terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O pato da Fiesp não tem nada de inocente

Por Joana Monteleone e Adriano Diogo, no blog Viomundo:

Na Avenida Paulista, alguns poucos paulistanos carregavam um gigantesco pato de borracha. O Pato faz parte de uma campanha da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) contra a volta da CPMF sobre as transações financeiras. Nos últimos meses ele tem frequentado não apenas a avenida Paulista, mas também as praias cariocas, a esplanada dos ministérios e outros cenários turísticos do país. Apesar do apoio massivo de publicidade e assessoria de imprensa, ninguém estava dando a menor bola para o Pato de borracha cego dos olhos.

Nas manifestações deste dia 13 de dezembro de 2015, no entanto, o pato da Fiesp acabou por se tornar símbolo do pedido de impeachment da presidenta Dilma. Esse movimento não tem nada de ocasional. Da mesma maneira que o ato convocado para hoje, 13 de dezembro, rememora o Ato Institucional número 5 que prendeu, torturou e assassinou os que se opunham ao regime ditatorial, o Pato símbolo do impeachment lembra a todos o papel da Fiesp no golpe militar – um papel do qual a Fiesp, pode-se ver hoje, se orgulha, quando deveria envergonhar-se.

Da mesma maneira que em 1964 a Fiesp pagou para que os golpistas se organizassem e derrubassem o presidente eleito João Goulart – comprando armas, alugando petroleiros, pagando viagens de oficiais das forças armadas –, hoje a Federação das Indústrias de São Paulo está aliada ao ainda presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na tentativa de derrubar a presidente Dilma Rousseff. Com o Pato na rua, a aliança da Fiesp com os golpistas ficou mais do que clara – ficou evidente, óbvia, escancarada. Só não vê quem não quer.

As poucas pessoas que rodeavam o Pato não apenas sabiam dessa ligação espúria, mas a apoiavam e aplaudiam os feitos e o dinheiro gasto para planejar o golpe hoje curso. O Pato da Fiesp é o nosso Cavalo de Troia, traz dentro de si o que há de pior na política brasileira. Um Pato que não é só um Pato: todos os dias a Fiesp, contrariando a lei da cidade limpa, faz propaganda contra o governo federal, num show de luzes brega montado no próprio prédio pelo senhor Paulo Skaff. Prédio este, aliás, erguido com muitas facilidades governamentais na década de 1970, os anos mais sanguinários do regime militar.

Um dos aspectos menos conhecidos do golpe de 1964 foi a participação civil na derrubada do regime e a instauração da ditadura. O apoio de empresários, de boa parte do judiciário e da grande parte da classe média – sem falar da elite reunida em diversas entidades empresariais e institutos “de pesquisa” – e da mídia foi fundamental para dar legitimidade aos golpistas de então.

Foi a Fiesp, através do anticomunista descontrolado Henning Boilesen, quem montou o Centro de Integração Empresa/Escola em 1964, para domesticar ideologicamente trabalhadores. Em 1968, mais uma vez, foi o então presidente da Fiesp, Theobaldo de Nigris, ao lado de Luis Eulálio Bueno Vidigal, dono da Cobrasma, quem mandou a ditadura reprimir violentamente os trabalhadores em greve em Osasco, dando início ao clima político que desembocaria no AI-5.

Como em 1964, a tentativa de um golpe, ou de impeachment paraguaio da presidente Dilma, não se improvisa. E custa caro, muito caro. Também não custa lembrar que foi a Fiesp quem pagou um dos maiores centros de repressão e tortura do país – a Operação Bandeirantes, a Oban.

De inocente o Pato da Fiesp não tem nada.

* Artigo originalmente publicado no  IHU Online.

1 comentários:

Unknown disse...

Minguando

Os eufemismos, as estimativas forçadas e as desculpas dos analistas para esconder o retumbante fracasso das manifestações pelo impeachment atingem a hilaridade. Parece mesmo cruel rebatê-los com argumentos razoáveis.

Se antes a péssima relação custo-benefício dos protestos já saltava aos olhos, ela agora tem algo de chocante: com tamanho investimento empresarial e midiático, o resultado obtido é indigno até de menções depreciativas. Esses Desfiles do Orgulho Reacionário jogam dúvidas sobre a própria representatividade social da imprensa corporativa.

Usar Eduardo Cunha como bode expiatório é tolice do golpismo dolorido. A adesão ao impeachment caiu porque, passada a histeria inicial, ele se mostrou irresponsável, temerário e ilegítimo. Quando a brincadeira ficou séria e ganhou um objetivo prático, os amigos da PM preferiram a praia, o clube ou o shopping.

No final das contas, a insistência em fazer do suporte das “ruas” uma espécie de justificativa moral do golpe só consegue demonstrar sua essência antidemocrática.

http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br