sexta-feira, 18 de março de 2016

PF ignorou o merendão do PSDB

Por Henrique Beirangê, na revista CartaCapital:

A investigação que atinge políticos do PSDB por desvios de recursos da merenda no estado de São Paulo começou por acaso após um ex-integrante da Cooperativa Orgânica de Agricultura Familiar (Coaf), sediada em Bebedouro, interior do estado, decidir entregar um esquema de superfaturamento nas compras. Insatisfeito com a bagunça e a roubalheira, João Roberto Fossaluzza Júnior revelou à Polícia Civil o envolvimento de políticos, lobistas e dirigentes da entidade em desvios de recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Fossaluzza chegou a fazer uma gravação escondida com o ex-presidente da entidade Cássio Chebabi na qual o dirigente fala abertamente do pagamento de propinas.

A fraude consistia na intermediação de políticos em vender suco de laranja superfaturado ao governo estadual e a prefeituras, sempre sem licitação. O dinheiro repassado pela União para a mesa de crianças da rede pública foi desviado para campanhas eleitorais e para o bolso da quadrilha. Até onde se sabe, ao menos 25 milhões de reais foram desviados só em 2015. Fossaluzza contou o que sabia em junho do ano passado. A sangria de dinheiro público poderia ter sido evitada, no entanto, pelo menos um ano antes se a Polícia Federal tivesse se interessado em investigar o caso.

Quem conta os detalhes do dia em que a PF decidiu dar as costas ao Merendão do PSDB é um dos investigados no esquema, Carlos Alberto Santana, ex-vice-presidente da Coaf. Diretamente ligado aos políticos e lobistas do esquema, Santana viu de perto o funcionamento do esquema e a operação de conluios para a celebração das fraudes.

Segundo as regras do Pnae, ao menos 30% dos recursos repassados pela União para a aquisição de gêneros alimentícios devem ser comprados de assentamentos ou cooperativas agrícolas. Para aumentar os lucros, a Coaf burlava a legislação. Comprava o suco de grandes empresas, o que reduzia custos, e vendia o produto superfaturado aos órgãos públicos.

Apesar de os pequenos agricultores não serem beneficiados, seus nomes acabaram envolvidos nas fraudes. Para a Coaf atestar a aquisição de suco dos lavradores, eram entregues falsas declarações dos agricultores. A cooperativa fazia uso das Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP) dos pequenos produtores, embora não houvesse contrato com eles. Algumas denúncias chegaram ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e uma diligência chegou a ser feita na sede da entidade.


Capez, presidente da Assembleia, é alvo da investigação (Fotos: Milton Michida, iStockPhoto e Rafael Arbex/Estadão Conteúdo)

Os detalhes dessa operação com fiscais e policiais federais foram testemunhados por Santana. Preocupado com a fragilidade da fraude, diz, chegou a alertar o então presidente da entidade sobre o risco de o esquema ser descoberto. Chebabi, relatou Santana em seu depoimento, o tranquilizou.

O dirigente disse que o pai do deputado federal Baleia Rossi, o ex-ministro da AgriculturaWagner Rossi, tinha influência na pasta e nada iria acontecer. Apesar da advertência, uma equipe de federais teria ido à Coaf, mas não feito apuração nenhuma. Assim como chegaram, os agentes foram embora, e nenhuma prova ou testemunho teriam sido colhidos.

Santana disse ter estranhado o fato de os policiais terem ido embora sem nenhuma averiguação. Segundo os investigadores da Operação Alba Branca, um fiscal do ministério e agentes da PF estiveram na propriedade de um pequeno agricultor para confrontar a informação sobre a regularidade das DAP. Apesar de haver dezenas de declarações fraudadas, apenas uma DAP foi fiscalizada. O objetivo da falsa fiscalização seria simular uma apuração.

Outro detalhe chamou atenção na investigação feita pelos procuradores, pelos promotores que investigam o caso em primeira instância e pela Polícia Civil em Bebedouro: a falta de interesse da Polícia Federal em entrar no caso mesmo após o início da operação em São Paulo, em janeiro deste ano, que resultou na prisão de seis suspeitos.

Desde que o primeiro passo da Alba Branca foi dado, não houve nenhum pedido de compartilhamento de provas. A possibilidade da federalização é lastreada no fato de os recursos repassados ao governo paulista e aos municípios virem da União.

“Estranhamos não haver interesse da PF ou do Ministério Público Federal. Imaginávamos que, assim como na Lava Jato, iriam montar uma força-tarefa em razão do grande número de políticos envolvidos. Mas até agora não houve contato algum”, observa um dos investigadores.

A informação de que agentes federais estiveram na sede da cooperativa e não realizaram diligências causou desconforto entre delegados em São Paulo. Reservadamente, parte deles diz ser preciso uma providência da superintendência estadual da PF ou alguma medida da direção-geral em Brasília para a identificação dos envolvidos. Enquanto isso, parte das crianças da rede estadual tem recebido suco e biscoito em vez de comida. A administração alega que o problema decorre de “troca nos fornecedores”.

Para impedir que os agentes públicos fiquem impunes, os primeiros resultados das buscas e apreensões começaram a sair. Se houver interesse federal, ainda há muito material a ser apurado. Um relatório da Polícia Civil de Bebedouro entregue à Procuradoria-Geral de Justiça revela que na sede da Coaf havia material de campanha do tucano e presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez. A cópia de um cheque de 50 mil reais em nome de um assessor do deputado também foi identificada pelos investigadores.

Com isso, os investigadores temem aumento da pressão política. Dentro de dois meses, haverá novas eleições no MP paulista e o atual procurador-geral, Márcio Elias Rosa, não poderá mais concorrer por ter cumprido dois mandatos. O procurador-geral tem reclamado a assessores do assédio de Capez, que liga insistentemente e “alega inocência”.

O fato de a esposa do tucano ser assessora de Elias Rosa também tem causado constrangimento. Além disso, brigas internas no tucanato não faltam. Capez acusa nos bastidores o secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, pelo vazamento das informações. Os dois são desafetos desde os tempos da faculdade de Direito da USP e atuaram juntos no MP paulista.

Em razão das disputas no PSDB em ano eleitoral, o temor dentro da operação é de que a mudança de comando do MP interfira no trabalho da força-tarefa. “Se a PF e o MPF não entrarem no processo, há fortes riscos de esvaziamento do caso por causa do não interesse de cobertura da imprensa e de pressões políticas do PSDB no MP paulista”, afirma outro integrante do inquérito.

Alckmin tem dois secretários oriundos do MP. Além de Alexandre de Moraes, que saiu do órgão em 2002 – mas ainda dá aulas na Escola Superior do Ministério Público –, o promotor Saulo de Castro chefia a secretaria de governo.

A administração tucana é alvo de críticas pela tentativa de aparelhamento cruzado do MP em consequência das nomeações consecutivas de promotores e procuradores de Justiça para cargos de primeiro escalão do Executivo. A pasta de segurança é historicamente ocupada por integrantes do órgão, e até recentemente a procuradora Elisa Arruda chefiava a Secretaria de Justiça.

Apesar de o STF ter decidido que integrantes do Ministério Público não podem ocupar cargos no Executivo, a medida não afetará a permanência de Castro, integrante do MP desde 1987. O STF entende que a medida se estende somente a quem ingressou na carreira após o advento da Constituição de 1988.

Uma boa notícia para o PSDB, uma vez que o esquema do Merendão atingiu o governo paulista e parte da cúpula tucana. Até o momento foram citados em depoimentos e interceptações telefônicas os nomes dos secretários da Casa Civil, Edson Aparecido; da Agricultura, Arnaldo Jardim; de Logística e Transportes, Duarte Nogueira; e do ex-secretário de Educação Herman Voorwald.

Especula-se que Alckmin promoverá mudanças no secretariado. Aparecido seria um dos atingidos pela dança das cadeiras reduzindo o foco da operação sobre o Palácio dos Bandeirantes.

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