sábado, 7 de outubro de 2017

No Itamaraty, o Macartismo à espreita

Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:

O chanceler do governo ilegítimo, Aloysio Nunes Ferreira, que um dia se disse de esquerda e até guerrilheiro, removeu o segundo-secretário Julio de Oliveira Silva, de 32 anos, do Consulado-Geral do Brasil em Nova York, em retaliação às críticas feitas pelo jovem diplomata à política externa de Michel Temer, em artigo publicado por CartaCapital. Medida “truculenta e desnecessária”, fulminou Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores de Lula.

A portaria de remoção foi assinada pelo tucano em 28 de setembro, dois dias após estreia de sua coluna no site da publicação. No texto, o diplomata afirma que “o compromisso das forças políticas atuais com o atraso, não apenas na economia, denota a intenção explícita em reverter o pacto social civilizatório duramente obtido em 1988”.

Ao analisar a recente visita de Temer à China, avaliou que o Brasil se apresentou como uma “colônia em potencial”, limitando-se a ofertar projetos de privatizações e concessões. O presidente, observou Oliveira Silva, levou consigo um séquito de parlamentares e assessores, mas nenhum empresário brasileiro com interesses no país asiático, à exceção de Blairo Maggi, ministro da Agricultura e “Rei da Soja”.

Sem aviso prévio nem explicação, o diplomata surpreendeu-se com a publicação da transferência no Diário Oficial da terça-feira 3. A CartaCapital, ele relata ter feito críticas semelhantes nas redes sociais anteriormente, mas nunca sofreu represálias.

De acordo com o regulamento interno do Itamaraty, o funcionário que deseje publicar artigos de opinião em livros, blogs ou veículos de comunicação pode fazê-lo livremente, não sendo necessário submeter o texto a autorização prévia.

Pede-se, no entanto, a inclusão no texto de um disclaimer, isto é, uma ressalva de que as opiniões são de inteira responsabilidade do autor, não coincidindo necessariamente com as posições do Ministério das Relações Exteriores. “Foi exatamente o que fiz. Cheguei a consultar a assessoria de imprensa do gabinete (do chanceler) para me certificar do procedimento correto.”

Com oito anos dedicados ao Itamaraty, o diplomata não tem dúvidas de tratar-se de uma retaliação às críticas veiculadas na coluna em CartaCapital, em razão da proximidade de datas entre a publicação do primeiro artigo e o despacho de Nunes Ferreira. Além disso, seu nome não figurava no plano de remoções do Departamento do Serviço Exterior.

“Foi uma medida totalmente atípica”, diz. “Por já ter cumprido três anos em Nova York, em breve eu seria incluído no plano de remoções. Imaginava que eles pudessem contrariar as minhas vontades ou oferecer postos ruins, mas jamais que seria chamado de volta a Brasília.”

De fato, a manobra parece contrariar a tradição do Itamaraty. “Há uma expectativa normal dos jovens diplomatas de ocuparem ao menos dois postos no exterior antes de regressar ao Brasil”, explica Amorim. “Um diplomata deve respeitar hierarquia, mas também exercer o espírito crítico, indispensável à execução da política externa”, emenda o ex-chanceler.

Após a destituição de Dilma Rousseff, instalou-se uma política de “caça às bruxas” no serviço diplomático, iniciada pelo então chanceler José Serra, antecessor e colega de partido de Nunes Ferreira. Uma das primeiras vítimas foi Milton Rondó Filho.

Em março de 2016, o diplomata enviou telegramas a embaixadas e representações brasileiras no exterior sobre a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil. Recebeu uma advertência do Itamaraty, ainda sob a liderança de Mauro Vieira, chanceler de Dilma.

Em junho, um mês após Temer assumir interinamente a Presidência, Rondó Filho foi exonerado da chefia da área de combate à fome do Ministério de Relações Exteriores.

Em julho de 2016, uma semana antes do início das Olimpíadas, o governo decidiu destituir o chefe do cerimonial, o embaixador Fernando Igreja, responsável pela recepção dos chefes de Estado da Rio 2016. O motivo? Internamente, o diplomata era visto como “simpático” ao governo Dilma, no qual foi o chefe do cerimonial do Itamaraty por três anos e meio. Após a dispensa, o “dilmista” foi enviado para Cuba.

A mesquinharia não tem limites. Contrariado com uma entrevista concedida por Rubens Ricupero à Folha de S.Paulo, Temer ordenou ao Itamaraty o cancelamento da festa de lançamento do livro do embaixador, A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016 (Versal Editores), uma das mais completas e atualizadas obras sobre a história da política externa nativa.

Ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco, integrante do corpo diplomático de 1961 a 2004, Ricupero afirmou ao jornal o óbvio: nenhum líder mundial desejava posar ao lado de Temer para uma foto.

“Hoje a imagem do Brasil não é nem pessimista nem otimista, corresponde à realidade: trata-se de um país com uma corrupção terrível, um presidente com uma segunda denúncia, ministros sendo investigados, uma crise que é a mais grave da história”, disse à jornalista Patrícia Campos Mello.

Se a crítica está interditada, o puxa-saquismo está liberado. Primeiro-secretário lotado no departamento de Europa Central e Oriental, Igor Abdalla publicou o artigo “Temos de volta o Itamaraty!”, logo após a consumação do impeachment, no site do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB.

Filiado ao partido, ele celebrava o fim do ciclo “lulopetista” na diplomacia. Não consta que tenha sido alvo de qualquer advertência ou pedido de moderação sobre as manifestações de cunho político.

Nas gestões anteriores, diversos diplomatas desfiaram críticas aos governos petistas, sem remoções ou exonerações. Atual diretor do Departamento de Serviço Exterior, Alexandre Porto foi colunista da Folha entre 2013 e 2016. Jamais poupou críticas a Dilma. Em março de 2016, escreveu a coluna “Caloteiro Ostentação”, na qual criticava os atrasos do Brasil em repasses para organismos multilaterais, enquanto o governo esbanjava dinheiro nas viagens ao exterior.

De acordo com ele, não pegava bem a presidenta se hospedar em Nova York no Hotel Saint Regis, “onde uma suíte média, não a presidencial, onde ela fica, sai pela bagatela de 17 mil reais a noite”, um indício de que o diplomata pode ter obtido informação privilegiada dentro do Itamaraty para atacar Dilma.

Em 2013, Eduardo Saboia criou um incidente diplomático entre Brasil e Bolívia. Deu um jeito de trazer para o Brasil, de forma clandestina, um senador da oposição do governo de Evo Morales que estava asilado na embaixada do Brasil em La Paz. Sofreu um processo administrativo disciplinar e tomou uma breve suspensão. Hoje, é o chefe de gabinete de Nunes Ferreira.

Autor do blog Diplomatizzando, Paulo Roberto de Almeida bradou contra o “lulopetismo diplomático” por anos a fio. Recentemente, reafirmou o teor das críticas no Facebook, e emendou: “Se o governo do lulopetismo me tivesse punido ou censurado, eu teria achado absolutamente normal e legítimo, pois infringi a Lei do Serviço Exterior.

Ou seja, não me “puniram”, mas poderiam tê-lo feito com toda razão”, afirmou, antes de acusar as gestões petistas de vetá-lo para o exercício de cargos na Secretaria de Estado de Relações Exteriores.

Em nota, o Sindicato dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores disse acompanhar o processo de remoção de Oliveira Silva do Consulado-Geral do Brasil em Nova York, além de prestar assistência jurídica ao diplomata.

“Aproveitamos o episódio para, mais uma vez, reforçar o posicionamento do Sinditamaraty em relação à falta de clareza nos processos de remoção. Critérios parciais e intempestividade expõem os servidores e seus familiares a situação vulnerável, particularmente quando lotados no exterior”, diz o texto.

Procurado pela reportagem, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que não vai se posicionar sobre o caso. Diante da falta de transparência, o deputado federal Nelson Pellegrino, do PT da Bahia, protocolou um requerimento de pedido de informações a Nunes Ferreira sobre a atípica transferência.

0 comentários: