domingo, 10 de dezembro de 2017

A guerrilha da comunicação na Venezuela

Tania Valentina Díaz/Facebook
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Ocupada nas últimas semanas com a organização das forças chavistas para enfrentar o teste das eleições municipais deste domingo em 335 municípios venezuelanos, a deputada Tania Valentina Diaz tem uma explicação na ponta da língua para enfrentar um debate político particularmente relevante para o destino das populações da América do Sul.

Quando o 247 lhe pediu para explicar a sobrevivência do projeto político de Hugo Chávez, iniciado em 1999 com sua entrada no Palácio de Miraflores, período histórico no qual em que diversas lideranças progressistas da região colheram vitorias relevantes mas também enfrentaram derrotas sérias, a começar por Lula e Dilma, Tania Diaz colocou o papel dos meios de comunicação num lugar especial da disputa política na Venezuela: “A guerra que não fizemos como guerra realizamos na TV”.

Ela prossegue: “não se tratava de defender Chávez ou o chavismo, mas de proteger o Estado Nação da Venezuela. A guerra midiática não quer mudar uma política. Seu propósito é destruir a capacidade de um povo definir seu destino e proteger suas riquezas, contra uma política que quer nos transformar numa Líbia ou numa Síria e roubar nossas riquezas, a começar pelo petróleo”.

Único país do mundo que tem direito a estudar todos os passos de um drama decisivo de sua história - o golpe de 2002 - através de um documentário irretocável (“A revolução não será televisionada”), no governo de Hugo Chávez (1954-2013) o Estado venezuelano promoveu um esforço inédito para quebrar o monopólio dos grandes meios de comunicação, que, ali como em toda parte do Continente, sempre foram e continuam a ser tratados como reserva familiar de grandes potentados locais.

Questionando a visão comum conservadora que descreve a Venezuela como um país dominado por emissoras favoráveis ao governo, a deputada faz um esclarecimento de primeira utilidade.

“Somos guerrilheiros da comunicação”, diz. “A hegemonia continua privada e oposicionista”.

Tania Diaz fez uma carreira profissional como bem sucedida apresentadora de TV. Em 2010 foi Ministra de Comunicações de Chávez, durante um período de quatro meses. Sempre teve uma voz influente nos debates do setor. Eleita como número 2 na lista de candidatos do PSUV para a Constituinte, ela preside a Comissão de Comunicação da Assembleia Constituinte.

A imagem de guerrilheira descreve um conjunto aguerrido de forças em posição desfavorável, capaz de movimentos irregulares de contra-ataque. A ideia faz sentido, mesmo referindo-se a uma força política que se encontra há frente do Estado desde 1999. Os números são esclarecedores, porém.

Sobre um total de 337 emissoras de TV na Venezuela, nada menos que 198 são privadas, 96 são públicas e 43 constituem emissoras comunitárias. Entre as 1077 emissoras de rádio, 687 são privadas, 128 são públicas e 262, comunitárias.

Mesmo num país que vive uma situação geral de polarização política, na vida cotidiana a maior parte da audiência fica com as emissoras privadas – só atingindo um equilíbrio nos momentos de grande disputa política, quando cada espectador procura a emissora com a qual possui maior identidade.

Por essa razão, ainda que tenham em média uma audiência menor, as emissoras públicas conseguem fazer o contraponto ao setor privado, assegurando um equilíbrio ao debate político, o que já é um progresso imenso em comparação com outros países, a começar pelo Brasil.

A Venezuela chegou a essa situação respirável a partir de um conjunto de iniciativas simples e diretas, cuja urgência foi confirmada pelo golpe de 2002, alimentado pela cobertura de um conjunto de emissoras engajadas abertamente na derrubada de Chávez. Numa das iniciativas mais importantes, em 2005, nascia uma nova emissora pública, TeleSur. Ao mesmo tempo, a antiga Venezolana de Televisão, que se encontrava naquele estado de abandono que antecede a privatização de empresas estatais de qualquer natureza, recebeu um novo reforço de recursos e prioridades.

“Os equipamentos eram velhos e a situação, tão precária, que chegamos a fazer trabalho voluntário para colocar programar no ar, com ajuda dos amigos e apelos à militância,” conta Tania Diaz, filha de um militante do PC venezuelano, ela mesma correspondente clandestina, em Caracas, da rádio Havana, de Cuba.

Com a força redobrada pela derrota humilhante imposta aos adversários vencidos em três dias, Chavez reassumiu as funções, em 2002, através de um pronunciamento pela TV. De crucifixo na mão, fez um apelo direto aos proprietários das emissoras, chamando a uma postura de respeito a legalidade democrática e a vontade da maioria dos venezuelanos. “Por Deus, reflitam. Este país também é de vocês”, disse.

Com ajuda de Jimmy Carter, ativíssimo vinte anos depois de deixar a Casa Branca, ele conseguiu promover conversas com os empresários do setor. As emissoras seguiram adversárias da política do governo mas perderam o tom de quem planeja sua derrubada para a semana seguinte. Com uma cobertura para lá de incendiária, uma emissora em particular, RCTV, manteve um tom semelhante, após a derrota.

Numa demonstração de disciplina e paciência, cinco anos depois, quando a concessão pública da RCTV expirou, Chávez fez aquilo que muitos observadores imaginavam que não seria capaz de fazer - e cumpriu a lei. Exercendo uma prerrogativa presidencial, recusou-se a renovar a concessão que permitia a emissora manter-se no ar e jamais escondeu que a razão era sua postura golpista.

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