quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Na briga do PSDB não sobra pena sobre pena

Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:

"Chocado com o espetáculo do fisiologismo político e da corrupção impune", como dizia o seu manifesto de fundação, o PSDB nasceu de uma dissidência do PMDB de Ulysses Guimarães em 1988. Passados 29 anos, a criatura ameaça implodir pelos mesmos vícios de seu criador, um incômodo aliado de ocasião.

O pedido de exoneração do ministro das Cidades, Bruno Araújo, apenas expôs os demais auxiliares tucanos de Michel Temer, dispostos a retardar o desembarque do governo mais impopular desde o fim da ditadura.

Após o esforço para domar o ambicioso prefeito João Doria, sempre de olho no trono reservado ao padrinho, o governador paulista Geraldo Alckmin agora opera para evitar que a disputa pelo comando da legenda acabe por provocar uma verdadeira cisão e prejudicar a sua candidatura à Presidência da República em 2018.

Na carta de demissão, repleta de elogios à gestão de Temer e entregue na segunda-feira 13, Araújo credita ao PSDB a decisão de sair do governo. “Agradeço a confiança do meu partido, no qual exerci toda a minha vida pública, e já não há mais nele apoio no tamanho que permita seguir nessa tarefa”, afirmou.

O gesto do ex-ministro, a reassumir o mandato de deputado federal por Pernambuco, surpreendeu a cúpula tucana. O presidente interino da legenda, Alberto Goldman, e outros integrantes da executiva nacional não foram informados previamente. Em Roma, o chanceler Aloysio Nunes Ferreira irritou-se com as perguntas de repórteres sobre a sua permanência no governo após a saída de Araújo: “Cada um sabe de si”.

Em Washington, para receber uma homenagem de um centro de estudos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se fez de desentendido. “Que ministro saiu? Vocês estão me falando agora”, despistou. Na mesma ocasião, negou costurar um acordo para evitar a realização das prévias tucanas. “O PSDB não tem caudilhos. Não tem uma pessoa que impõe sua vontade”, afirmou à emissora NTN24, rede internacional de notícias.

O racha aprofundou-se após o senador Aécio Neves intervir no comando do partido. Presidente eleito do PSDB e afastado do cargo desde maio, Aécio reassumiu apenas para destituir o interino Tasso Jereissati, em 9 de novembro, e entregar a chefia da sigla ao vice-presidente Alberto Goldman.

Oficialmente, o motivo seria a “desejável isonomia” entre os candidatos que disputarão a presidência da sigla na convenção nacional do PSDB, prevista para dezembro. Tasso é candidato, assim como o governador de Goiás, Marconi Perillo. Por trás da manobra, admitem parlamentares tucanos em conversas reservadas, há uma evidente retaliação.

Aécio foi um importante aliado de Temer nas votações das duas denúncias contra o peemedebista na Câmara e, em contrapartida, recebeu apoio da base governista na sessão que devolveu seu mandato. Não sentiu a mesma solidariedade da cúpula tucana. Um dia após a vitória no Senado, Tasso pediu a renúncia definitiva de Aécio da presidência do PSDB: “Ele não tem condições”.

Recordista de inquéritos autorizados pelo Supremo Tribunal Federal após as delações de executivos da Odebrecht, Aécio relutava em aceitar o desembarque do PSDB do governo Temer. Dois dias após destituir Tasso, que há tempos defende a debandada tucana, admitiu essa possibilidade, mas sem um ruidoso rompimento.

“Vamos sair do governo pela porta da frente, da mesma forma que entramos”, afirmou na ocasião. Embora não tenha a menor condição de pleitear a indicação do partido para voltar a concorrer à Presidência da República, Aécio ainda exerce influência sobre uma expressiva parcela de parlamentares tucanos, e pretende disputar o governo de Minas Gerais ou a reeleição ao Senado. Com um declarado desafeto no comando do PSDB, o projeto do mineiro fica ameaçado.

Ter influência sobre a máquina partidária é estratégico. Após a proibição das doações empresariais de campanha e o temor dos empresários de investir em candidatos após o tsunami provocado pela Lava Jato, a principal fonte de receita será o recém-criado fundo eleitoral. O PSDB receberá o terceiro maior volume de recursos, atrás apenas de PMDB e PT. Os postulantes a vagas no Parlamento precisam contar com a boa vontade da cúpula partidária, responsáveis pela partilha das verbas.

Além do chanceler Aloysio Nunes, o PSDB mantém outros dois ministros: Antônio Imbassahy, hoje titular da Secretaria de Governo, e Luislinda Valois, dos Direitos Humanos. O Ministério das Cidades, até há pouco nas mãos de Bruno Araújo, era o mais cobiçado, por ser um dos recordistas em liberação de emendas parlamentares, recursos destinados a benfeitorias propostas por deputados e senadores, algo de valor inestimável em ano eleitoral.

Daí a relutância tucana em entregar tão cedo os postos em um governo aprovado por míseros 3% dos brasileiros, segundo o Ibope. Ademais, o tardio movimento pode ser inútil. Se o PSDB acredita que os eleitores vão se esquecer da sua colaboração na gestão Temer, os seus adversários se encarregarão de refrescar a memória deles, advertiu, em recente artigo, o economista e ex-ministro Maílson da Nobrega.

Araújo antecipou, porém, uma situação inevitável. Há tempos outros partidos da base, sobretudo os do chamado “Centrão”, eufemismo para o baixo clero, pleiteiam mais espaço no governo. A cobiça sobre as pastas comandadas por tucanos cresceu após pouco mais da metade dos deputados do PSDB trair Temer na votação da segunda denúncia contra o peemedebista. “Para salvar 22 votos do PSDB, Temer vai perder 200”, ameaçou o deputado Benito Gama, do PTB, no início de novembro.

Embora negue publicamente ser o mentor da tese, FHC tem costurado um acordo para Alckmin ser aclamado presidente do PSDB em chapa única, uma forma de conter a disputa fratricida. Não está fácil convencer os correligionários.

“Se a lógica para tirar o Tasso foi que ele era candidato a presidir o PSDB, por uma questão de isonomia, então o Alckmin não pode presidir o partido e ser ao mesmo tempo candidato na prévia”, afirmou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, em entrevista ao jornal Valor. Ele próprio postulante ao cargo, Virgílio Neto rejeita um acordo de cúpula. “Eu estou, o Doria pode estar. Não vou desistir e a disputa tem de ser em condições de igualdade.”

Secretário-geral do PSDB, o deputado federal Silvio Torres diz confiar na construção de um acordo antes de 9 de dezembro, data da convenção nacional do partido. As negociações para a formação de uma chapa única acabaram prejudicadas pelo feriado da Proclamação da República, que resultou em uma semana de recesso branco no Congresso, e pela viagem de Jereissati a Boston, nos Estados Unidos. A comissão eleitoral do partido, com representantes dos candidatos à presidência do PSDB, deve se reunir apenas na próxima terça-feira 21.

“Particularmente, concordo com uma proposta de Alckmin, de um sistema de rodízio. No primeiro ano, ficaria o Tasso, que não vai disputar eleições em 2018. Depois, assumiria o Perillo, que deve se candidatar ao Senado”, afirmou a CartaCapital.

“Tasso sinalizou que toparia, mas o Perillo não gostou muito da ideia. A partir de agora, quando os resultados das convenções estaduais serão conhecidos, todo mundo pode medir as próprias forças e decidir, mas ainda estou confiante em um acordo.” Torres minimiza, ainda, as divergências relacionadas ao desembarque do PSDB do governo Temer.

“A decisão de sair do governo tornou-se consensual. Tasso fala disso há muito tempo, Perillo também se manifestou a favor e, há poucos dias, o Aécio disse o mesmo. O que se discutia era o melhor momento”, afirma o parlamentar tucano. “Poderia ser uma decisão da própria convenção nacional. Deixaríamos o governo antes da virada do ano. A saída do Bruno precipitou um pouco o debate, e o próprio governo parece um tanto confuso sobre o que fazer.”

Além de se preocupar com o racha no partido, Alckmin enfrenta uma rebelião em sua própria base na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ao apresentar um projeto para aumentar a gratificação especial e readequar a remuneração de 113 procuradores do estado, medidas responsáveis por um custo adicional de 4,5 milhões de reais por ano, os governistas ficaram enfurecidos. Apesar do pequeno impacto orçamentário, diversas categorias do funcionalismo estão com reajustes represados.

Não bastasse, Alckmin acabou de encaminhar uma proposta que prevê o congelamento dos gastos públicos, incluindo a folha de pagamento, por dois anos. “O envio desses projetos para Casa, com todo respeito, foi a maior burrice que eu já vi na minha vida. Um verdadeiro tapa na cara de quem já está sofrendo”, bradou, no fim de outubro, o deputado estadual Barros Munhoz, líder do governo, durante uma audiência pública na Alesp.

Há tempos, a base de Alckmin queixa-se da “seca das emendas parlamentares”. De 2014 a 2016, os repasses da Casa Civil para municípios por indicação de deputados estaduais despencou de 227,6 milhões de reais para 39,95 milhões, queda de 82%. A pasta tem feito, porém, repasses diretamente às cidades, sem a mediação dos parlamentares. Do início do ano até outubro, o governo estadual celebrou 1.128 convênios com prefeituras, no valor total de 162,3 milhões de reais.

Em conversas reservadas, parlamentares tucanos não escondem o descontentamento. Um deles suspeita que o governo esteja favorecendo prefeitos com ambição de se candidatarem a deputado estadual. “O governador trata a Assembleia como se fosse o quintal da casa dele, como se ali tivesse um monte de office boys, e não pessoas eleitas com prerrogativas”, emenda Feliciano Filho, do PSC, partido que abandonou a base de Alckmin neste ano, assim como o PRB.

“O desabafo do Munhoz representa a insatisfação de todos. O governador precisa discutir os projetos, e não enfiar goela abaixo. É um estilo ruim para quem quer chegar à Presidência.”

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