terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Como funcionam as eleições nos EUA?

Por Gabriel Valery, na Rede Brasil Atual:

A corrida eleitoral nos Estados Unidos estampa manchetes nos mais variados veículos de comunicação brasileiros. Recortes de declarações polêmicas e trechos de debates calorosos são transmitidos pelas mídias daqui a cada passo do processo de lá. No pleito deste ano (que deve chegar ao desfecho entre novembro e outubro), os protagonistas são os candidatos Donald Trump e Ted Cruz, para o lado dos republicano, com Hillary Clinton e Bernie Sanders na disputa entre os democratas.

Para os brasileiros, habituados a eleições diretas com candidatos pré-selecionados pelos partidos políticos, a lógica norte-americana pode parecer destoar do comum. O primeiro detalhe que chama a atenção é a bipolaridade. Apenas dois partidos disputam a vaga para a presidência da maior economia do mundo. Outro ponto a chamar a atenção é a possibilidade de votações prévias dentro do partido – estágio atual do processo que vai escolher o sucessor de Obama: uma verdadeira batalha dentro dos partidos para definir qual candidato concorre na disputa final.

O professor de ciência política da Unesp, dr. Tullo Vigevani, explica à RBA estas e outras características do sistema eleitoral norte-americano. "As eleições nos Estados Unidos são muito peculiares e com muitos detalhes, contudo, é um sistema secular, tradicional, que ninguém reclama", afirma.
Primárias

O processo das eleições prévias (ou primárias) começou este ano pelo estado de Iowa, no dia (1º). Pelo lado democrata, Hillary Clinton ganhou por curta margem de Bernie Sanders, o candidato "socialista". Do lado conservador republicano, o magnata Donald Trump, que vinha liderando as pesquisas, foi derrotado por Ted Cruz. Porém, o que isso significa? Qual o impacto destes resultados?

"As primárias são regidas por critérios locais de cada estado. As formas como se faz a escolha de um candidato ou de outro são muito diferentes", explica Vigevani. Existem algumas formas possíveis para os estados da Federação escolherem seus candidatos: eleições convencionais, caucuses e convenções. "O estado determina a forma com que é realizada a escolha de acordo com a tradição. O sistema norte-americano é muito federalista, é muito respeitada a diferença entre os estados", diz o professor.

Em Iowa, primeiro estado a realizar as primárias, o sistema utilizado é o chamado caucus. A palavra não possui uma tradução lógica em português, porém é possível exemplificar o processo. "Esse sistema não tem cédula eleitoral. São reuniões entre os eleitores, realizadas em diferentes locais de cada cidade do estado, em que os eleitores discutem e, ao final, quem apoia um candidato se posiciona em um canto da sala, ou auditório, ou igreja. Quem apoia outro candidato, em outra parte do local, e assim por diante", elucida o Vigevani.

Outra forma possível de realizar esta votação é através do sistema tradicional, onde os eleitores comparecem em suas zonas eleitorais e preenchem cédulas de votação. Ainda existem convenções, que são formais e podem contar com a presença dos candidatos. Neste ano, 35 estados utilizarão os eleições regulares. Dez farãocaucuses e oito, convenções.

Após estes processos, os votos são contabilizados em todas as cidades de cada estado. "Não há obrigatoriedade de o eleitor comparecer para as votações. Só vai quem está mobilizado", recorda o professor, atentando para o fato de que nesta etapa votaram apenas os cidadãos que possuem registro nos partidos e fizeram questão do sufrágio.

Um resultado disso, por exemplo, foi o número de eleitores que participaram do caucus de Iowa. Cerca de 356 mil votos foram contabilizados no estado, sendo que o número total de inscritos no colégio eleitoral supera os dois milhões.
Convenções de julho

Após as eleições primárias, surge a figura do delegado. Eles são fundamentais no processo final para a decisão do futuro presidente. "Os delegados são escolhidos proporcionalmente ao número de votos que teve um candidato em um determinado estado. Eles são escolhidos de acordo com a votação que obteve cada pré-candidato", diz o professor.

Serão eleitos 538 delegados com razão proporcional aos eleitores registrados; número que também indica a quantidade de senadores e deputados que cada estado possui no Congresso. Quem nomeia os delegados são os próprios partidos nas chamadas convenções de julho. Nestes eventos, além de tal seleção, é declarado oficialmente o candidato de cada partido que vai disputar a presidência. "As prévias são expressas nas convenções dos partidos. São grandes festas para anunciar os vencedores".

A partir daqui começa a reta final do pleito, com a disputa voto a voto entre os candidatos determinados por cada partido.
Colégio eleitoral e eleições indiretas

Para chegar até o colégio eleitoral e definir a figura do delegado, funciona da seguinte forma: os cidadãos votam nas prévias para escolher entre candidatos do mesmo partido. Nas convenções de julho, cada partido anuncia o vencedor, além dos delegados que representarão o partido nas eleições em novembro, no colégio eleitoral. Os delegados são eleitores diferenciados, que a partir da reunião do colégio eleitoral nomeiam formalmente o presidente. Uma vez reunidos no colégio eleitoral para as eleições definitivas em novembro, os delegados podem votar em qualquer candidato, porém o mais comum é que siga o partido que o indicou para tal posto.

Uma peculiaridade do sistema eleitoral norte-americano é caracterizada pela "cor" de cada estado. Democratas são azuis e republicanos vermelhos. O singular nesta etapa é que um estado majoritariamente vermelho (republicano), por exemplo, não manda os delegados democratas (azuis) para a reunião do colégio. "No colégio eleitoral existe a proporção de acordo com os habitantes de cada estado, mas lá estão apenas representantes do partido que venceu as eleições em cada estado", explica o professor.

Este tipo de eleições indiretas pode caracterizar um fato extraordinário e estranho aos habituados às eleições diretas, como os brasileiros. "A figura do colégio faz com que as vezes não haja uma coincidência entre os votos populares e o resultado final. Pode acontecer de quem o colégio eligir, não ter maioria absoluta dos votos populares", diz o professor.

Em 2000, por exemplo, na disputa entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, o representante vermelho foi eleito pelo colégio eleitoral, mesmo sem a maioria dos votos da população. Gore recebeu maior quantidade de votos diretos, porém os delegados no colégio eleitoral nomearam Bush. Isso é possível em eleições muito acirradas, onde os representantes delegados possuem maior expressão na formalidade da nomeação do presidente.

Cerca de 40 estados norte-americanos já possuem tradição de um partido específico. Califórnia, por exemplo, é um estado democrata, assim como Nova York e os estados do norte do país. Já o sul, com estados como Texas e Flórida possuem hegemonia republicana. Estes estados mandam delegados representando apenas os partidos majoritários, conforme foi visto. Ora, então como as eleições são disputadas se já existe uma ideia bem formada sobre o posicionamento de cada estado? A resposta está nos chamados "swing states".

"Os swing states são estados os estados intermediários, onde verdadeiramente se disputam as eleições, onde há um certo equilíbrio, onde não se sabe se ganhará o republicano ou o democrata", explica Vigevani. Estes estados são, geralmente, o foco da disputa final entre democratas e republicanos. São eles que pendem para uma cor ou outra.

Todo esse sistema possui tradição secular e diversos detalhes. Não existe uma organização nacional para as eleições, os estados decidem e, muitas vezes, o processo fica por conta dos próprios partidos. Tal modelo permite uma predominância estável da hegemonia bipolar republicanos/democratas. O surgimento de outro partido com tal força é praticamente impossível. "Existem inúmeros partidos, mas o sistema eleitoral potencializa, fortalece a bipolaridade. Romper a polarização é muito difícil, justamente pelas circunscrições eleitorais, elas canalizam a polarização entre duas grandes forças", conclui Vigevani.

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