sábado, 8 de agosto de 2015

Globo: me engana que eu gosto

Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

Depois de Merval Pereira confirmar furo do Cafezinho, de que Eduardo Cunha esteve na sede do Globo, na última segunda-feira, em reunião a portas fechadas com editores do jornal, tivemos uma semana difícil (para dizer o mínimo) para o Partido dos Trabalhadores.

O delator Milton Pascowitch, lobista de empreiteiras, fez inúmeras denúncias contra José Dirceu e enlameou o PT. Muitas das histórias relatadas por Pascowitch são velhas, mas a Globo aproveitou o clima de crise política produzido pela reprisão de Dirceu para requentar tudo.

É o mês de agosto em sua máxima plenitude!

E aí, quando governo e PT se encontravam nas cordas, com sites de mercado financeiro divulgando rumores sobre a renúncia de Dilma Rousseff, e o New York Times sugerindo entregar a coroa à Michel Temer, o Globo publica um editorial criticando Eduardo Cunha e conclamando políticos responsáveis de todos os partidos a dar "governabilidade ao Planalto".

Um editorial claramente contra o golpe. Exatamente na linha contrária ao que vem pregando diuturnamente Merval Pereira, por exemplo, que já fez críticas pesadas ao PSDB justamente por alguns de seus membros ainda se preocuparem com coisas singelas como estabilidade econômica e governabilidade.

Mas a recepção ao artigo por setores do PT pode ser descrita pela frase: "me engana que eu gosto".

O poder da Globo, de produzir crise e amansá-las em seguida, nunca foi tão grande.

Foi assim que a família Marinho conseguiu se tornar a mais rica do país.

O que podemos pensar numa situação dessas? Não é difícil fazer algumas especulações:

1) A Globo traçou uma estratégia para se blindar de acusações de golpismo. Ou seja, ela promove o golpismo até o limite, está por trás de todo o jogo de delações e notícias manipuladas e vazadas criteriosamente, mas não quer forçar um golpe antes do dia 16. Na verdade, não é muito diferente da estratégia de 64. Os golpistas sabiam que tinham que oferecer demonstrações de apoio popular, e por isso organizaram as marchas contra o governo que antecederam o golpe de 64.

2) A Globo está satisfeita com a atual conjuntura. José Dirceu destruído, Lula debilitado, movimentos fascistas em ascensão. A emissora nunca teve tanto poder político. Para ela, melhor continuar assim. Um processo de impeachment, uma desestabilização além da conta, deflagraria forças incontroláveis. A pressão dos grandes grupos industriais, que seriam os primeiros a serem varridos numa conjuntura de caos econômico e político, pode ter convencido a Globo a não ir adiante em sua pregação golpista.


Charge na capa do jornal O Globo, desta semana. Alguma dúvida sobre as intenções dos Marinho?

3) A Globo está convencida que agora tem elementos para destruir Lula politicamente, e assim eliminar qualquer risco de manutenção do PT no poder. Além disso, a hegemonia conservadora no Ministério Público, na Polícia Federal e no Judiciário lhe parece bastante consolidada, o que também dá segurança à Globo para manter a estratégia do cerco permanente.

4) A adesão de Renato Duque e mais alguns outros réus, possivelmente até Marcelo Odebrecht, à delação premiada, mais a descarada confissão do próprio irmão de Dirceu, de que recebeu mesada de R$ 30 mil do lobista Milton Pascowitch, dão munição à Globo para criar uma atmosfera propícia ao impeachment sem que seja necessário o seu engajamento editorial na empreitada. O impeachment poderá ser feito à "contragosto" da Globo, e assim ela se blinda de acusações desagradáveis de golpista.

5) A Lava Jato conseguiu ainda uma outra proeza, que beneficia muito a Globo. O lobista e delator Milton Pascowitch disse que um dos acertos com o PT era repassar R$ 120 mil à Leonardo Attuch, da editora 247, responsável pelo site Brasil 247. Attuch admite ter recebido o dinheiro, explica que foram serviços prestados. Em se tratando de imagem, porém, o site saiu arranhado, e a Globo está repetindo a informação com bastante ênfase. De fato, o site Brasil 247 tem sido importante para a defesa do governo, de maneira que o seu desprestígio debilita ainda mais o governo, o PT e confere ainda mais poder à Globo.

6) A última hipótese é que a Globo realmente tenha sido convencida, pelo grande capital, e pelos governadores, que um golpe não seria vantajoso. O país perderia a estabilidade econômica, política e social por muito tempo. Um golpe via TCU ou TSE criaria uma jurisprudência perigosa. Nenhum governador ou prefeito teria segurança de terminar seu mandato, porque praticam "pedaladas fiscais" infinitamente piores do que as de Dilma, e recebem doações de empresários muito mais suspeitos e corruptos.

Neste sombrio mês de agosto, a meu ver, a postura menos oportuna, menos prudente, é ficar "otimista".

O recuo da Globo pode ser o recuo das águas do mar nos momentos que antecedem um tsunami.

Dilma, enquanto isso, participa da inauguração de 700 casas em Roraima.

Aliás, as falas da Dilma deixam entrever como pensa a presidenta, e explicam o seu comportamento.

Depois de defender o valor do voto, numa referência explícita às tratativas da oposição de chegar ao poder sem ganhar eleições, ela acrescentou: “Ao longo da vida eu passei muitos momentos difíceis. Sou uma pessoa que aguenta pressão. Sou uma pessoa que aguenta ameaça. Aliás, eu sobrevivi a grandes ameaças à minha própria vida”

Bingo!

Dilma transformou o Planalto numa espécie de aparelho, onde fica escondida, resistindo à "pressão", aguentando "ameaça". No meio da crise, sua cabeça voltou a pensar como uma guerrilheira dos anos 60, e não como uma figura pública, representante política máxima de todos os brasileiros, que precisa enfrentar a crise fazendo política, através de uma grande ofensiva na comunicação.

Ou pior: Dilma age como se estivesse presa, sob tortura, sob "ameaça", e que a postura mais corajosa possível seja manter o silêncio. Não é, Dilma. No momento, você tem a caneta sagrada do poder da república em suas mãos. A atitude mais heroica é usá-la!

Não há outra solução. Dilma precisa juntar seus ministros mais fieis, o núcleo duro de sua bancada parlamentar, unir os movimentos sociais organizados, e construir uma agenda política em comum. E anunciar essa agenda antes do dia 16, data marcada para o início do golpe.

Dilma precisa lutar contra o dia 16, quando novamente os meios de comunicação tentarão jogar milhões nas ruas a pedir não apenas sua cabeça, mas a cabeça de todos os progressistas e de toda a esquerda, visto que são marchas eminentemente fascistas.

Para isso, precisa construir sua agenda, como já disse, e ajudar a fortalecer o dia 20 de agosto, quando os movimentos sociais sairão em sua defesa.

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