sexta-feira, 23 de outubro de 2015

FHC e grande mídia: relações perigosas

Por Patrícia Faermann, no Jornal GGN:

Registrados em um gravador relatos cotidianos das experiências que vivia entre 1995 e 2002, na cadeira do Palácio do Planalto, o então presidente Fernando Henrique Cardoso narrou bastidores da sua agenda. Em um dos episódios, publicados em "Diários da Presidência" (Companhia das Letras), FHC conta a sua estrita relação com as Organizações Globo, por meio de Ali Kamel e de Roberto Marinho, e também de Otávio Frias Filho, que controla o grupo Folha.

Em 1995, durante o processo de escolha de um alto funcionário que ocuparia o Ministério das Comunicações, o FHC presidente solicitou a opinião de Marinho para acertar o nome. O dono da rede de televisão foi chamado a indicar três pessoas para o cargo de secretário-executivo da pasta. Roberto Marinho encaminhou a FHC a lista de possibilidades, antes que o presidente deixasse a decisão final, dentre as opções do dirigente da Globo, a Sérgio Motta, um dos fundadores do PSDB e então ministro das Comunicações.

O trecho é uma das quase 4 mil páginas transcritas pela antropóloga Danielle Ardaillon, curadora do acervo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, responsável por passar ao papel os áudios diários gravados por FHC. O livro "Diários da Presidência" é o resultado da primeira parte desse material, que compreende os anos de 1995 a 1996, lançado pela Companhia das Letras. Somente para esse primeiro livro, foram 44 fitas cassete decupadas, em um total de cerca de 90 horas. A editora pretende publicar outros três volumes até 2017, com os registros dos quatro anos.

A redação que trata especificamente desse envolvimento de FHC com Marinho foi assim publicada: "Eu próprio [FHC], depois de ter pedido uma informação ao Roberto Irineu Marinho a respeito de três pessoas competentes da área, pedi ao [ministro] Eduardo Jorge que as entrevistasse. Passei os nomes ao Sérgio Motta [1940-98]. O secretário-executivo escolhido pelo Sérgio [Renato Guerreiro] é um desses três".

Conforme menciona o texto, o resultado foi a indicação de Sérgio Renato Guerreiro para o cargo de secretário-executivo, como um nome das Organizações Globo dentro do setor de Comunicações do governo federal.

A citação foi publicada pela Folha de S. Paulo, que recebeu um dia depois uma nota de resposta de Roberto Marinho. O presidente do Grupo disse que "não é verdade" que "a Globo influenciou a escolha de nomes no Ministério das Comunicações".

Na nota, o executivo justifica que a empresa disse, na época, à FHC que "o ministro é seu [do presidente]", e completa com outros trechos do livro, nos quais evidencia que, apesar de uma tentativa de isentar a indicação do grupo Globo, Fernando Henrique menciona que Marinho tinha o "desejo" de "uma limpeza na área [da opinião pública]".

"Nos registros feitos entre 30 de janeiro e 5 de fevereiro de 1995, disse Fernando Henrique em relação ao ministério: 'É preciso mudar os métodos de administração, acabar com o nepotismo e, sobretudo, com a falta de critérios objetivos na distribuição dos canais. Eu já tinha conversado muito com o Sérgio sobre esse assunto e ele está levando isso adiante, com o apoio, hoje, de setores crescentes da opinião pública e – devo deixar aqui um depoimento – do Sistema Globo, que não tem reivindicação nenhuma na matéria. Pelo contrário, o seu desejo é que haja uma limpeza na área'", afirmou Marinho à Folha.

No ano seguinte, em 1996, FHC fez críticas a quem estava comandando o grupo Globo e faz referências a Merval Pereira e Ali Kamel como "bastante amigos meus".

"O sistema Globo está muito difícil, porque tanto o Roberto Irineu quanto o João Roberto [filhos de Roberto Marinho] estão hoje mais voltados para o conjunto do grupo, estão fazendo os negócios necessários ao sistema, sem estarem à frente nem da televisão nem do jornal. E por mais que sejam nossos amigos os que estão lá hoje, e são até bastante amigos meus, Merval [Pereira, do Conselho Editorial do Grupo Globo], Ali Kamel, não há quem controle as coisas, porque estão naquela linha."

A reportagem do jornal paulista informa que "a própria montagem do governo foi feita ouvindo as Organizações Globo", apesar de as publicações do livro serem relatos "sucintos" sobre as "menções às conversas com Roberto Marinho e com Jorge Serpa, advogado ligado a Marinho".

O próprio diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, também é indicado nas gravações de FHC por suas relações com o ex-presidente. Frias teria justificado um dia a Fernando Henrique Cardoso o motivo de os grandes veículos de comunicação estarem contra ele nas publicações. "O Otavinho definiu como papel da imprensa 'ser contra'. Disse que agora, no meu governo, é mais difícil, ele nota a imprensa com muito entusiasmo pelo governo, tem que achar uma maneira de ser contra", teria justificado o diretor da Folha.

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