segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Recessão é consequência do ajuste fiscal?

Por Marco Flávio Cunha Resende, no site Brasil Debate:

Visto que o ajuste fiscal não saiu do papel, alguns analistas têm defendido que é equivocada a visão dos economistas Keynesianos brasileiros. Argumentam que se efetivamente o governo ainda não reduziu gastos em 2015, então a recessão atual não seria consequência, entre outras causas, do ajuste fiscal. Os Keynesianos se equivocaram? Vejamos:

1. Neste ano, o gasto total do governo ainda não caiu, mas, seu investimento reduziu-se. A natureza do gasto importa e, com relação ao gasto que interessa, porque é ele que estimula a economia, houve, sim, redução em 2015: há em curso um bloqueio nos investimentos (do Pacote de Aceleração do Crescimento, PAC) que até maio era de mais de R$ 25 bilhões, segundo o Ministério do Planejamento;

2. para Keynesianos, a incerteza que permeia a economia capitalista torna a confiança em expectativas de lucros futuros fator chave para o empresário investir. Cabe ao governo papel crucial de coordenar expectativas de empresários dos setores produtivo e financeiro, que precisam estar confiantes (otimistas) para arriscarem sua riqueza em investimento – trata-se do estímulo ao animal spirits.

Se é anunciado ajuste fiscal com corte de despesas do tamanho proposto pelo governo em um contexto de desaceleração da economia, as expectativas deterioram-se, mesmo antes de o pacote fiscal sair do papel. Mas, para piorar, soma-se ao anúncio do corte de gastos um governo que demonstrou fartamente não saber coordenar expectativas, seja por meio das políticas econômicas e do investimento público, do planejamento estratégico pré-estabelecido e transparente, seja por meio de constância e coerência das políticas econômicas (política fiscal, cambial, monetária, comercial, de financiamento, salarial, microeconômicas etc).

Ao não coordenar expectativas nos campos econômico e político, o governo não soube fazer o apontamento do rumo da economia, vital num mundo onde prevalece a incerteza. Assim, só o anúncio do ajuste fiscal por meio de corte de gastos já foi suficiente para o investimento privado refluir, mesmo que o ajuste ainda não tenha sido implementado – não obstante a queda efetiva dos gastos com investimento público.

Quem leu o economista inglês J.M. Keynes sabe que a economia é dirigida pela demanda. Sabe, também, que o investimento, em particular o investimento privado, é a variável crucial da dinâmica e dos ciclos da economia, e depende fundamentalmente de expectativas, que são voláteis em um mundo permeado pela incerteza sobre o futuro. Por isso, questões sensíveis ao investimento privado requerem tratamento cuidadoso.

3. Sem investimento público, por meio de um pacote de investimentos pré-estabelecido e cujas metas propostas sejam críveis e cumpridas (o PAC não foi isso, pois suas metas não são cumpridas, tentou-se enganar a sociedade reclassificando como PAC investimentos que já estavam previstos, em particular os investimentos da Petrobrás etc), não há o que Keynes chamou de socialização do investimento, e não há coordenação das expectativas do setor privado. Sem isso, os donos da riqueza, temendo perdas de capital em um futuro incerto, optam por alocá-la na forma líquida (inclusive dólar), produzindo retração da demanda agregada, desemprego e recessão.

4. Keynes era a favor de um orçamento público intertemporalmente equilibrado, porém, contracíclico. Mas, o governo não poupou na fase de crescimento do ciclo para poder gastar no atual momento sem elevar a dívida pública. Além disso, a miscelânea de incentivos tributários e de subsídios do governo Dilma 1 sacrificou as contas públicas.

Porém, as expectativas de lucros futuros dos empresários não foram estimuladas, deterioradas que estavam pela longa trajetória de apreciação cambial e desindustrialização, pela falta de clareza, constância e coerência das políticas econômicas domésticas, pela reversão do cenário externo até então benigno. Sem melhora do animal spirits, o investimento privado não cresce.

Por fim, o ajuste fiscal em contexto de recessão não vinga por meio do corte de gastos. A Grécia é um exemplo recente. Quando implementado na recessão, o ajuste deteriora as expectativas e alimenta a retração do consumo e do investimento privados, reduzindo o PIB e mitigando, assim, a própria receita do governo – ainda mais no Brasil, onde grande parte da arrecadação vem de impostos que incidem sobre a produção e o consumo.

Isto é, macroeconomia é diferente de economia doméstica, pois na minha casa, se eu cortar gastos, minha receita não cai e, então, tenho êxito em ajustar minhas contas. Na economia, a redução de gastos do governo quando a economia está parando resulta em queda do PIB e, por isso, queda da arrecadação. Enxuga-se gelo, e a saída é o aumento da dívida pública, deteriorando ainda mais as expectativas.

No contexto de recessão, o ajuste fiscal deve ser feito por meio de aumento da arrecadação, mas não se trata de elevar a cunha fiscal sobre a produção e o consumo, tirando competitividade do produtor nacional e aumentando a regressividade da arrecadação.

O aumento da arrecadação deve vir sobre renda, herança e propriedade dos mais ricos. No Brasil, se tributássemos em 15% a retirada de lucros e dividendos direcionados a pessoas físicas, teríamos cerca de 43 bilhões de reais segundo estudo do IPEA, bem mais do que se pretende arrecadar com a CPMF!

É… desconfio que estes críticos não leram Keynes.

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