domingo, 25 de outubro de 2015

Ódio político é combustível da crise

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

Nunca deixei de confessar minha admiração pelo professor Paulo Nogueira Batista Jr. , desde os tempos em que a Folha não tinha praticado a burrice autoritária de retirá-lo do seu quadro de colunistas.

Não apenas por sua visão de Brasil, dos caminhos da afirmação de nossas inseparáveis soberania e justiça social como porque é um dos raros economistas que é capaz de falar de forma inteligível para a maioria das pessoas, preocupação essencial em quem quer difundir ideias mais que impor verdades.

A sua expressão para os donos do dinheiro é carioquíssima e compreensível por qualquer um: “a turma da bufunfa”.

Hoje, na Folha, Eleonora de Lucena faz com ele uma imperdível entrevista. Embora um pouco mais técnica, segue clara e eu a recomendo fortemente a todos os que querem saber o que é, para que serve e como se está implantando o NDB, o Banco dos Brics, que tem o destino a ser progressivamente um contrapeso nas políticas financeiras imperiais para o mundo que, em graus diferentes, vêm desde Breton Woods, no pós-guerra.

Mas separei para colocar aqui o que ele pensa sobre a crise brasileira, justo no ponto de equilíbrio que vem ( ou vinha, tomara) faltando a Joaquim Levy. Que ajuste, que corte, que restrição nunca pode ser algo em si, que perca o olhar estratégico e, muito menos, aquilo para que vem um governo de natureza popular: a elevação dos níveis de vida do nosso povão.

Sem isso, caímos no cinismo pseudocientífico daquele Professor de Desemprego que acha que saúde econômica se faz com o sacrifício dos pobres.

Por isso é muito bom contarmos com Paulo Nogueira Batista Jr., mesmo lá fora, como uma espécie de “reserva internacional” do Brasil.

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“Ajuste deve incluir queda
nos juros e crédito ao consumo”


Folha – Qual sua visão sobre o caráter da atual crise brasileira?

Paulo Nogueira Batista Júnior – É uma combinação de fatores econômicos e políticos, internos e externos. No campo externo, aconteceu o fim do superciclo de alta das commodities, em parte por causa da desaceleração da China, e o começo do fim da liquidez suberabundante nos mercados internacionais, em função da esperada reversão da política monetária nos Estados Unidos.

O governo brasileiro permitiu, ou não teve meios de conter, a sobrevalorização grande e prolongada do real, só recentemente revertida, o que danificou o setor industrial e gerou desequilíbrio das contas externas correntes. Houve represamento de preços públicos e certo enfraquecimento da política fiscal no período recente.

Mas os problemas fiscais nem de longe justificam a retórica que circula a respeito (“tragédia” fiscal, “colapso” das contas públicas). Houve até comparações com a Grécia, o que é um absurdo manifesto. Mas, é claro, o dissenso político interno exacerbou de maneira grave a situação econômica e gerou crise de confiança.

Como o sr. avalia o ajuste conduzido pelo ministro Joaquim Levy? Era necessário? Aprofunda a crise? É um erro?

A disciplina fiscal é sempre fundamental. Mas é mais difícil fazer o ajuste quando a economia está debilitada e a política monetária também é pró-cíclica. O que, em princípio, ajuda a reativação da economia é a depreciação do real. Mas, como o setor externo é pequeno relativamente à economia como um todo, ela não basta.

O essencial mesmo é obter a estabilização política que dará sustentação ao ajuste fiscal. E combinar o ajuste fiscal com uma agenda de crescimento, que certamente deve incluir a diminuição dos juros e a ampliação do crédito. É isso que o governo está buscando, segundo entendo.

Vivendo agora na China, como o sr. observa os desdobramentos da economia chinesa e seus efeitos para o Brasil? Haverá mudança substancial no modelo de desenvolvimento chinês?

Haverá, acredito, uma mudança gradual do modelo de desenvolvimento da China. O peso relativo do setor de serviços está aumentando; o do setor industrial, caindo. A taxa agregada de investimento deve diminuir aos poucos, enquanto aumenta a taxa de consumo.

A economia está desacelerando, mas o crescimento deve continuar elevado, talvez na faixa de 6% ao ano. O Brasil já está sentindo os efeitos dessas mudanças, pois o crescimento da China, nosso principal mercado de exportação, não só é menor como provavelmente menos intensivo em alguns tipos de commodities que o Brasil exporta, minério de ferro, por exemplo.

Qual deve ser o caminho para o Brasil superar a recessão e a crise política?

Não me sinto em condições de apontar caminhos para o Brasil, estando há tanto tempo fora do país. Diria apenas que o essencial é ter sucesso em um ajuste fiscal gradual, com aumento do superávit primário, combinando isso com taxas menores de juro.

Sucesso no ajuste fiscal pressupõe certa estabilização da situação política, com o executivo e o congresso trabalhando para superar os problemas. E o ajuste fiscal deve preservar os investimentos prioritários e as políticas sociais.

A situação atual significa a derrota do desenvolvimentismo, como alguns apontam?

Sempre houve um movimento pendular entre desenvolvimentismo, de um lado, e liberalismo, de outro. Roberto Simonsen/Eugênio Gudin, Celso Furtado/Roberto Campos, Conceição Tavares/Mario Henrique Simonsen.

No momento, o desenvolvimentismo está sofrendo porque políticas adotadas sob sua orientação geral não deram os resultados esperados. Politicamente falando, não adianta desenvolvimentistas como eu ficarem dizendo: “Ah, mas não era bem isso que nós recomendamos e sugerimos etc”.

Assim, como nada adiantava os liberais ficarem dizendo isso na época dos fracassos dos governos Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor. Mas o fato é que com o desenvolvimentismo dos governos Lula e Dilma se promoveu uma grande inclusão social no país, provavelmente sem precedentes. E o Brasil foi mais independente na sua política externa do que em períodos anteriores.

Quais devem ser os pilares para um projeto de país?

São as coisas de sempre: desenvolvimento, independência nacional, justiça social, democracia e proteção do meio ambiente. Nos últimos dez ou quinze anos, temos sido razoavelmente bem-sucedidos nesses quesitos.

Nos anos mais recentes, estamos falhando em matéria de desenvolvimento e a crise política ameaça, no meu entender, a democracia. Quando a disputa política ultrapassa certos limites, ela pode colocar em risco o respeito às regras da democracia, inclusive o respeito ao resultado de eleições.

A continuar o quadro de divisão interna, a própria autonomia nacional corre certo risco. Um país politicamente muito dividido perde condições de atuar no plano internacional e se torna mais vulnerável a interferências e pressões do exterior.

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