domingo, 5 de março de 2017

Venda de terras e o controle do território

Por Aldo Arantes, no Blog do Renato:

No caminho da entrega de nossas riquezas, após o pré-sal e a abertura de nossa economia ao capital estrangeiro, o ilegítimo governo Temer resolveu acelerar a votação do projeto de lei que autoriza a venda de grandes extensões de terras a estrangeiros.

Demonstrando a pressa do governo em dar mais uma demonstração de sua política de colocar a economia brasileira a reboque dos interesses estrangeiros, o Ministro Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, declarou que o projeto da venda de terras a estrangeiros deverá ser votado logo após o carnaval. Na mesma linha o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a liberação da venda se daria em 30 dias.

O Projeto prevê que os investidores estrangeiros poderão comprar até 100 mil hectares de terras (1 mil km²) e arrendar outros 100. Segundo o InfoMoney cinco empresas brasileiras têm interesse direto na aprovação do projeto: SLC Agrícola, Vanguarda Agro, BrasilAgro, São Martinho e Cosan. É relevante destacar que a família do relator do Projeto, Deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), também é interessada já que seu pai é proprietário do Grupo Newton Cardoso que atua em reflorestamento através da Florevale (Floresta Vale do Jequitinhonha ) , além de ter investimentos nas áreas de agropecuária e siderurgia.

O crescimento do interesse internacional na compra de terras em países da África e América Latina cresceu com a crise econômica, hídrica, energética e climática desde 2000, tendo acentuado em 2008. Análises do Banco Mundial indicaram que, antes de 2008, a comercialização de terras no mundo era, em média, de 4 milhões de hectares por ano. E que, entre 2008 e 2009 mais de 56 milhões de hectares foram comercializados, dos quais 70% na África. No Brasil e no restante da América Latina cresce o apetite das empresas estrangeiras. A lei que o governo pretende aprovar atende a estes interesses.

O papel do capital estrangeiro no desenvolvimento nacional sempre foi objeto de muita polêmica, com destaque especial para a venda de grandes extensões de terras já que esta medida implica no controle de partes do território nacional. Quando o tema esteve em pauta no governo da Presidenta Dilma, pretendia-se colocar um limite pequeno à compra de terras por estrangeiros. Tal posição terminou inviabilizando tal medida por oposição dos interessados em não se fixar limites. Segundo o relator do projeto “o mercado quer isenção de limite”. E, conforme sua avaliação, mais que 100 hectares é a necessidade mínima para um grande projeto de celulose.

Esta questão se relaciona com as exigências das multinacionais da mais ampla abertura da economia aos capitais estrangeiros. Tal diretriz passou a ser adotada pelo governo Collor e aprofundada no governo Fernando Henrique. Em seu governo foi assinada uma Carta de Intenções com o FMI onde ao citar que estava em curso um processo de “amplas reformas” o texto destaca a “Continuada abertura da economia através da liberalização do comércio e dos fluxos de capital, o que talvez seja o mais amplo programa de privatizações da história, a desmonopolização e desregulamentação dos setores chaves da economia”.

Esta é a política que está sendo seguida à risca pelo governo Temer. A polêmica sobre a participação de capitais estrangeiros em nossa economia esteve presente na Assembleia Nacional Constituinte se manifestando em torno do conceito de empresa nacional. Os setores democráticos e nacionalistas defendiam uma clara diferenciação entre empresa nacional e estrangeira. No debate, para driblar esta diferenciação, surgiu o conceito de empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro.

Uma lei aprovada em 1971 proibia a venda de extensas áreas de terras a estrangeiros. Todavia permitia a compra áreas rurais por pessoas físicas residentes no território nacional, desde que não ultrapassasse vinte e cinco por cento da superfície dos municípios. Assim como a compra ou arrendamento não poderiam ultrapassar a 50 módulos rurais. Era livre a compra de áreas de até três módulos. A compra de terras por pessoas jurídicas para a Implantação de projetos industriais deveria ter pareceres dos Ministérios de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Agricultura e obter uma autorização das autoridades federais.

Os defensores da abertura ao capital estrangeiro passaram a argumentam que os dispositivos da referida não foram recepcionados pela Constituição, sobretudo após a emenda n. 6 que revogou o artigo 171 da Constituição que fazia diferença entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro. Em 1998, com base na emenda constitucional n. 6 a AGU deu parecer no sentido de que empresas nacionais e estrangeiras não poderiam ser tratadas de forma diferente e liberou a venda de terras a estrangeiros.

A partir de 2000 o temor da invasão estrangeira cresceu. Em 2010 a empresa chinesa Chongoing Grain Group anunciou a disposição de comprar 100 hectares de terras no oeste da Bahia para plantar soja,com investimentos de 300 milhões de US. No mesmo ano a AGU, em novo parecer, restabeleceu as restrições à venda de terras a estrangeiros.

Em fevereiro deste ano a SRB (Rural) assina a ADPF 342 para que se reconheça a incompatibilidade com a Constituição o tratamento diferenciado entre empresas nacionais de capital estrangeiro.

Com toda esta celeuma jurídica fica claro que a aprovação da lei em debate é essencial para destravar a venda de terras a estrangeiros. Daí a forte reação das entidades do movimento social.

Em nota crítica ao projeto de venda de terras aos estrangeiros a CONTAG, CIMI, MST, CONIC (Conselho das Igrejas Cristãs do Brasil) e mais inúmeras entidades da sociedade civil lançaram um alerta à sociedade onde afirmam que “vender terras significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e o controle do nosso território”.

No debate sobre o projeto, realizado na Câmara no dia 22/02/2017, o representante da CNBB , Guilherme Delgado, afirmou que o texto é completamente inapropriado “vai na contramão dos regimes fundiários instituídos pela Constituição de 1988”. E o representante do Ministério da Defesa, Paulo Cézar Brandão , criticou o projeto afirmando que ele representa uma ameaça à soberania do País, pois retira do Estado a prerrogativa de monitoramento e controle sobre aquisições indiretas de terras por estrangeiros. Já para o Itamaraty a proposta vai na direção da não discriminação entre empresas brasileiras e controladas por estrangeiros.

O artigo 172 da Constituição estabelece a norma para o tratamento a ser dado ao capital estrangeiro al dispor que “ A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”. No entanto o que o chamado mercado quer é a liberdade completa do capital, sobretudo para o capital estrangeiro.

Segundo os defensores da iniciativa o Projeto asseguraria investimentos da ordem 50 bilhões de dólares. Todavia não se pode analisar tal iniciativa levando em conta somente o aspecto econômico ou mesmo jurídico. O tema tem um interesse político, pois envolve a soberania do país.

A venda de terras a estrangeiros é uma medida que acarreta graves prejuízos ao país. Concentra a propriedade de terras, mais ainda, prejudicando a produção de alimentos. Com isto coloca em risco a segurança alimentar podendo provocar o desabastecimento interno. Aumentará muito o preço da terra criando sérias dificuldades para que seja ampliada a política de reforma agrária além de dificultar a compra de terras por pequenos proprietários. E, o mais grave, representa uma séria ameaça à soberania nacional, pois partes de nosso território estarão sendo controlados por estrangeiros.

Por tudo isto os democratas e nacionalistas devem se colocar de forma firme e decidida contra mais este atentado ao patrimônio nacional.

* Aldo Arantes integrou a Subcomissão de Reforma Agrária da Constituinte de 1988, é membro da Comissão Política Nacional do PCdoB.

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