídia em escolas públicas brasileiras e fortalecer a nossa televisão pública.

Referências:

LIMA, Venício Artur de. Cultura do silencia e democracia no Brasil: ensaios em defesa da liberdade de expressão (1980–2015).?—?Brasília: Editora UnB, 2015. _____. Liberdade de expressão x liberdade de imprensa: Direito à comunicação e democracia.?—?São Paulo: Publisher Brasil, 2010.
BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006. 341 p.
SOUZA, Jessé. A Radiografia do Golpe: Entenda Como E Por Que Você Foi Enganado. Leya, 2016.
SANTOS, Suzy dos. E-Sucupira: O Coronelismo Eletrônico como Herança do Coronelismo nas Comunicações Brasileiras. Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Comunicação. Dezembro 2006. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2008.

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