quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Crise e concorrência. Pavor dos jornalões!

Por Altamiro Borges

A mídia privada adora bravatear sobre as maravilhas da livre iniciativa, mas morre de medo da concorrência. Na semana passada, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) para que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirme que sites e portais noticiosos estão sujeitos à lei que limita a participação de capital estrangeiro no setor jornalístico. Na era da internet, o temor dos barões da mídia é com o crescimento do acesso aos veículos internacionais – talvez em função de perda de credibilidade e de qualidade dos jornalões nativos. Na ação, a ANJ deixa explícito que deseja impor alguma forma de censura aos sites estrangeiros:

"Admitir que as empresas jornalísticas que atuem na internet não precisem respeitar as regras constitucionalmente aplicáveis exclusivamente em razão do meio usado frustraria, de maneira cabal, a finalidade da norma constitucional". A entidade patronal, que sempre atacou a Constituição, agora contraditoriamente prega rigor na sua aplicação. Ela lembra que o seu artigo 222 proíbe a presença de empresas estrangeiras no setor e conclui que a norma “não abrange apenas pessoas jurídicas que produzam publicações impressas e periódicas, mas toda e qualquer organização econômica que produza, veicule ou divulgue notícias voltadas ao público brasileiro, por qualquer meio de comunicação, impresso ou digital”.

Ainda segundo a ADIN, a norma tentou “garantir que a informação produzida para brasileiros passasse por seleção e filtro de brasileiros... [Foi] uma opção constitucional por estabelecer uma espécie de alinhamento societário e editorial com vista à formação da opinião pública nacional”. O diretor-executivo da ANJ, Ricardo Pedreira, não esconde que o objetivo da ação no STF é coibir o que ele chama de “concorrência desleal” dos sites “que atuam no mercado, como empresas jornalísticas, em desrespeito ao limite de 30% de participação societária de capital estrangeiro... O que buscamos é que, para atuar no Brasil como empresa jornalística, eles se enquadrem na Constituição", afirma o adorador do livre mercado!

2016: “Um ano difícil para os jornais”

A ação restritiva da ANJ confirma o desespero dos jornalões brasileiros diante da crescente queda de tiragens e da fuga de anunciantes privados. Daí o pavor com a “concorrência desleal” de veículos estrangeiros. Na semana passada, a própria ombudsman da Folha, a afável Paula Cesarino Costa, publicou um artigo que revela a gravidade da crise. Após citar alguns exemplos mundiais, ela lamentou a decadência dos jornais nativos:

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No Brasil, a crise no setor de comunicação começou há alguns anos, com o declínio da publicidade... A Folha encerrou 2015 com receita líquida de R$ 526 milhões e lucro líquido de R$ 2,6 milhões. Em 2016, apesar do aperto maior da crise, espera fechar o ano no azul. Reduziu pessoal, cortou papel, remodelou editorias, na premente corrida contra o encolhimento do orçamento. O cenário não foi róseo para a Folha, mas se desenhou ainda pior para os concorrentes diretos. ‘O Estado de S. Paulo’ fechou 2015 com receita líquida de R$ 440 milhões e prejuízo de R$ 3 milhões. A empresa que edita ‘O Globo’ obteve receita de R$ 667 milhões, com prejuízo de R$ 51,5 milhões. Nada indica que 2016 será melhor.

Cresceu a pressão por aumento mais rápido da receita digital, dominada por poderosas organizações como Google e Facebook. Por que a ombudsman da Folha se dedica ao tema? Porque diz respeito a você, leitor, e à sociedade em que vive. Que não se entenda como tentativa de justificar falhas ou piora de qualidade. O leitor continua pagando, tem direitos e deve exigir que o jornal seja cada vez melhor. Desde que assumi a função de ombudsman, há seis meses, não houve semana em que não recebesse mensagem de leitor lamentando o corte de um caderno ou protestando contra a diminuição de espaço.

"Venho observando a Folha despencar, seja em número de cadernos, de páginas, na qualidade das tirinhas e horóscopos, mas, principalmente, com devidas e respeitáveis exceções, nos teores jornalísticos, analíticos e opinativos", criticou um dos mais severos leitores. Mais que futuro, a realidade da imprensa já é ser consumida por meio de multiplataformas, com a versão impressa cada vez mais tendo seu espaço reduzido. Segue essencial saber hierarquizar e priorizar – notícias, recursos, equipes, espaço editorial. É preciso remoldar e refundar os jornais, tornando o impresso sustentável.

A questão central é encontrar o modelo de negócio capaz de dar vida a uma publicação independente, crítica e com capacidade investigativa, resumiu Caio Túlio Costa, especialista em investigação do futuro dos meios de comunicação e primeiro ombudsman do jornal. A saída não é fácil. Em todo o mundo procura-se uma fórmula de sucesso. Minha impressão é que os jornais brasileiros estão a reboque dos acontecimentos. Os cortes de pessoal e de espaço editorial parecem responder a questões momentâneas de fluxo de caixa. Não bastaram, não bastam e não bastarão.


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Diante deste diagnóstico tenebroso, a ombudsman conclui que “2016 confirma-se como um ano difícil para os jornais em todo o mundo”. Pelo andar da carruagem, com o agravamento da crise econômica, o aumento da migração para a internet e a recorrente perda de credibilidade e de qualidade dos diários, o próximo deverá ser ainda pior. Crescem os boatos sobre demissões de jornalistas, extinção de cadernos e até de falência de alguns veículos impressos. O Estadão, por exemplo, é um dos diários que se encontra às portas do inferno!

Este cenário ajuda a explicar porque os donos dos jornalões foram tão afoitos na militância favorável ao “golpe dos corruptos”. Eles contam com o covil golpista de Michel Temer para socorrê-los neste momento de desespero. A Folha mesmo já foi contemplada com o aumento das verbas da publicidade oficial, segundo comprovou o blogueiro Miguel do Rosário, do Cafezinho. Na prática, deixando de lado a retórica liberal, os barões da mídia nativa detestam a concorrência e adoram mamar nas tetas do Estado.

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