sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Os bastidores do jornalismo

Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:

Em 2005, como repórter da TV Globo de São Paulo, fiz uma de minhas primeiras reportagens investigativas depois de retornar ao Brasil vindo da posição de correspondente da emissora em Nova York.

O produtor era Luiz Malavolta. Foi sobre uma empresa de seguros, a Interbrazil, que participou de um esquema de financiamento de campanha do PT em Goiânia, via caixa dois.

Viajei para a capital de Goiás com o produtor Robson Cerântula.

Constatamos a partir de testemunhas que, de fato, o esquema tinha existido. Adhemar Palocci, o Paloção, irmão do então ministro Antonio Palocci - à época, homem forte do governo Lula - foi citado como o caixa do PT em Goiás.

Tentamos ouví-lo em Brasília, sem sucesso - ele ocupava então o cargo de diretor de Engenharia da Eletronorte.

O motivo do caso ir parar em Brasília é que foi “abraçado” por uma das três CPIs que, simultaneamente, investigavam o mensalão petista e o governo Lula.

Uma “embaixatriz” da Globo na capital me conduziu a gabinetes de parlamentares que poderiam ter interesse no assunto. Como, pessoalmente, faço questão de não estabelecer relações promíscuas de fonte com autoridades - que, em minha opinião, acabam contaminando a independência do repórter –, fui levado a tiracolo: conversei brevemente com Aloizio Mercadante, Heráclito Fortes, ACM Neto, parlamentares que supostamente tinham trânsito com o jornalismo da emissora.

O dono da Interbrazil não atendeu à primeira convocação para depor. Acabou sendo levado pela PF, numa espécie de condução coercitiva. Assisti ao depoimento: em outras palavras, ele disse que de fato tinha doado por fora ao PT, especialmente em material de campanha, mas que fizera o mesmo para muitos candidatos de outros partidos. Seguiu-se uma longa lista: PSDB, PMDB, PP, etc.

Como a Interbrazil tinha sofrido intervenção, ele se dispôs a fazer levantamento nos arquivos da empresa sobre todos os que tinham recebido contribuições. Ele não admitiu, mas obviamente o dinheiro foi dado a título de abrir portas para a seguradora no mercado, especialmente nas apólices de empresas públicas.

A CPI pretendia convocar Adhemar Palocci para depor, mas o requerimento foi derrotado depois que o ministro da Fazenda ameaçou renunciar se isso acontecesse - Palocci, como amigo do mercado, tinha então relação “amigável” com a Globo.

Para minha surpresa, depois do registro do depoimento do dono da seguradora, a emissora simplesmente desistiu do caso. Não se interessou em correr atrás daqueles arquivos que, revelados, poderiam comprometer outros partidos além do PT. Existe uma grande diferença entre “ouvir dizer” e vivenciar pessoalmente uma situação. Ali ficou límpido, cristalino: dois pesos, duas medidas.

Eu e Malavolta ainda pretendíamos investigar um dirigente da Susep, a Superintendência de Seguros Privados - indicação do PT - sobre o qual havia alguns indícios, mas desistimos depois que ele apareceu em carne e osso na redação da TV Globo de São Paulo, para cumprimentar nosso chefe hierárquico. Ao que parece ele tinha muita intimidade com os negócios do Banco Roma, que pertenceu à família Marinho.

Mais tarde, através do Malavolta, fiquei sabendo que a investigação da Interbrazil tinha tido origem no alto escalão da emissora, a partir de araponga baiano que, segundo ele, era ligado ao deputado ACM Neto.

Desde então, olho com grande desconfiança para “vazamentos”. A quem interessam? A quem servem?

Num deles, relativo à Operação Castelo de Areia, recebi os relatórios da Polícia Federal sobre apreensões feitas na contabilidade paralela da empreiteira Camargo Corrêa. Ali constava uma anotação sobre o blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo, que supostamente teria recebido apoio publicitário da empresa por interferência do tucano Andrea Matarazzo. Descartei a informação, por julgar o valor irrelevante - era uma reportagem de TV de alcance nacional.

Como era período pré-eleitoral, eu e o editor da reportagem decidimos não focar em nomes, mas no fato de que a empreiteira fazia os pagamentos a um verdadeiro zoológico: Abelha, Macaco,Gambá e assim por diante. Pré-Lava Jato, a Castelo de Areia apenas confirmou o que eu tinha visto no caso da Interbrazil: o financiamento empresarial a políticos via caixa dois é amplo, geral e irrestrito. Não foi inventado pelo PT, embora seja compreensível a decepção dos eleitores com um partido que se dizia “diferente de tudo o que está aí”.

A Castelo de Areia levantou graves suspeitas sobre as obras do Metrô e do Rodoanel, em São Paulo, estado que é governado pelo PSDB desde Mário Covas. Mas… a operação foi anulada na Justiça. Nunca ficamos sabendo quem eram as pessoas por trás de todos aqueles codinomes.

Hoje a Polícia Federal diz que Feira é o marqueteiro João Santana e Italiano o ex-ministro Palocci. Ele nega. Duas pessoas ligadas ao PT. Mas, e o Abelha? E o Santo? E o Careca?

Hoje tenho o costume de ler na íntegra todos os relatórios divulgados pela Polícia Federal. Na medida do possível, tento ouvir na íntegra os depoimentos dados à Lava Jato.

Constato a imensa distância que existe entre o conjunto das informações obtidas pela PF e o resumo que aparece nos jornais ou nas emissoras de TV.

De um lado, informações que me parecem relevantes são descartadas. Do outro, depoimentos sem nenhum suporte factual, como o que Marcos Valério deu à Lava Jato, se transformam em manchetes: Lula e o PT teriam sido chantageados, o que é uma forma oblíqua de insistir que ambos estão envolvidos na morte do ex-prefeito Celso Daniel, o que já foi descartado por ao menos duas investigações.

Mas, em tempo de redes sociais, o que vale são as manchetes. É o jornalismo declaratório em ação: Donald Trump desconfia que Obama não nasceu nos Estados Unidos. É o suficiente para fazer uma não notícia sobreviver por quatro, cinco anos… como aconteceu no caso de Trump. Aliás, foi o “ato inicial” da carreira política dele.

Muitas vezes o problema começa já na análise das informações colhidas pela PF. Os analistas enxergam suspeita em todas as menções a Lula, por exemplo, mas não se preocupam quando MBO, o Marcelo Bahia Odebrecht, cita Aécio Neves, Alckmin ou a Globo. Reproduzimos aqui trechos dos relatórios referentes a anotações feitas por Marcelo em seu celular.



É preciso saber, sim, o que MBO quis dizer quando escreveu “coordenação lista $ com PT”, mas notem que logo abaixo ele escreve: “Aecio Neves?”.

O “DGI Chaves vs Lula” aparece destacado pelo analista, mas e o “Alckimin vs AR”?

E o “Darc vs Edu Campos”, ou o “Emb vs Globo”, ou o “PAN vs Globo”? O que significa “apoio a ANeves?”

Meu ponto é que os recursos da Polícia Federal são finitos e, como vi acontecer dentro da TV Globo (veja em O que eu pretendia dizer na TV sobre as ambulâncias de Serra), muitas vezes a distorção se dá pelas escolhas: onde se concentra os recursos da investigação.

Espero que não seja o caso, lamentaria se fosse: investigações politicamente dirigidas, que buscam atender a demanda de um público que, por força do bombardeio midiático, já condenou antecipadamente todos os remotamente ligados ao PT.

Continuamos aguardando, por exemplo, que a Operação Caça Fantasmas, da Polícia Federal, amplie seu escopo para descobrir porque uma herdeira de Roberto Marinho pagou as taxas de manutenção de três empresas offshore à Mossack & Fonseca, a fábrica de empresas laranjas do Panamá — “a serviço de ditadores e delatores”, como destacou o insuspeito O Globo — quando as empresas nominalmente são ligadas a Lucia Cortês Pinto, uma modesta moradora do bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. As empresas são a Vaincre LLC, a Juste e a AA Plus. Esperaremos sentados.

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