sábado, 12 de dezembro de 2015

O impeachment e a era do 'vale-tudo'

Por Pedro Rafael Vilela, no jornal Brasil de Fato:

O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) ainda tem um desfecho imprevisível, mas juristas já calculam enormes prejuízos à democracia brasileira em caso de ruptura institucional. No mais recente capítulo dessa batalha, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na noite da última terça-feira (8) a instalação da comissão especial formada na Câmara dos Deputados que analisará o processo de afastamento da presidenta. A liminar foi concedida em ação proposta pelo PCdoB.

Numa das disputas mais ferrenhas até agora, dissidentes da base aliada e partidos de oposição manobraram, com apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para eleger uma chapa de 39 integrantes, todos favoráveis ao impeachment, em uma votação secreta e tumultuada. Pelo menos um terço desses nomes responde a processos e inquéritos na Justiça por diversos crimes, como corrupção e desvio de verba pública. No total, a comissão especial terá 65 integrantes e poderá aprovar relatório recomendando ao plenário da Câmara a abertura de impeachment.

Enquanto esse processo segue paralisado até que o pleno do STF julgue a ação – que vai definir o rito constitucional para a tramitação do impeachment – um grupo de renomados juristas lançou manifesto condenando o pedido de afastamento da presidente. Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Direito Constitucional da PUC/SP, Pedro Estevam Serrano, um dos signatários do manifesto, explica que os fundamentos para o impeachment podem resultar em uma “fraude” constitucional. “Querem realizar o impeachment da presidente Dilma a qualquer custo sem observar a Constituição”. Ele alerta para o risco do Brasil entrar numa espiral grave de instabilidade institucional, em que qualquer governo poderá ser questionado e até deposto pelo Congresso Nacional por razões absolutamente “frágeis”. Confira:

O pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff se baseia em acusações de que ela teria editado decretos suplementares do orçamento para pagar programas sociais. Isso é motivo para impeachment?

Não é motivo! Por duas razões, pelo menos. Primeiro, se houvesse ilegalidade nesses decretos seria o fato de não ter havido excesso de arrecadação, que é o fundamento para edição desses decretos. E não é da função institucional da Presidência verificar excessos de arrecadação, quem faz isso é toda uma estrutura pública na Receita Federal. Além disso, a Constituição diz que o presidente responde por atos e condutas dele, e não pelas condutas de outros agentes públicos. Em segundo lugar, uma outra questão importante é que tem que haver gravidade na conduta para poder cassar o mandato da presidente da República. Nesse caso, não houve dano ao erário, não houve desvio de dinheiro público, não há porque se falar em ilegalidade. Foi, no máximo, uma mera irregularidade formal.

O governo tem classificado esse movimento em torno do impeachment de golpe. Já a oposição e setores sociais que defendem o afastamento da presidenta dizem que impeachment tá previsto na Constituição. Como o sr. analisa essa questão?

A aceitação de um pedido de impeachment não é um golpe em si. Porém, se no final a presidenta for impedida por esse tipo de fundamento que está colocado, aí sim haverá um golpe de estado funcional. Não é um golpe de estado clássico porque não é feito por militares, mas há uma forma de fraudar a Constituição nesse caso. Por que eu digo fraudar? Porque fraudar é você desobedecer a Constituição dando aparência de que está obedecendo ela. Se utilizam das instituições democráticas para subverter a democracia. É o que estão querendo fazer nesse caso, apresentando razões muito frágeis para cassar o mandato da presidente. Ela não é acusada de corrupção, não é acusada de ter desviado em favor dela nem de ninguém. Ela é acusada de irregularidade contábil, qualquer empresário pequeno sabe que irregularidade contábil todo mundo comete e, convenhamos, nem isso de fato ocorreu. Estão forçando a barra, foram buscar um motivo de enquadrar ela em uma norma só para cassar o mandato dela. Querem realizar o impeachment da presidenta Dilma a qualquer custo sem observar a Constituição. Eu não posso querer prender alguém, por exemplo, e ficar buscando motivo para justificar a prisão dessa pessoa. Isso não é investigação, é devassa, que não é permitida no estado democrático de direito.

Diante desse cenário, quais seriam as consequências de impeachment para o futuro do país?

Quando se realiza um impeachment como esse, contra a Constituição, cria-se uma ferida difícil de curar. Na prática, a partir daí, no plano institucional, vai ser o vale-tudo da política brasileira. Tudo vai ser admitido no jogo político. O pessoal que agora poderá ficar na oposição, que é mais à esquerda, vai poder pedir impeachment mais adiante, ir para cima, quer dizer, acaba com a regra do jogo. Vai ser muito ruim para o desenvolvimento institucional do país e da nossa democracia.

O STF está sendo provocado, por meio de ações judiciais, para intervir, de algum forma, no andamento desse processo de impeachment. Qual deve ser o papel do Supremo nessa história?

Tem que garantir a Constituição. Acho que o Supremo não poderia deixar tramitar um pedido de impeachment com esse conteúdo. Os ministros precisam dizer que as condutas imputadas [à presidenta Dilma] não tem validade suficiente sustentar um processo de impeachment. Creio que o tribunal, por circunstâncias políticas, talvez não enfrente esse debate, mas é importante deixar claro que a função do STF nessas horas é contra-majoritária, que é garantir a Constituição mesmo que em prejuízo de uma opinião pública diferente.

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