quarta-feira, 18 de março de 2015

Ainda sobre o 15 de março

Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:

Acordei de bom humor.

O qual melhorou mais ainda após assistir a esse vídeo postado no Viomundo.

Vamos retomar o debate dos últimos posts, tanto o meu, uma crítica dura à maneira como o governo vem conduzindo a política; quanto o do Nassif, um prognóstico sombrio sobre o futuro do PT e da esquerda no país.

Quanto ao meu post, gostaria de acrescentar uma coisa importante.

Às vezes as pessoas reagem às críticas à comunicação dizendo que o problema principal do governo não é a comunicação, mas a política.

Vou repetir. No meu entendimento, as coisas não estão separadas.

A confusão que se costuma fazer é porque se entende a comunicação como uma via de mão única, tendo o governo como emissor.

Não é.

Comunicação é uma via de mão dupla. O governo tem de construir um sistema de informação que lhe permita auscultar melhor a sociedade.

Isso é política.

Quanto ao prognóstico do Nassif, é um raciocínio muito bem estruturado. As premissas levantadas me parecem corretas.

As consequências, porém, talvez sejam exageradas.

Por exemplo, o prognóstico sobre o fim do ciclo petista no país é uma análise que ainda precisa ser confirmada nas urnas.

Em 2014, o PT foi o partido que mais elegeu deputados e ganhou as eleições presidenciais.

O futuro, como diz o povo, só a Deus pertence.

Entretanto, independente de prognósticos futuristas, uma coisa me parece inegável.

O show de horrores que assistimos no dia 15, a quantidade inacreditável de faixas em prol de intervenção militar (e ainda escritas em inglês!), os depoimentos fascistas, a truculência, tudo isso mostra que o Brasil ainda precisará, por muito tempo, de organizações de esquerda sólidas, capazes de barrar o avanço da barbárie.

(Ler matéria da Mônica Bergamo, sobre as socialites na Marcha).

O 15 de março, paradoxalmente, ao invés de marcar o fim do PT, pode agendar o seu renascimento como uma legenda historicamente necessária para a preservação, em nosso país, de valores humanistas e genuinamente democráticos.

A articulação da marcha, as capas dos jornais, a participação das legendas conservadoras e do governo de São Paulo, o patrocínio por grupos estrangeiros interessados na desestabilização do governo, tudo repetiu as marchas de 50 anos atrás, de março de 1964.

Desde o golpe, os marchadeiros e seus jornais tentam usurpar a bandeira da democracia, em virtude do apoio que esperam receber da direita americana.

Dão golpe e gritam vivas à liberdade.

Misturam-se a gente que pede intervenção militar e se arvoram paladinos da democracia.

Outra coisa.

Agora está explicado porque o jornal O Globo divulgou o suiçalão dos barões da mídia no sábado.

Eles sabiam que, com a marcha do domingo, a agenda política nacional ficaria sobrecarregada, e seria mais fácil abafar o escândalo.

Só que não será tão fácil. Em breve, voltaremos às nossas investigações sobre a evasão fiscal de mais de R$ 20 bilhões encontrada nos bancos suíços.

A participação descarada da mídia, que é um sistema inteiramente estruturado na ditadura, no chamamento às marchas golpistas, serviram para deixar bem claro o protagonismo absoluto dos grandes meios de comunicação na agenda política nacional.

O governo reagiu mal, como sempre, comprando a pauta da corrupção.

Ministros e a própria Dilma apareceram na TV gaguejando, chorando e dizendo platitudes sobre liberdades democráticas.

Quem pôs em dúvida a liberdade democrática de manifestação? Por que Dilma falou isso?

Ela falou porque ainda não tem o que dizer. Ainda não sabe o que dizer.

O governo ainda não formou um grupo de inteligência política.

No entanto, quero acreditar que a carantonha golpista do 15 de março produzirá novidades nos movimentos sociais e na sociedade civil.

Algumas coisas estão se mexendo. A secretaria de relações institucionais já andou chamando cérebros nas universidades.

Tem de continuar chamando.

O Manchetômetro está aí. Por que não o chamam para conversar?

O Manchetômetro é uma arma política fantástica para denunciar a parcialidade gritante da mídia.

O governo ainda é o governo.

A presidenta ainda é a presidenta.

O impeachment morreu. Até mesmo o Eduardo Cunha, presidente da Câmara, se tornou um “legalista”, conforme deixou, mais uma vez, claro, em sua entrevista no Roda Viva.

Para sair da crise, basta não ficar com medo de bicho-papão e não desprezar a política.

E para errar menos, é preciso conversar mais. Ouvir mais.

E trabalhar mais também.

É preciso montar um gabinete de inteligência política que opere 24 horas por dia, com amplos poderes.

Dilma tem de largar um pouco o osso. O poder não é dela. Ela representa um campo político, que precisa ser empoderado para poder ajudá-la.

Esse campo é o único que pode defendê-la. E sem defesa, o governo ficará mais e mais emparedado e fragilizado.

E um governo fragilizado não conseguirá estabelecer nenhuma agenda econômica e política, nem conseguirá defender o país dos ataques especulativos domésticos e internacionais que vem sofrendo.

O governo tem de usar recursos modernos de comunicação, para falar e, sobretudo, para ouvir.

Tem de investir pesadamente em mídias alternativas.

O 15 de março mostrou um elefante caminhando sobre a lama do golpismo.

Quanto mais avança, impávido e arrogante, mais se afunda.

O 15 de março ajuda a explicar a derrota da direita em outubro de 2014.

Concordo que a oposição hoje conquistou parcelas sociais de todas as faixas de renda, de todas as cores.

Mas o seu núcleo duro, conforme vimos na marcha de domingo, é uma elite truculenta, antidemocrática, preconceituosa.

Uma elite que marcha, tranquilamente, ao lado de militaristas, neo-nazistas, integralistas, TFP, lunáticos de toda sorte.

Dilma ganhou as eleições quando a esquerda passou a se mobilizar no país inteiro, nas universidades, nas periferias, nas ruas.

A presidenta tem de voltar a se encontrar com essas forças. Tem de empoderá-las. Abrir o governo para as forças sociais dispostas a ajudar, a dialogar, a construir.

Dilma precisa sair do isolamento!

Mas é preciso iniciativas concretas!

Não dá para aprovar uma lei que combata o monopólio da mídia, porque o congresso foi tomado de lobistas da Globo?

Tudo bem, então façamos o que está ao nosso alcance. Mudemos os parâmetros da mídia técnica, um avanço que já se tornou um atraso.

A mídia pega o dinheiro do governo e premia agências de publicidade, que lhe passam então carteiras públicas e privadas.

A mídia pega o dinheiro do governo e promove suas notícias na internet, aumentando sua visitação.

E aí, quando a mídia publica informações completas sobre o uso da publicidade oficial, de governo e estatais, revelando que os veículos que não compõem o “PIG” recebem, somados, menos de 1% do total, o que ela, a mídia, faz?

Faz uma matéria “denunciando” o uso de 1% das verbas oficiais para esses veículos!

E o governo, o que responde?

Nada.

O governo tem de defender a democracia, sim.

Mas por que o governo só fala em defender a democracia para se referir a marchadeiros golpistas?

Por que o governo não oferece, à sociedade, um comparativo internacional de como é a mídia em outros países democráticos?

Por que o governo não menciona a participação da mídia brasileira, com patrocínio inclusive estrangeiro, na articulação e depois no endurecimento do golpe de 64?

Falar de história é “radicalizar”?

Defender um sistema de comunicação mais democrático é “radicalizar”?

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