quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Vai-se o ano, segue a crise

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Vai-se embora finalmente o ano da grande devastação. Vai-se 2016, mas deixando feridas abertas e um vasto inventário de cicatrizes na vida nacional. Leio em algum lugar que o ano tão nefasto para o Brasil e para o mundo em geral terá até um segundo a mais de duração, por força do descompasso entre o giro da Terra e os relógios humanos. Um segundo a mais revelador de que 2016 está disposto a invadir o Ano Novo com suas mazelas. Não nos iludamos com os fogos, não percamos a lucidez com os brindes. No Brasil, por ora segue a crise, com aumento do desemprego, da instabilidade política, da anemia democrática, da desconstrução da cidadania e seus direitos, do espanto com a corrupção dos governantes e com o poder dos grupos corruptores.

Foi um ano ruim para a democracia no mundo. Ano em que os eleitores de vários países votaram com o gosto do ressentimento na boca, elegendo Trump, aprovando o Brexit, fortalecendo a direita e enaltecendo a xenofobia, o racismo, o machismo. Aqui, gostem ou não os críticos da narrativa do golpe, 2016 ficará na História como o ano em que o povo brasileiro sofreu uma grande derrota. A vontade popular que se expressou nas urnas de 2014 reelegendo a ex-presidente Dilma Rousseff, foi violentada num simulacro de impeachment sem crime de responsabilidade. Foi golpe, mas urdido de forma que seus defensores possam invocar o sistema de freios e contrapesos dos regimes democráticos para dizer que não foi.

 Nem por isso a História deixará de registrar que ele foi feito para encerrar um ciclo de poder popular e entronizar um governo sem voto para cumprir agenda oposta. Agenda que tem produzido recessão e desemprego e desmanchado os avanços civilizatórios mais recentes. O presidente posto na cadeira presidencial, diante do dilúvio de resultados negativos, chega a mentir sobre seu tempo de governo, como se desde a posse como interino, em maio, não tivesse se comportado como presidente definitivo, praticando sem o menor constrangimento o revanchismo e a perseguição.

Nesta espiral do caos, vão sendo erodidas as bases do Estado nacional, lançadas por sucessivas gerações. Vão-se a Petrobras e o pre-sal, o sistema elétrico, a rede de proteção social, que tem como guarda-chuva principal a Previdência. Vai-se a CLT e a antiga cordialidade, dando lugar à intolerância alimentada pela polarização política.

Mais cedo ou mais tarde, a economia sairá do atoleiro. Mais cedo ou mais tarde a democracia há de recobrar sua plenitude e a crença na representação será resgatada. A corrupção não será exterminada pela Lava Jato, pois é pecado da natureza humana, mas deve ser contida, domada. Que neste futuro os recursos públicos não sejam sangrados com tanta desfaçatez, nem a corrupção seja usada como pretexto para intoxicar as mentes e fomentar indignações com segundas intenções. Tudo isso podemos conseguir mas não agora, com este Ano Novo, que por algum tempo ainda arrastará as correntes da crise e seus castigos.

2017 é um grande ponto de interrogação. Não sabemos sequer até quando Temer nos governará. Pode ser cassado pelo TSE, pode ser alvejado pela Lava-Jato, pode ficar no cargo ate o Ano Novo de 2019. Seja como for, teremos aprendido que governos ilegítimos jamais serão redenção para qualquer situação. Seja como for, é preciso ser atento e forte, como disse o poeta, para não permitir que tudo isso se repita. Desejando a todos que ano seja o melhor possível, encerro esta mensagem com um poema de Sophia Mello Breyner Andressen sobre o tempo, este implacável regente de nossas vidas, que nos ensina a reverenciá-lo.

Não creias Lídia,

que nenhum estio

Por nós perdido possa regressar

Oferecendo a flor

Que adiamos colher.

Cada dia te é dado uma só vez

E no redondo círculo da noite

Não existe piedade

Para aquele que hesita.

Mais tarde será tarde e já é tarde.

O tempo apaga tudo, menos esse

Longo indelével rastro

Que o não vivido deixa.

Não creias na demora em que te medes.

Jamais se detém Kronos cujo passo

Vai sempre mais a frente

Do que o teu próprio passo.

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