terça-feira, 5 de abril de 2016

"Panama Papers" atingem a Globo

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Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

Conforme anunciamos ontem, um jornal holandês publicou grave denúncia contra a Globo, usando informações vazadas pelos "Panama Papers", considerado um dos maiores vazamentos do mundo, com os dados da Mossack Fonseca.

Aqui no Brasil, os dados estão em mãos do UOL e Estadão, e estão sendo usados apenas para blindar a Lava Jato, ao invés de serem analisados de maneira independente e imparcial.

Alguns leitores - brasileiros vivendo na Holanda, ou holandeses com domínio do português - traduziram o artigo para a gente. Vamos publicar as melhores versões. Segue abaixo, tradução de uma brasileira que vive na Holanda há 14 anos.

A pergunta é: o Ministério Público Federal e a Polícia Federal irão investigar? Ou a função deles é apenas destruir nossas grandes empresas de engenharia e construção civil?

A nossa imprensa vai investigar, ou tudo no mundo, para ela, se resume a "empresas da Lava Jato"?

Ou será que os blogs, mais uma vez, terão que fazer tudo sozinhos? Sem grande imprensa, sem Ministério Público, sem PF, sem nada?

Depois da matéria, tem um PS do Cafezinho.

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A bola rola via Holanda
(De nossos correspondentes – 03/04/16 21:02)

Matéria original no jornal holandês Trouw.

Tradução de Ana Isa van Dijk, brasileira radicada há 14 anos na Holanda.

O Banco Central Holandês ( Nederlandsche Bank) está investigando a possível prática de lavagem de dinheiro no futebol. Existem certamente fluxos miraculosos de dinheiro jorrando em empresas de fachada (caixa postal) na Holanda. Milhões aterrissam em contas de parceiros todos como suspeitos no escândalo de corrupção da FIFA.

“Estes são contratos falsos sem dúvida”, disse Frank van den Wall Bake. O famoso marqueteiro dos esportes, regularmente envolvido na preparação e celebração de contratos de patrocínio esportivos não faz rodeios. Os contratos que os jornais Trouw e Het Finacieele Dagblad lhe apresentou formam a base de transferência de dinheiro a partir de uma empresa de fachada Holandesa para alguma empresa de marketing esportivo na América Latina, que deveria intermediar os direitos de transmissão de campeonatosde futebol. Mas a base é dúbia, na opinião de Van den Wall Bake.

Poucas páginas

O que chama a atenção de Van den Wall Balke é a espessura muito fina dos contratos,, no máximo algumas poucas páginas: “Se você considerar as quantias relacionadas, alguns milhões, então rapidamente o que se espera são contratos de vinte a trinta páginas” . Também lhe chama a atenção o texto vago com que são redigidos: “Neste tipo de contratos a exclusividade é uma das cláusulas mais importantes. Você quer ter certeza de que será o único a possuir os direitos. Mas nestes contratos inexiste essa cláusula.”

Os contratos são para partidas da Copa Libertadores, o equivalente Sul Americano da Liga dos Campeões (Champions League). A competição é organizada pela Federação de Futebol da América do Sul (Conmebol). Eles então concedem a várias estações de televisão a permissão para transmitir esses jogos, mediante pagamento.

Indiciamento por corrupção

Na primavera do ano passado, em Maio para ser mais exato, descobriu-se que ali nem sempre se conduziu os passos com lisura. Pelo menos ę o que pensa a Justiça Americana. Na 164 das acusações de corrupção contra os dirigentes da associação do futebol mundial, a FIFA, a Justiça aponta para indicações de que empresas de marketing esportivo tem sido usadas para pagar suborno aos funcionários da Conmebol, funcionários que tinham sido diretor da Fifa.

Em 164 páginas de corrupção acusações contra condutores de associação de futebol mundial, a FIFA diz indicações de justiça têm que existem esportes empresas de marketing são usados ​​para pagar subornos aos funcionários da Conmebol, os funcionários que também eram diretores da Fifa.

Dentre eles encontra-se o Uruguaio Eugenio de Figueiredo, top da Conmebol até 2014 e vice presidente da FIFA. Ele foi peso na Suíça em dezembro de 2015 e extraditado para o Uruguai. De acordar com a acusação Figueiredo recebeu propina dentre outros, do marqueteiro esportivo brasileiro José Margulies. Este é acusado de ser o homem por trás de duas empresas , Somerton e Valente, apontadas como sendo o canal para pagamento de proprinas.

E é por isso que os contratos analisados por Van den Wall Bake parecem ser tão atraentes: porque são documentos que justificam o fluxo de fundos entre a empresa de Valente e a empresa de fachada holandêsa Torneos & Traffic Sports Marketing BV (T & TSM), onde os direitos de transmissão ficam alojados. O especialista encontra ainda mais alguns outros absurdos. Então a T&TSM paga US $ 800.000 anualmente para Spoart, outra empresa de Margulies, para a comercialização dos direitos de transmissão. Van den Wall Bake: "Esse montante é ridículo, eu faria isso por metade do valor, o que estou dizendo, por um quarto ..."

Além disso fica estabelecido em um contrato firmado entre T&TSM e Valente, que este será contratado para prestar consultoria sobre as transmissões e também sobre o deslocamento e acomodação dos times nos estádios. “Agora, como é que você transporta um time para um estádio? Ao que me parece de ônibus, escoltado por um agente na frente e outro atrás. Sem contar que combinar isso com os direitos de transmissão é absurdo! Trata-se de duas competências absolutamente distintas. Em seguida, ele suspira: "Estes são definitivamente contratos falsos.”

Documentos vazados

É notável que estas empresas sejam do total desconhecimento de F. van den Wall Bake. Não só a Somerton e Valente, mas também outras duas mencionadoa nos contratos: Spoart e Arco Negócios. "Quando você fala sobre a venda ou a mediação de direitos de transmissão de um torneio importante como a Copa Libertadores, você está falando de grandes agências de marketing esportivo internacional, como IMG e Lagardère. Esses são grandes agentes, não este tipo de empresas ".

Van de Wall Blake não está isolado em suas constatações, ao que indica a reconstrução feita pelos jornais Trouw e FD tendo por base os documentos vazados da Mossack Fonseca (MF). Esta empresa de consultoria jurídica do Panamá tem como objetivo criar para seus clientes toda sorte de empresas, principalmente em paraísos fiscais. Na Holanda, Frank Sonsma, da Mossack Fonseca Holanda, trabalhou durante muitos anos em parceria com um escritório (trust company) que tinha permissão para gerenciar empresas holandesas de fachada. No outono de 2013, Sonsma assumiu a gestão da T&TSM a partir de outro escritório (trust company), TMF. E ele ressalta aqui mais inconsistências.

Para começar a Sonsma não fica claro porque a T&TSM precisa de outro escritório (trust company). Como resposta à pergunta feita ao escritório do Panamá, Sonsma é informado de que a relação entre a empresa de marketing esportivo e a “trust company” TMF, já não é mais o ideal. De acordo com a T&TSM há deficit na oferta de serviços e a TMF é muito cara. De qualquer forma Sonsma sempre poderá contratar os advocados da TMF para eventuais dúvidas.

Finalmente em 25/10/2013, Sonsma ouve do advogado da TMF Frits Verhaert a verdadeira razão para a quebra das relações entre eles: apesar de vários pedidos a T&TSM não forneceu todos os documentos obrigatórios que deveria ter o escritório da “trust company” nos termos das leis e regulamentos holandeses. A TMF, portanto, rompeu os laços com a T&TSM, e não o contrário. Procurada por Trouw e FD, a TMF não comenta nada que diga respeito ao relacionamento com seus clientes. Não está claro, portanto, se a TMF informou ao regulador, o Banco Central Holandês (De Nederlandsche Bank) se a T & TSM permaneceu no padrão requerido.

Perguntas críticas

Sonsma adverte a sede no Panamá para lidar prudentemente com o pedido da T&TSM: "Não podemos criar uma situação na qual aceitamos um cliente que anteriormente não atendeu às exigências de conformidade (regulamentar, ed.) e que todos os documentos necessários ainda não foram apresentados. Não é aceitável que, se o Banco Central Holandês (de Nederlandsche Bank) proceder visita para verificar nossos arquivos para nossa licença, que nem tudo esteja em ordem".

Sonsma examina todos os contratos que foram celebrados pela TMF e encontra inconsistências. Através da T&TSM flui anualmente mais de 16 milhões de dólares (durante dez anos), mas a seus olhos fica bastante difícil explicar estet fluxo. A T&TSM recebe os direitos de transmissão de uma empresa de mesmo nome nas Ilhas Cayman e vende a seguir os direitos de licença à estação de televisão brasileira TV Globo. Com o passar dos anos, aumentam os custos para Globo, e de acordo com MF por "mudanças macro-econômicas na região." Em maio de 2015, a justiça norte-americana descreve como os valores dos contratos para a radiodifusão tinham que ser aumentados prematuramente a fim de satisfazer a crescente fome de dinheiro de funcionários FIFA.

Os valores que a Globo transfere para uma conta da T&TSM no Banco ING são a única fonte de receita para a empresa. Seria lógico se a T&TSM recebendo da Globo pagasse royalties para a empresa nas Ilhas Cayman, o proprietário original dos direitos. Mas isso não acontece.

Demonstrações Financeiras

A partir de 2011 a T&TSM faz pagamentos anuais para uma empresa panamenha chamada Valente Corp., e para a Arco Negócios, uma sociedade nas Ilhas Virgens Britânicas. A partir de 2013, efetua também pagamentos anuais para uma empresa de marketing esportivo no Brasil, a Spoart. Sonsma não conhece essas empresas, e não há nenhuma evidência de que os proprietários dessas empresas tenham algo a ver com a comercialização de radiodifusão ou televisão. Sonsma é surpreendido. Poderia a sede no Panamá explicar do que se trata?
Sonsma também faz perguntas sobre a Arco. Pagamentos ali envolvidos chegaram em 2013 a US $ 12,5 milhões por ano.

Mas qual é o propósito da Arco? Como proprietário assina um indivíduo reconhecido como contador. Sonsma escreve que ele assume que este seja um contador que atua como uma espécie de tesoureiro (depositário), que recebe contas e paga para as pessoas envolvidas na organização de jogos de futebol. Para certificar-se, pede que quer ver as demonstrações financeiras da Arco. A MF poderia lhe fornecer? Isto parece ser um problema, pois a Arco está estabelecida nas Ilhas Virgens Britânicas, e lá as empresas não têm obrigação de publicar demonstrações financeiras.

E assim procedem num vai-e-vem algumas semanas. Sonsma torna-se cada vez mais crítico em suas perguntas. Para algumas consegue respostas, para outras não.

A partir de fevereiro de 2014 Sonsma finalmente se convence, a partir de cartas de referência de estações de TV na Colômbia e no Brasil mostrando que eles realmente usam os serviços de Valente e Spoart. A papelada está em ordem e isto dá fim às preocupações de Sonsma. As competições para as quais a T & TSM vendeu os direitos de transmissão são reais, e os jogos são realmente transmitidos. Spoart e Valente estão verdadeiramente envolvidas com isso.

Sonsma é nomeado diretor e, portanto, a T&TSM pode retomar os pagamentos à Valente e Spoart. Mas os pagamentos à Arco ele não vai fazer mais, porque ele não consegue conectá-la a eventos desportivos. É por isso que ele transfere os US $ 12,5 milhões da Arco para a Valente.

Geldrop

Quase seis meses após Sonsma tornar-se diretor da T & TSM a situação mudou novamente. Em 01/10/2014 Maarten van Genuchten, tradutor do Brabant Geldrop, assume a direção, e Sonsma continua a cuidar da administração. Marina Kantarovsky, a esposa ítala-argentina de Van Genuchten, e recepcionista de hotel,já é a proprietária da empresa-mãe da T&TSM, com sede em Chipre..

Por que Van Genuchten e Kantarovsky se inscreveram? Kantarovsky era a verdadeira dona ou estava encobrindo para outra pessoa? A dupla não responde apesar de repetidos pedidos. Os registros da Junta Comercial mostram que Van Genuchten não está mais envolvido com a empresa: desde 30 de outubro de 2015 a T&TSM encontra-se sem diretor..

E assim há muito para o Banco Central Holandês investigar, se quiser obter uma resposta para a questão de quem, e em que tempo, deveria ter avisado que os contratos, e os fundos eram possivelmente de origem duvidosa.
É certo que após as acusações norte-americanas muitos dos envolvidos lavaram as suas mãos da T&TSM Sonsma concorda: "Quando ficou claro que T & TSM realizou transações com partes mencionadas como suspeitas no escândalo Fifa, nós reduzimos ainda mais a nossa relação com esses benficiários. Neste momento não possuimos mais qualquer relação com eles.” Até quando o ING continuou a efetuar pagamentos para essas empresas não está claro. O banco não quis comentar sobre as perguntas formuladas por Trouw e FD.

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PS Cafezinho: Alguns internautas lembraram das relações dessa T& TSM com J. Hawilla, o bandidão da Fifa, que era sócio da Globo no Brasil, e foi preso nos Estados Unidos. E indicaram outra matéria, do ano passado, sobre a mesma empresa, publicada num outro site holandês, editado em inglês [aqui]

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