quarta-feira, 5 de julho de 2017

A injustiça tributária no Brasil

Por Juliano Giassi Goularti, no site Brasil Debate:

A carga tributária bruta no Brasil aumentou exponencialmente ao longo das últimas décadas, passando de 27% do PIB, em 1995, para 34% em 2015. E, diferentemente dos países membros da OCDE, em que a parcela da tributação que recai sobre bens e serviços é residual e há maior peso da tributação sobre renda e patrimônio, no Brasil aproximadamente metade dos tributos incide sobre bens e serviços, o que, proporcionalmente, onera mais a renda dos mais pobres.



Partindo dessa estruturação, corrobora para a formação de “paraíso tributário” para os super-ricos uma combinação de baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras – considerando que o país apresenta uma das mais elevadas taxas de juros do mundo –, e uma prática pouco comum, tendo como parâmetro os países desenvolvidos, de não cobrar imposto de renda sobre a distribuição de dividendos a pessoa física.

Concentrada nos tributos regressivos e indiretos, aqueles que oneram mais os trabalhadores e os pobres, a carga tributária brasileira ainda conta com uma arrecadação insignificante do imposto sobre herança, o ITCMD. Fixada pelo Senado em até 8%, ela raramente passa de 5% nos Estados, muito baixa quando comparada à média dos países da OCDE. No Estado de São Paulo é utilizada sem progressividade, com alíquota única de 4%.

Ainda no que diz respeito à regressividade, no governo Lula houve um aumento significativo na produção e venda de veículos automotores. Mesmo assim, jatos, helicópteros, iates e lanchas são isentos de IPVA, configurando um quadro de superexploração tributária da classe dominante. Outro dado que reforça essa exploração é o fato de, num país com forte presença de latifúndios, a cobrança do ITR ser irrisória: apenas 0,01% do PIB.

Na configuração do capitalismo brasileiro, o processo de financeirização que ocorre desde a década de 1980, com acentuação nos anos 1990, levou o capitalista a acumular riqueza na forma de títulos públicos, o que reconfigurou o lugar do Estado e do Fundo Público nas relações sociais. A taxa de juros e a dívida pública foram transformados num grande negócio.

Com a expansão da dívida líquida, um dos componentes que alimenta o capital fictício, oscilando entre 29,3% (jan/1995) para 59,9% (dez/2002), regredindo de 59,9% (jan/2003) para 37,9% (dez/2010) e aumentando novamente para 46,19% (dez/2016), o capital portador de juros tornou-se “sócio privilegiado” do Fundo Público, como destacado por Salvador [1].

Isto porque, na média, 45% do orçamento federal é gasto com juros e amortização da dívida. Com todas as benesses tributárias que isentam as operações financeiras, ademais, temos a Desvinculação de Receitas da União (DRU), o superávit primário e o ajuste fiscal permanente avalizando a derrama com pagamento de juros.

Sem modificar a canônica estrutura tributária que privilegia o capital e os ricos, ao passar as desonerações de 2,29% do PIB em 2007 para 4,7% em 2016, o impacto financeiro sobre o Tesouro Nacional é ainda maior. A grande parte do Fundo Público desonerado diz respeito às contribuições sociais patronais destinadas à previdência, assistência social e saúde. Na forma como as desonerações estão estruturadas, isso representa uma tragédia. Ainda mais quando o valor desonerado com Cofins, CSLL, PIS-PASEP e Previdência Social chega à cifra dos R$ 152,7 bilhões em 2016, representando uma forte investida contra os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores.

Diante da expansão da dívida pública, da derrama com juros, das desonerações e do sistema tributário regressivo, há um processo acentuado de privatização do Fundo Público. Acirrando as desigualdades sociais pela distribuição desigual dos gastos dado pela conjuntura e estrutura da luta de classe e frações de classe, o avanço sem freio do acesso privado ao Fundo Público no Brasil, ao mesmo tempo em que cria as “condições gerais de produção”, se dá sob o constante ataque aos direitos sociais e garantias fundamentais da classe trabalhadora.

No contexto do capitalismo globalizado e dentro do processo de desnacionalização da economia brasileira, a participação da empresa estrangeira no mercado nacional é significativa. Segundo dados do Banco Central, em 2014, a participação do capital estrangeiro no controle de empresas na indústria de transformação foi de 38,9%. No tocante à remessa de lucros e dividendos, as filiais das corporações transnacionais enviaram às suas matrizes US$ 19,8 bilhões.

Considerando que a empresa multinacional é beneficiária dos mais variados programas desonerativos, o Fundo Público está sendo utilizado para socializar os custos de produção e aumentar a margem de lucro do capital estrangeiro, que, por sua vez, é remetido à matriz com isenção de impostos concedida pela Lei n.° 9.249/95.

O resultado dessa sistemática é que a transferência de recursos públicos da periferia ao centro não acompanha o mesmo ritmo na direção oposta, o que resulta no acirramento das trocas comerciais e transferências financeiras desiguais. Sem a periferia, não pode haver transferência de excedente para o centro, nem, consequentemente, superexploração do Fundo Público e superexploração tributária.

Neste caso, entendemos que hoje não é mais a troca desigual uma das principais formas de exploração da periferia subdesenvolvida, como destacado por Mandel [2], mas, sim, no caso do Brasil e América Latina, a transferência de renda pelo Fundo Público através dos gastos diretos e indiretos e pelo sistema tributário regressivo, que, por si só, acaba facilitando a sonegação e a evasão fiscal.

Notas

[1] Fundo Público e seguridade social no Brasil (2010).

[2] O capitalismo tardio (1982).

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