terça-feira, 19 de abril de 2016

O 'strip-tease' da Câmara e o Senado

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Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

As seis horas de votação do pedido de impeachment na Câmara foram um espetáculo vergonhoso para o Brasil, revelando a hipocrisia e o desfaçatez da maioria dos que dizem representar nosso povo. A imprensa internacional registrou com perplexidade o clima de orgia em que foi aprovada medida tão grave para o futuro imediato da sétima economia do mundo e de uma população de mais de 200 milhões de almas. A mídia grande, que tanto trabalhou pela encenação do espetáculo, passou de raspão pelo “strip-tease”. O que todos assistiram ao vivo devia ter liquidado com as ilusões do governo sobre uma virada do jogo no Senado, ilusões que frequentaram as primeiras conversas da presidente com parlamentares nesta manhã de ressaca. E de quebra, liquidar com as ilusões parlamentaristas. Aquela maioria de políticos bufões teria o poder de eleger e derrubar primeiro-ministros segundo as conveniências e interesses do momento. Dilma e o PT não podem se iludir com o segundo tempo apenas porque os senadores são mais sóbrios. Deviam estar tratando da saída pelo voto popular, através de um acordo nacional, e não esperando pelo TSE, como quer Marina.

Em sua fala, entretanto, a presidente anunciou ter "animo, força e coragem" para lutar até o fim. Estas virtudes, que sem dúvida marcam a biografia de Dilma, não bastam num combate como este. Como ela mesma disse, em qualquer país seria estarrecedora a conspiração do vice contra a titular, em qualquer país quem adotasse tal conduta deixaria de ser respeitado. Mas aqui não. Temer está aí, negociando seu futuro governo, e os senadores também vão negociar um lugar no futuro.

Na Câmara, as traições foram um capítulo à parte na noite das misérias políticas. Com uma naturalidade quase patalógica o ex-ministro Mauro Ribeiro teve coragem de votar pelo impeachment horas depois de deixar o cargo. Dezenas de “indignados” foram ministros de Dilma ou de Lula, cevaram seus feudos políticos com cargos federais. O PSD do ministro Kassab e o PP do ex-ministro Aguinaldo Ribeiro foram majoritariamente contra o governo que sugaram. E o que dizer do voto do filho do governador mais adulado e ajudado por Lula, Sergio Cabral? Deputados que na véspera acertaram o voto proclamaram o voto com uma convicção que parecia congênita.

No meio da miséria, algumas posturas dignas de nota positiva. Leonardo Piciani, líder do PMDB, foi até o fim ao lado do governo apesar das pressões que começaram em casa. Outro foi Paes Landim, um deputado conservador do Piaui, que anuciou sem empáfica não ter se convencido do crime de responsabilidade. Ele é professor de direito aposentado da UnB. Fidelidade mesmo, apenas do PT e do PCdoB.

De resto, foi um desfile de declarações de voto sem a menor compostura política ou jurídica para o momento, uma invocação permanente a Deus, à família e à moralidade, com dedicações cansativas do voto a mulheres, filhos e netos. Discussão sobre pedaladas e decretos orçamentários, nenhuma, ao longo dos dois dias que precederam o show. Transcrevo o que o blog “O Cafezinho” colheu na mídia internacional.

“Numa análise assinada pelo correspondente Jens Glüsing e intitulada "A insurreição dos hipócritas", o site da revista Der Spiegel afirma que o Congresso brasileiro mostrou sua "verdadeira cara" e, com o uso de meios "constitucionalmente questionáveis", colocou o "avariado navio Brasil" numa "robusta rota de direita".

"A maior parte dos deputados evocou Deus e a família na hora de dar o seu voto. Jair Bolsonaro até mesmo defendeu, com palavras ardentes, um dos piores torturadores da ditadura militar", escreve o jornalista, que lembra que tanto o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como o vice-presidente Michel Temer são alvos de investigações por corrupção.

Segundo a revista, os deputados que votaram a favor do impeachment vão cobrar postos no governo de Temer, caso ele assuma a Presidência da República, e que muitos deles esperam que, com a vitória da oposição, as investigações da Operação Lava Jato desapareçam.

O site do semanário alemão Die Zeit afirma que a votação na Câmara "mais parecia um carnaval" e que uma pessoa desavisada que visse a sessão não poderia ter ideia da gravidade da situação. "Nesse dia decisivo para o destino político da sétima maior economia do mundo, o que se viu foram horas de deputados aos berros, que se abraçavam, tiravam selfies e entoavam canções", relata o correspondente Thomas Fischermann.

"Nos discursos dos representantes do povo havia tudo o que se possa imaginar: lembranças aos netos, xingamentos contra a educação sexual nas escolas, paz em Jerusalém, elogio a um torturador do antigo governo militar, o jubileu de uma cidade e assim por diante", afirma o jornal.

Já o diário alemão Süddeutsche Zeitung destaca que "inúmeros parlamentares que impulsionaram o impeachment de Dilma são, eles próprios, alvos de processos por corrupção". O correspondente Benedikt Peters lembra que o processo contra Rousseff é controverso e é considerado político. "Contra Dilma nenhum ato de corrupção foi comprovado."

Segundo o jornal britânico The Guardian, um Congresso "hostil e manchado pela corrupção" votou pelo impedimento da presidente. "Uma derrota esmagadora", afirma o jornal, que também destaca a votação no plenário. "O ponto mais baixo foi quando Jair Bolsonaro, o deputado de extrema direita do Rio de Janeiro, dedicou seu voto a Carlos Brilhante Ustra, o coronel que comandou a tortura do DOI-Codi durante a era ditatorial", e levou "uma cusparada do deputado de esquerda Jean Wyllys".

Para o jornal, é "improvável" que Temer também perca suas funções se for provado que ele praticou as chamadas "pedaladas fiscais", já que tem "forte apoio" da maioria dos deputados.

O jornal espanhol El País diz que a aprovação do impeachment era mais do que esperada e que Dilma "está a um passo" de ser tirada do poder. "Dilma Rousseff recebeu um empurrão, talvez definitivo, para sair da presidência do Brasil pela porta de trás da história", diz o artigo. "Uma derrota completa para o governo e Rousseff."

De acordo com o jornal espanhol, o "capital político" da presidente "será completamente diluído" com o voto favorável do Senado, "coisa que agora parece muito provável", e o posterior afastamento dela do cargo por 180 dias, como prevê o rito do impeachment.

Depois do espetáculo lastimável, como podem Dilma, seus ministros e aliados acreditarem em reversão da derrota no Senado? Já sabendo, de antemão, que haveria uma derrota na comissão, foi dito na reunião palaciana de hoje que o governo só precisaria de angaria dez votos para garantir a absolvição de Dilma no julgamento final do plenário, por maioria de 2/3. Mas estes dez votos teriam que ser buscados onde? No PMDB de Temer. Sinceramente, estão acreditando em papai Noel.

Para o bem do Brasil, para nos livrar de tudo de ruim que vem por ai, o que as forças políticas mais sensatas deviam estar discutindo era a saída pelas urnas, a viabilização de uma nova eleição presidencial ainda este ano. Dilma perderia dois anos de mandato mas evitaria ser novamente humilhada num circo de horrores. E o Brasil, purificado pelo fogo do voto, deixaria para trás a crise e estes tempos vergonhosos.

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