segunda-feira, 9 de maio de 2016

Michel Temer, candidato a Berlusconi

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

O tratamento generoso que Michel Temer tem recebido da maioria dos analistas políticos explica-se por uma razão ululante. Num país onde uma parcela crescente da população se recusa a aceitar um golpe de Estado de braços cruzados, todo cuidado é pouco para esconder fraquezas incuráveis de um governo construído sem legitimidade popular, em torno de uma liderança política fraca, condenada a ser tutelado pelas mesmas forças responsáveis pelo estrangulamento de Dilma Rousseff.

Se a experiência ensina que nenhum presidente capaz de herdar o cargo no final de um processo de impeachment está livre de ter seu mandato questionado desde o primeiro dia, pois lhe falta a legitimidade do voto popular, o caso de Michel Temer é bem mais grave.

Ao participar de uma conspiração ativa para derrubar Dilma Rousseff e assumir sua cadeira, o que implica em dissimular e enganar, o vice deixou dúvidas inevitáveis sobre sua credibilidade.

Não é uma dificuldade pequena, diante da circunstância de quem tentará governar um país de 200 milhões de habitantes e imensas contradições com o apoio, basicamente, daquilo que puder combinar e prometer.

Neste mundo pós-moderno, Temer é a versão brasileira de Sylvio Berlusconi, o empresário-político italiano que herdou um sistema político destroçado pela Operação Mãos Limpas, matriz original da Lava Jato. Berlusconi tornou-se primeiro ministro apoiado em sua própria rede de emissoras de TV.

Temer, que não tem televisão própria, será terceirizado pelos donos dos grandes grupos de comunicação, a quem já deve a destruição de Dilma e, caso venha a ser empossado, a chance de terminar dois anos e meio de mandato. Isso explica sua adesão integral a um programa conservador sem paralelo em nossa história recente. Sem compromisso com eleitores, fará aquilo que os senhores de sua eventual vitória determinarem.

O futuro de Temer vai depender de sua capacidade de ceder e agradar quem pode lhe fazer mal. O sucesso não está garantido mesmo assim.

A queda de Eduardo Cunha privou o vice de um aliado decisivo e criou um inimigo potencial poderoso. Pelos votos que possui na Câmara e pelo estrago que pode fazer no destino de quem não se mostra compreensivo com suas necessidades, Cunha irá agir como sempre, à espera de um acordo favorável. Ou então, irá à guerra.

Como se a dependência em relação a Cunha não bastasse, Temer tem seus próprios problemas, também. Como a advogada Janaína Paschoal admitiu, após um teste cego aplicado pelo senador Randolfe Fernandes, os quatro decretos suplementares assinados pelo vice configuram crimes de responsabilidade.

Ao menos em teoria, Temer está sujeito a mesma punição que a oposição tenta aplicar a Dilma. Isso não quer dizer que corre o risco de ser investigado. Mas a jurisprudência ainda fresca do golpe transforma o vice num alvo permanente de pressão e, para usar uma palavra feia, chantagem. Como governar assim?

Não há garantia de que a investigação de crime eleitoral, em curso no TSE, com a relatoria de Gilmar Mendes, será interrompida. Até porque Aécio Neves e Marina Silva tem todo interesse em fazer o caso avançar em vez de esperar até 2018, não é mesmo?

A jurisprudência, aqui, informa que, nesta situação, presidente e vice estão unidos de forma compacta e indissolúvel. Caso Temer venha a ocupar o lugar de Dilma, toda acusação contra ela também valerá para ele.

Num momento histórico em que o Supremo Tribunal Federal se coloca como Poder Moderador, acima do Legislativo e do Executivo, instituições que tem como base o voto popular, Temer avança em direção de uma presidência tutelada e vigiada.

Produto de uma conspiração na qual compromissos de campanha e princípios democráticos essenciais foram abandonados, a submissão emerge como a marca essencial de seu governo.

É sintomático que o advogado Cláudio Mariz de Oliveira tenha sido vetado para ocupar o Ministério da Justiça. Seu nome tornou-se inaceitável no círculo do vice em função da postura garantista, de quem tem um histórico a defender quando se trata de direitos humanos. A crítica de Mariz à Lava Jato já incluiu nivelar as prisões preventivas e delações premiadas à prática de tortura de prisioneiros que ocorria no regime militar. Radical, né?

A experiência de presidentes tutelados não produz bons antecedentes em nenhum lugar do mundo.

O caso mais recente, na América do Sul, envolve Juan Maria Bordaberry, presidente do Uruguai entre 1973 e 1976. Quando comandantes militares tentaram tomar-lhe o cargo, como seus equivalentes haviam feito em vários países vizinhos, em vez de assumir a defesa da democracia Bordaberry aderiu ao inimigo.

Conseguiu sobreviver por três anos até que foi mandado para casa, numa decisão humilhante, de onde não saiu mais. Morto em 2011, Borbaberry passou os últimos anos de vida defendendo-se em processos onde era acusado de cometer crimes de lesa-humanidade.

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