segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Miriam Leitão e o direito de resposta

Por Luis Nassif, no Jornal GGN:

As duas são colunistas em jornais importantes: Vera Guimarães Martins, na Folha, Miriam Leitão, em O Globo.

Em seminário sobre imprensa, neste final de semana em Tiradentes, Miriam acalmou os jovens estudantes quanto ao receio de não terem liberdade para praticar jornalismo nos grandes jornais:

- Em trinta anos no Globo, jamais tive uma opinião minha censurada.

Os jovens jornalistas arregalaram os olhos; os veteranos, sorriram e trocaram olhares divertidos. Só jamais teve uma matéria censurada quem jamais ousou arrostar os limites impostos pelo jornal.

Em recente almoço com João Roberto Marinho, um integrante do governo ouviu dele a seguinte declaração, a respeito de um tema polêmico:

- Vou falar para a Mirian escrever sobre esse tema.

É evidente que Mirian fala por ela, mas, sempre em temas acordados aberta ou tacitamente com a casa. E também é a voz dos Marinhos, talvez a voz mais qualificada, dentre os jornalistas das Organizações Globo, mas, ainda assim, uma voz da casa.

E não se pense depreciativamente. Ele conseguiu uma imagem forte que faz com que os Marinhos recorram a ela para temas de seu interesse que, na boca da própria Globo, se tornariam suspeitos.

Essa circunstância confere à jornalista inúmeros benefícios: visibilidade, influência, prestígio, um enorme mercado de palestras.

Mirian é uma legítima beneficiária desse pacto com o grupo. Mas se recusa a admitir a contrapartida - endosso total às teses de interesse do grupo - para deixar a impressão que conquistou o direito de ter opinião própria graças exclusivamente à sua competência e prestígio junto ao público. Tão amplo e irrestrito é seu endosso ao grupo que tomou o lugar dos editoriais de O Globo para atacar a Lei que instituiu o direito de resposta com uma gana maior que os próprios editoriais.

Resposta aos abusos

Essa Lei é a primeira reação à falta de limites da mídia, especialmente depois que liquidaram com a Lei da Imprensa através do Ministro Ayres Britto – que, mais tarde, tornou-se lobista da mídia.

Draconiana ou não, a lei responde aos abusos que ocorreram na mídia nos últimos anos, em parte devido ao fato dos decanos da imprensa, os colunistas com condições de fazer o contraponto, jamais terem tido a coragem de se insurgir contra abusos que desmoralizavam a própria profissão.

Houve raríssimas exceções nas intervenções pontuais de um Jânio de Freitas, um Boechat, nos contrapontos do Juca Kfoury. Os que, como Mirian, deveriam atuar como figuras referenciais jamais ousaram para não colocar em risco uma situação profissional cômoda.

Agora, se tem essa situação.

Jornalista da Folha, Vera Guimarães resgata princípios de direitos individuais ao alcance de quem se propõe a estudar com isenção o tema. Faz a autocrítica e critica os veículos que “vivem de apontar os defeitos e o monopólio da grande imprensa”

Diz ela:

(...) Jornalistas erram como qualquer outro profissional, com a diferença de que seus erros, além de públicos, são magnificados na exata proporção da visibilidade dada à notícia. É essa equação que torna um erro em manchete muito mais grave.

(...) Os meios de comunicação estão de cheios de erros e figuras menores que não merecem o mesmo cuidado.

O cenário é tanto pior quanto menor, mais distante, partidarizado ou regionalizado for o veículo. Parece não ter caído a ficha de que a correção não é uma liberalidade eventual nem pode variar de forma e tamanho ao sabor da ocasião; ela é contrapartida indissociável da responsabilidade (e do privilégio) de quem é pago para informar.

Sem essa consciência, é difícil defender sem reservas a autorregulação da mídia, ideal acalentado pelas entidades do setor. Seria apostar numa boa vontade que a maior parte de profissionais e meios não tem demonstrado, inclusive (ou principalmente) veículos que vivem de apontar os defeitos e o "monopólio da grande imprensa".

A falta dessa consciência só leva água ao moinho dos que querem enquadrar a liberdade de informação –e a nova lei do direito de resposta traz itens exemplares dessas tentativas.


A coragem da autocrítica confere-lhe legitimidade para a crítica correta inclusive contra os que emulam os vícios da mídia que se pretende combater.
A estratégia da Globo com o Direito de Resposta

Já artigo de Mirian insere-se em uma estratégia óbvia das Organizações Globo.

Para não legislar em causa própria, recolhem as armas e mandam à arena seus colunistas – como se representassem uma opinião pública impessoal, extra-Globo-, servindo de reforço para tentativas de sensibilizar o STF (Supremo Tribunal Federal) a partir do trabalho de Gilmar Mendes e de Ayres Britto.

O resultado foi um artigo onde Mirian vale-se de todo o estoque de sofismas que marcou o a atuação da mídia nesses tempos de caça às bruxas: desde invocar ameaças bolivarianas até inverter a força dos oponentes.

Trata-se de um Manual de Como Sofismar, segundo Mirian Leitão.

Vamos extrair algumas lições de como sofismar em defesa de uma causa pouco defensável.

Primeira Lei de Mirian – em qualquer tema envolvendo prerrogativas da imprensa, a probabilidade de surgir um argumento que equipare a regulação à ditadura militar aproxima-se de 1 (100%).

É uma variante offline da Lei de Godwin, que reza o seguinte:

À medida em que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Adolf Hitler ou o nazismo aproxima-se de 1 (100%).

Poderia ser chamada de a Primeira Lei de Mirian:

(...) A norma sancionada pela presidente Dilma faz a Lei de Imprensa do governo militar parecer democrática. Ela estabelece ritos sumários, dá prazos fatais aos juízes, estabelece que o “ofendido" pode exigir reparação no mesmo espaço e na edição seguinte do jornal, noticiário de rádio e televisão.
Segunda Lei de Mirian - chame uma ideia defensável por um nome diferente visando conferir-lhe um significado diverso, de forma a confundir o oponente.

Também é conhecida como “manipulação semântica” e consiste, segundo Schopenhauer, em “chamar as coisas por um nome que já contenha o juízo de valor que queremos que seja aceito”.

Na prática, a Segunda Lei de Mirian tem esse tipo de utilização:

Existe a notícia errada que deve, claro, ser corrigida. Mas o texto fala que “ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação gratuito e proporcional ao agravo”. O governo e o Congresso chamam isso de regulamentação, mas a lei foi feita para intimidar jornalista e trazer de volta a autocensura.

Na Inglaterra, aqui mesmo, nos idos dos anos 90, os próprios jornais apresentavam a auto-regulação como alternativa a uma regulação externa. Jamais se auto-regularam. Mirian inova e trata a auto-regulação como autocensura.

O que ela banaliza – alguém se sentir ofendido – é a caracterização penal de injúria, crime previsto no Código Penal.

Terceira Lei de Mirian – se uma Lei tem implicações sociais, procure minimizar os resultados e maximizar os custos.

Há um excelente estudo de caso nas análises do Globo sobre políticas sociais.

Mirian aplica os princípios na Lei.

Considera “espantosamente autoritários” o prazo para o juiz decidir e a aplicação da multa diária em caso da publicação não conceder direito de resposta.

A jornalista que quase provocou uma crise política porque um internauta colocou em sua biografia, na Wikipedia, que ela tinha errado algumas projeções econômicas, considera mera quirera o juiz “parar o que está fazendo”, para restabelecer a imagem da vítima do ataque de imprensa.

Reparar a reputação de alguém que foi alvo de uma tentativa de assassinato de reputação é tarefa menor? Que história é essa? A gravidade do crime de imprensa é diretamente proporcional ao tempo que demorou para se corrigir o ataque.

Diz ela:

Há trechos da lei espantosamente autoritários. Estabelece prazo exíguo para o juiz decidir, e autoridade para que ele aplique multa diária ao órgão de imprensa, mesmo que a pessoa atingida pela matéria não tenha pedido. “Recebido o pedido de resposta ou retificação, o juiz, dentro de 24 horas mandará citar o responsável pelo veículo de comunicação para que em igual prazo apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu e no prazo de três dias ofereça contestação”. Ou seja, o juiz tem que parar o que estiver fazendo para, em 24 horas, mandar citar o órgão de imprensa, que tem apenas 24 horas para se defender e três dias para contestar. Em menos de uma semana, esse rito que a lei chama de “especial” tem que ser cumprido.

Quarta Lei de Mirian – apresente situações hipotéticas falsas para desqualificar as consequências da iniciativa que se pretende combater.

A lei fala em “ofendido" e “agravo” sem estabelecer o que seja isso. Ela torna a opinião um crime, e quem a emite, um réu. Recentemente um deputado me ligou pedindo “reparação”. Eu argumentei que ele teria que pedir reparação também aos seus colegas que fizeram, no plenário, as mesmas críticas que eu fiz no meu artigo. Era sobre a lei da repatriação que abre possibilidade de entrada de dinheiro no exterior proveniente de diversos crimes. Na vigência da lei 13.188 o que teria acontecido? Eu teria que publicar que o projeto não diz o que o projeto diz, porque o “ofendido" poderia considerar o meu texto um “agravo”?

Mirian recorreu a um dos princípios de Schopenhauer: o falso silogismo.

Consiste no seguinte:

· O deputado ligou para pedir uma correção de erro que Mirian disse não ter cometido.

· Se basta se sentir “ofendido” para requerer, todo mundo irá requerer o direito de resposta.

· Se a Lei estivesse em vigor, ela teria que publicar a resposta.

Sabe porque o mediador da Lei se chama juiz? É porque ele arbitra os casos. A seu juízo define o que é ofensa e o que é agravo. Isso ocorre desde que, alguns séculos atrás, definiram o formato do Judiciário nas democracias.

O caso apresentado nada tem a ver com a Lei, porque, para não atrapalhar o argumento, Mirian esqueceu de incluir a figura do juiz para arbitrar se o deputado tem ou não razão.

Quinta Lei de Mirian – o estratagema de alternativa excludente.

Consiste em contrapor a determinada questão, um conjunto de questões legítimas, como se fossem alternativas a ela. Embora nada tenham de excludentes.

Esta legislatura está atormentando o país. Aprova com rapidez leis que ameaçam a estabilidade fiscal e deixa paradas propostas para reorganização das contas públicas. Usa a tramitação de projetos de aumentos de gastos, a tal pauta-bomba, como forma de atacar o governo, e não é o governo que está ameaçando, mas sim o país como um todo. Há uma série de iniciativas polêmicas que avançam como o Código de Mineração, que dá mais poderes aos mineradores contra a lei ambiental; a proposta de dar ao Congresso o poder de definir a demarcação de terras indígenas, a que libera o uso de armas e cerceia o direito das mulheres.

Sexta Lei de Mirian – o estratagema da desqualificação institucional.

Este é mais manjado porque frequentemente utilizado como argumento econômico.

No caso, Mirian se vale do álibi Eduardo Cunha para desqualificar a lei.

Até pouco tempo atrás Eduardo Cunha era blindado pelo grupo para quem Mirian trabalha. Enquanto serviu, foi usado. E o que isso tem a ver com a Lei de Direito de Resposta? Nada.

Seria o mesmo que afirmar: enquanto os Marinho não esclarecerem sua participação na compra de direitos esportivos da CBF, tudo o que a Mirian escrever sobre economia deve ser colocado sob suspeita.

Se fosse apenas uma legislatura conservadora já seria uma infelicidade. Mas ela é pior que isso, porque as duas casas são comandadas por pessoas que estão sob grave suspeição. O pior caso é o do presidente da Câmara que dá explicações bizarras para justificar o dinheiro em contas na Suíça que afirmara não ter.

Sétima Lei de Mirian – utilize algum personagem fraco do setor que você pretende defender, para não parecer que está do lado dos fortes.

É recurso muito utilizado para justificar juros altos – não pode baixar senão vai prejudicar o pobre do pequeno poupador.

No seu artigo, Mirian sofisma para espantar a ideia de que a Lei do Direito de Resposta garante o fraco (o cidadão) contra o forte (a imprensa).

Este Congresso, assim constituído, aprova uma lei que ameaça os jornalistas. O maior risco é dos veículos menores, ou repórteres independentes que não tenham uma estrutura jurídica grande e rápida.

As maiores ações contra veículos menores partem da própria imprensa. Das sete ações que respondo, cinco são de jornalistas bancados pela estrutura jurídico das empresas nas quais trabalham, Abril e Globo. A sexta é de um Ministro, Gilmar Mendes, aliado da Globo. E a última é de Eduardo Cunha.

Quanto à Lei, o máximo que poderá ocorrer com veículos maiores e menores será publicar a reposta do atingido.

Oitava Lei de Mirian – use as crenças do seu oponente contra ele.

É uma livre adaptação de um dos princípios de Schopenhauer.

Use as crenças do seu oponente contra ele. Se o seu oponente se recusa a aceitar as suas premissas, use as próprias premissas dele em seu favor. Por exemplo, se o seu oponente é membro de uma organização ou seita religiosa a que você não pertence, você pode empregar as opiniões declaradas desse grupo contra o oponente.

Como Mirian aplica a Oitava Lei de Mirian:

Dilma diz com frequência que prefere uma imprensa crítica a uma imprensa silenciada, mas acaba de, com atos, desdizer o que diz. Não é a primeira vez que ela fala algo e faz o oposto. Agora, a presidente está sendo coerente com leis de inspiração bolivariana que vicejam em países como Venezuela, Equador e Argentina. O que nos resta é confiar que o Supremo Tribunal Federal, que revogou a Lei de Imprensa do governo militar, derrube mais esse atentado à liberdade de imprensa.

Nona Lei de Mirian – taxe a ideia a ser combatida como bolivariana, mesmo que ela seja inspirada nas democracias europeias.

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