terça-feira, 5 de julho de 2016

O STF e os privilégios da toga

Por Maurício Dias, na revista CartaCapital:

Sopra um vento forte de desentendimento entre os 11 componentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A origem da ventania surgiu da proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman) apresentada, em recente reunião administrativa, pelo ministro-presidente Ricardo Lewandowski. A reunião foi tensa. O texto recebeu críticas duras.

Prevaleceu entre os pares o ditado popular: cada cabeça uma sentença. Só houve união em torno da condenação das regalias propostas no texto apresentado por Lewandowski.

Contra tais privilégios reagiu, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso. Avesso ao “conjunto de penduricalhos” nos salários dos juízes previstos na proposta, ele explica: “Acho que os juízes devem ser bem pagos, mediante subsídios e de uma forma transparente”.

Oficialmente, o salário de um “ilustre magistrado” não pode ultrapassar o teto constitucional, hoje em torno de 33 mil reais. Mas já, já, pode chegar a 39 mil reais, caso saia o aumento de salários aprovado há poucas semanas na Câmara dos Deputados e ratificada pelo Senado.

Afora o fixo, a remuneração legal é, porém, turbinada pelos ditos penduricalhos. Uma fartura: venda de férias, bonificação por dar aulas, abono de permanência, licença, acúmu­lo de cargos e auxílio-moradia. E vai por aí.

Um leitor minucioso, conhecedor dos fungos do Supremo às entrelinhas embutidas na proposta da nova Loman, assegura: “O projeto deixa brechas para interpretação remuneratória pelos próprios interessados e concede benefícios que jamais serão atribuídos a outros trabalhadores”.

Essa é a diferença entre os trabalhadores com toga e os sem toga.

Criar despesas grandiosas e definitivas em momento que exige austeridade, já apagada nos discursos toscos de Temer, significa estapear o cidadão. Aquele cidadão comum sem os privilégios oferecidos nas cortes.

O atento precursor dos objetivos das togas lembra que nada justifica a concessão de dois longos meses de férias com a faculdade de “negociá-las”. Ora, se isso é possível, os tais 60 dias são desnecessários a partir de uma análise superficial.

Um dos pontos sensíveis do texto da nova Loman é o “rebaixamento” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Cheira a deboche e impunidade”, fareja o supracitado precursor.

Ele explica que a Constituição prevê a inserção do CNJ em um patamar de importância, enquanto o projeto da nova Loman dá “posição geográfica ao Conselho abaixo dos demais órgãos do Poder Judiciário”.

A intenção buscada seria a de transformar essa instituição em mera chancelaria dos acréscimos de remuneração e esquecimento de limites como o teto. Bem ao contrário da ideia histórica de punir com rigor certos magistrados falastrões e corruptos.

Todos são iguais perante a lei, mas a lei para a toga é mais clara. Assim como o Exército é mais igual entre as Forças Armadas. Poderia ser também esse o lema nos dois casos.

Parece uma análise genérica, mas o dia a dia do poder de olhos vendados indica uma situação calamitosa. Castas significam custos e o País só mergulha no atraso com atitudes assim.

A história não anda só para a frente. Nesse caso engatou a ré.

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