quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O surto da intolerância e do ódio

Por Valdemar Menezes, no site da Adital:

No preciso momento em que se celebra a visita do papa Francisco a Cuba e aos Estados Unidos, em reforço aos passos dados por ambos os países em direção a um convívio pacífico, depois de 50 anos de ruptura diplomática (e quando também as Farc e o governo da Colômbia firmam um acordo de paz), o Ceará aparece, mais uma vez, no noticiário nacional (e internacional) como um lugar de intolerância, ódio e preconceito.

Na primeira vez, o destaque decorreu da insólita agressão aos cubanos do programa Mais Médicos, em 2013, e, agora, se traduziu no cerco, ameaça de agressão física e insultos contra o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), João Pedro Stédile, protagonizados por um grupo de extremistas de direita, na ocasião em que ele desembarcava no aeroporto Pinto Martins para participar - a convite - do Seminário sobre Corrupção e Reforma Política, realizado na UFC, na última terça feira.

Liderança

As próprias palavras de ordem - "Vá para Cuba e leve o PT” - revelam o completo descolamento dos extremistas em relação ao presente momento histórico mundial. É de um anacronismo estupefaciente. Ademais, destoam por completo do espírito acolhedor e tolerante dos cearenses e de seu papel vanguardista na história libertária do País (vide as lutas pela Independência e pela Abolição da escravatura).

Além de condenados pela consciência esclarecida (no Brasil e além-fronteiras), os agressores têm o dissabor de testemunhar a avidez cada vez maior com que os americanos se acotovelam nas filas de espera dos aeroportos, no aguardo da ansiada ordem de embarque… "para Cuba”.

As imagens da agressão expostas nas redes sociais percorrem o mundo e mancham o perfil tolerante e democrático do Brasil, reforçadas pela notoriedade do agredido, o líder de um dos movimentos campesinos mais destacados da contemporaneidade.

Desinformados

Por burrice dos agressores, o atentado foi dirigido contra um dos mais destacados interlocutores do papa Francisco, no movimento social da América Latina, justamente no momento em que o líder da Igreja Católica ganha todas as atenções do mundo pelo seu empenho em favor dos desfavorecidos. O próprio Stédile já foi recebido mais de uma vez pelo pontífice, não por razões ideológicas, mas, pelos aspectos humanos e sociais da causa que ele advoga.

Em outubro passado, o papa promoveu, no Vaticano, o I Encontro Mundial dos Movimentos Populares, e um dos convidados principais foi Stédile. Os interessados podem ler o que o pontífice falou na ocasião, neste endereço: http://goo.gl/S3Mbbf. Recebeu-o também, na Bolívia, quando da visita pastoral ao país, este ano, onde participou do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, aí realizado, e no qual voltou a falar:http://goo.gl/ET70Fj.

Ninguém é obrigado a concordar com o papa, nem com Stédile, mas, a discordância deve vir calçada em argumentos, não em coação descabida.

Sustentabilidade

Foi graças à mediação do MST que a indignação decorrente da imoral concentração da terra nas mãos de poucos, no Brasil, não descambou em guerra civil (ao contrário do que ocorreu em alguns países vizinhos, onde faltou esse elemento mediador). Aqui, as coisas têm ocorrido dentro dos condutos institucionais democráticos – o que parece incomodar os segmentos conservadores.

Ao fazer essa provocação, a extrema direita parece apostar no confronto e na ruptura institucional (brincando com o fato de que a guerra civil é a mais cruel e sanguinária conflagração que um país pode ter). E veja-se que o MST não defende a supressão da propriedade privada, mas, a multiplicação de proprietários, no campo. E não quer apenas a repartição da terra, mas, o desenvolvimento de uma agricultura familiar orgânica (sem agrotóxicos, sem transgênicos, com tecnologia e produtos que tragam saúde e qualidade de vida, e não doenças e morte por envenenamento químico).

Paz

Uma das primeiras providências que o MST toma em seus assentamentos é reivindicar a instalação de uma escola para os filhos dos assentados. Sintoniza-se com o futuro. E ter um quinhão de terra para trabalhar significa evitar que famílias sejam desestruturadas, como ocorre com as que são expulsas do campo e vão se amontoar nas periferias miseráveis das grandes cidades, onde são confrontadas com a marginalização, violência e prostituição.

Por tudo isso, os movimentos campesinos contam com a grande simpatia e o incentivo do papa Francisco que quer evitar esse mau destino para os pobres.

Francisco não cessa de martelar que o caminho da paz se constrói com inclusão social e justiça, conclamando todos em favor da construção de uma sociedade solidária, em que haja lugar para todos (abominando o individualismo, o consumismo e a prevalência do sistema econômico em detrimento da pessoa humana).

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