quarta-feira, 15 de junho de 2016

Aécio Neves, o senador evanescente

Por Henrique Beirangê, na revista CartaCapital:

O senador Aécio Neves anda sumido dos microfones, dos vídeos, das páginas impressas. Já foi herói da propaganda midiática, sempre pronto a ganhar a ribalta. Desde a votação do impeachment pela Câmara dos Deputados, prefere caminhar nas sombras.

Como explicar comportamento tão comedido? Cálculo político, para preservar a possibilidade de sua candidatura em 2018? Ou “medo” das consequências de investigações a seu respeito, como suspeito de falcatruas pregressas?

Entre aspas a palavra medo, porque pronunciada por Renan Calheiros em uma das conversas gravadas por Sérgio Machado, talvez sob orientação do próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Desde que assumiu a presidência do PSDB, em maio de 2013, o senador Aécio Neves ganhou simpatia e espaço permanente na imprensa. Foi nomeado a personalidade capaz de interromper o ciclo petista no governo federal.

Agraciado como articulista do jornal Folha de S.Paulo, espaço antigamente reservado a filósofos, escritores, economistas e expoentes do pensamento nacional, passou a ser citado em reportagens claramente editorializadas, pelo suposto sucesso do “choque de gestão”.

Alcunha ao plano de déficit público zero nas administrações em Minas Gerais, quando foi governador, sucedido por Antonio Anastasia.

Choque mesmo foi o de realidade para os mineiros. De acordo com um balanço divulgado pela Controladoria-Geral do Estado, no início de 2015, estimava-se um rombo de 7,2 bilhões de reais naquele ano, caso não efetuados cortes drásticos no Orçamento.

Ao que parece, as contas do senador não batiam com o vivenciado pela população de seu estado. Na eleição de 2014, ao enfrentar a presidenta afastada, Dilma Rousseff, Aécio foi rechaçado nas urnas pelo eleitorado local ao obter 47,6% dos votos válidos contra 52,4% de sua adversária.

Tornou-se o Torquemada do governo. Crítico ferrenho da corrupção, fortalecido pela mídia, navegou feliz por longo tempo. No momento em que as acusações ressurgiram, saiu de dedo em riste. Ele se disse alvo de perseguição e de conspiração.

A tática parecia ter dado certo. Obteve o benefício da dúvida, direito solenemente negado aos investigados que não comungam dos interesses da mídia nativa.

As investigações avançaram, e a contragosto do senador, no entanto, novos delatores citaram seu nome. Advogar a tese vitimista, desta vez, não funcionou. Resultado: pesquisas de opinião que até junho do ano passado o apontavam como detentor de 35% das intenções de voto na próxima eleição presidencial agora registram escassos 17%.Aécio sentiu o golpe. Sumiu. O antes verborrágico senador, sempre de olhos postos nas câmeras, aparenta ter perdido o entusiasmo.

Antes presença permanente onde a oportunidade se oferecesse, o senador agora opta por opinar por meio de notas oficiais, ou fazendo uso da assessoria de imprensa de seu partido. Um deputado próximo a ele afirma: “Escolheu a coxia, porque tem telhado de vidro".

Nem assim, consegue o desejado resguardo. Foi preso esta semana o ex-presidente do PSDB mineiro Nárcio Rodrigues, aliado de longa data de Aécio e de Anastasia. A investigação do Ministério Público aponta para o desvio de recursos no projeto chamado “Cidade das Águas”, na região do Triângulo Mineiro, faraônico empreendimento da administração tucana para gestão de recursos hídricos, iniciado em 2010, último ano de mandato de Aécio como governador.

Nárcio e Aécio são íntimos. Na eleição para presidente do partido em Minas Gerais, em 2009, a candidatura do amigo foi apoiada pelo governador. Em um vídeo de 2010, de contribuição à campanha de Nárcio para deputado federal, Aécio fala do correligionário com entusiasmo e proximidade. Diz que são “amigos fraternos” e vê em Nárcio “virtudes que o colocam como um dos mais completos homens públicos de seu tempo”.

Quais virtudes o senador não deixa claro, mas os vícios, segundo a investigação, são muitos. O projeto orçado em cerca de 300 milhões de reais teria tido desvios de ao menos 14 milhões. Isso até onde se sabe. Foi auditado apenas 35% do plano, o restante deve ser concluído nos próximos meses.

Uma das empresas investigadas é a construtora CWP, de propriedade, até 2009, de Waldemar Anastasia Polizzi, primo do ex-governador Anastasia. Os investigadores suspeitam que a empresa ainda tenha relação com o clã, mas de maneira oculta. Segundo as apurações, a construtora foi beneficiária de pelo menos 8,6 milhões de reais nos desvios e deixou de recolher 400 mil reais em tributos.





Nárcio costuma dizer que Anastasia foi o “mentor operacional e administrativo” do governo Aécio Neves em Minas. Ele sabe de muita coisa, mas não demonstra se preocupar com o escândalo. O ex-presidente do PSDB mineiro, fotografado rindo após a detenção, acredita que terá os mesmos favores do Judiciário garantidos a seus colegas de partido?

Os próximos eventos do inquérito, não propiciam motivos de riso para o PSDB. Os investigadores já sabem que parte da quantia de dinheiro desviada por Nárcio tinha um destino: os cofres tucanos. A apuração revela que a quantia teve como finalidade abastecer as campanhas eleitorais de 2012 e 2014.

Por conta do chamado “mensalão” do PT, e na Operação Lava Jato, dirigentes foram presos, sentenciados e encarcerados. Com o PSDB, a situação é diferente. Não havendo nenhum tucano de alta plumagem encarcerado, talvez não seja à toa que a operação em Minas Gerais tenha ganhado o nome de aequalis, em latim igualdade.

Igualdade também no modus operandi da corrupção. A força-tarefa desconfia do uso dasoffshore para a remessa de dinheiro e o uso de empresas de fachada para o branqueamento de ativos. Aécio não se manifestou sobre a prisão do “amigo fraterno”. Tudo indica que os últimos acontecimentos não permitem a ele andar com a mesma desenvoltura que outrora demonstrava.

Realmente. Reapareceu de óculos escuros, mas não foi bem recebido. Na última semana, virou alvo de escracho público quando saía da Praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Chamado de golpista por uma manifestante, o senador não reagiu. Mostrou o dedo polegar, como sinal de “tudo bem”.

Foi defendido pela esposa enquanto segurava o filho no colo. “Você não sabe o que está falando”, afirmou sua mulher, Letícia Weber. A manifestante respondeu: “Eu falo o que sei. O que tenho certeza. Golpista! Parabéns pelo que vocês estão fazendo pelo Brasil”.

De todo modo, o que pesa, de fato, contra o senador? A história começou a ser desfiada no início de 2014, quando o doleiro Alberto Youssef decidiu pronunciar o nome que os investigadores da Lava Jato não queriam ouvir. Eleitores do senador no último pleito presidencial, a maioria dos delegados e procuradores de Curitiba sempre deixou claro em redes sociais sua preferência pelo tucano contra Dilma Rousseff.

Ironia do destino, a força-tarefa acabou pega de surpresa quando o doleiro contou uma história escabrosa envolvendo o senador, sua irmã e o falecido deputado José Janene, mentor do dito petrolão dentro do PP.

Em seu depoimento, Youssef disse ter ouvido do deputado que o senador dividiria propinas de uma diretoria de Furnas com o PP, e que a irmã dele faria a arrecadação junto a uma das empresas envolvidas. “Ele conversando com outro colega de partido, então naturalmente saía essa questão que na verdade o PP não tinha a diretoria só, e sim dividia com o PSDB, no caso a cargo do então deputado Aécio Neves.”

A irmã de Aécio, Andrea Neves, responsável pela comunicação do senador, sumiu após a eleição de 2014. Voltou a aparecer no início deste ano, quando se viu envolvida em documentos em poder da Justiça Federal desde 2012. A papelada revela a existência de contas no paraíso fiscal de Liechtenstein, que associam a ela, a mãe, Inês Maria, e uma fundação da qual Aécio é beneficiário.

A família defendeu-se. Alega que foi aberta uma fundação para destinar recursos para a educação dos netos de Inês. Não se tem mais notícias da investigação, se é que ainda prossegue. Um vídeo chegou a circular em Minas Gerais informando que Andrea se candidataria a prefeita de Belo Horizonte este ano.

Informação negada pelo PSDB. Um balão de ensaio testando a reação da opinião pública? Não se sabe exatamente. Sabe-se é que a irmã de Aécio estaria se dedicando mais à literatura. De que gênero? A saber...

Com relação ao escândalo de Furnas, a história não é nova. Em 2006, CartaCapitaldivulgou ampla reportagem mostrando a existência da chamada “Lista de Furnas”, documento que revelava os nomes de políticos beneficiados com dinheiro sujo vindo da central hidrelétrica em Minas. Na época, o PSDB esperneou. Alegou que a lista era uma montagem. A imprensa deu de ombros.

A Polícia Federal e o Ministério Público não se preocuparam com o assunto. Nenhum político de foro privilegiado jamais foi investigado. Assim como de costume, quando haveria de mirar em descendentes diretos da pretensa aristocracia polílita nativa, o procedimento ganhou os escaninhos do arquivo.

Coincidência ou não, Nárcio, o “amigo fraterno”, também teve o nome listado como beneficiário de 100 mil reais em Furnas. O procurador-geral, Rodrigo Janot, também optou por não desenterrar o caso. Mesmo após o depoimento de Youssef, o chefe do MP, na ocasião, decidiu pelo não prosseguimento do caso. Aécio não foi indelicado e agradeceu: “Recebo como uma homenagem o arquivamento”.

Furnas é um daqueles esqueletos escondidos no armário tucano. Outro delator decidiu jogar luz sobre essa trama, o lobista Fernando Moura. Íntimo do ex-ministro e este sim condenado e preso, José Dirceu, do PT, Moura disse ter acompanhado de perto as indicações para as diretorias de estatais no início do primeiro mandato de Lula.

Em depoimento ao juiz Sergio Moro, o lobista foi claro. Contou ter acompanhado uma reunião na qual foi decidido que Dimas Toledo, diretor de Furnas, deveria continuar no cargo na qualidade de indicação pessoal de Aécio ao próprio Lula.

“O Dimas na oportunidade me colocou que da mesma forma que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual. Ele falou: ‘Vocês não precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio’”.

O acusador de Aécio parece não ter tido a mesma sorte e benefícios de outros depoentes da Lava Jato. Moro decidiu prendê-lo novamente no último dia 18 de maio, após entender que o denunciado teria violado o acordo de colaboração ao mentir durante os depoimentos.

Dessa vez, Janot pediu abertura de inquérito no STF. Não contava com o contra-ataque do onipresente ministro Gilmar Mendes. Ele determinou que a Procuradoria-Geral da República suspendesse as diligências e o depoimento do eminente parlamentar.

O ministro disse que a decisão era “normal” e pediu mais esclarecimentos a Janot. A Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho divulgou nota na qual afirma que Mendes age “sem receio de revelar a condução político-partidária que imprime à sua atuação de magistrado”.

Mendes não se conforma e sai em defesa de sua decisão. “É absolutamente normal. O senador trouxe documentos informando que muitas das diligências que estavam sendo pedidas já estavam sendo atendidas naquela petição. Portanto, nós remetemos para que Procuradoria se pronuncie sobre isso. Enquanto isso, não há necessidade de fazermos as diligências.” Ao cabo, Mendes cedeu à pressão e determinou o prosseguimento da investigação na noite de quinta-feira 2.

Normal mesmo não era o comportamento de Aécio, pelo menos é o que afirma Carlos Alexandre de Souza Rocha, carregador de malas de Youssef. Rocha diz que um diretor da Construtora UTC, de sobrenome Miranda, teria lhe confidenciado que o parlamentar era “o mais chato” com relação à cobrança de propina. A confidência teria ocorrido no Rio de Janeiro, quando o delator foi entregar 300 mil reais ao executivo da construtora a pedido de Youssef. O dinheiro teria como destinatário final Aécio Neves.

O senador cassado Delcídio do Amaral também apontou a metralhadora contra o senador. Ele diz em sua delação que Aécio teria atuado em 2005 para esconder informações do Banco Rural na CPI do chamado "mensalão". Os dados ligariam os tucanos ao esquema criado por Marcos Valério com o PSDB em Minas Gerais.

O já célebre Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, e com ligações “fraternas” no PSDB e no PMDB, citou o nome de Aécio em gravação com os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá. Pergunta: “Quem não conhece o esquema do Aécio?” Renan, em outro diálogo, reconhece: “Aécio está com medo”.

O senador já teve a ventura de ser tratado com o devido desvelo por Judiciário e Ministério Público. Uma ação por improbidade administrativa foi encaminhada por voluntariosos promotores, em 2010, por utilização de recursos da saúde na empresa mineira de abastecimento, Copasa.

Curiosamente, o então procurador-geral, chefe dos promotores, Carlos Bittencourt entendeu que caberia a ele a propositura da ação e não aos promotores. Assumiu o caso e informou não haver “dano ao Erário”. A Justiça mineira decidiu pela extinção do processo.

O comportamento do senador tem sido de cauteloso endosso ao governo Temer. Em artigo publicado recentemente, Aécio fala da necessidade de o País procurar “Novos caminhos”. Ao mesmo tempo, o ex-assessor e coordenador de comunicação do senador, Laerte Rímoli, tornou-se presidente da Empresa Brasileira de Comunicação. Mas nosso herói toma seus cuidados. E se o governo Temer naufragar? Não se envolver em demasia é o que convém.

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