quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O caos sórdido da CIA

Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:

O relatório da Comissão de Inteligência do Senado norte-americano causa espanto e horror, tanto por seu conteúdo quanto por algumas das reações a ele. Divulgado na terça-feira (9), o documento acusa a CIA de práticas (horríveis) de tortura, de humilhação física e psicológica de prisioneiros, de mantê-los em privação de sono, e de fazer ameaças a seus familiares, além de manter cárceres secretos em todos os continentes, com exceção da Antártida.

As descrições das torturas físicas são brutais, fazendo pouco do famoso “waterboarding” e até mesmo do nosso bravo pau-de-arara. Nas humilhações, destaca-se a privação do acesso a WCs, substituídos por fraldas. Ou uma certa “alimentação” e “hidratação” forçadas via anal – o que, além de esquisito, para dizer o mínimo, é uma terrível humilhação (para qualquer ser humano, certamente) sobretudo para muçulmanos. Na privação do sono, dias e dias sem dormir. E quanto às ameaças, coisas como torturar crianças e até mesmo degolar a mãe de um dos prisioneiros.

Um detalhe chama a atenção: tudo fora autorizado pelo governo norte-americano, por gente de alto escalão. Mas como sempre, houve “iniciativas” próprias, torturas praticadas mesmo sem o conhecimento das devidas autoridades. O relatório acusa a CIA de provocar o “caos” no serviço de inteligência norte-americano e de seus aliados.

A CIA manteve – de 2001 a 2009 – nove prisões secretas e/ou centros de tortura fora do território dos Estados Unidos: em Guantánamo, Polônia, Romênia, Afeganistão, Tailândia, Bósnia-Herzegóvina, Lituânia, Iraque e Marrocos. Ao todo, 47 países são acusados de ajudar o programa de torturas americano, 19 na Europa, entre eles, Alemanha, Reino Unido, Itália, Portugal, Espanha e além deles, outros, como Canadá, Austrália e África do Sul.

Um detalhe consolador: não há na relação um único país latino-americano. Quem diria, não?

A agência contratou os serviços de dois psicólogos militares, Bruce Jessen e James Mitchell, para formatar e supervisionar um programa, ao preço de 180 milhões de dólares, que desenvolvesse "técnicas especiais de interrogatório" – e que foi considerado um verdadeiro manual de tortura. Da verba, 81 milhões foram pagos até 2009, quando Barack Obama tomou posse e o programa foi suspenso.

As reações são muitas e variadas. Organismos internacionais, como a Anistia Internacional (inclusive seu braço norte-americano), a Human Rights Watch e a Comissão de Direitos Humanos da ONU, condenaram as práticas da CIA, e exigem que o governo norte-americano indicie os responsáveis, inclusive as altas autoridades que as permitiram e até incentivaram. Isto pode chegar até gente como Condoleezza Rice e George Bush Filho. Até John McCain, senador republicano, condenou as práticas.

Porém, muitos republicanos revoltaram-se, vejam só, com a publicação do relatório (!). Este foi redigido apenas pelos democratas do comitê. Um grupo de senadores republicanos redigiu um relatório alternativo, rebatendo o primeiro. Afirmam que ele é impreciso, incompleto, falso etc.

Mas há mais. Ao contrário dos “negacionistas”, que dizem que tudo é mentira, há os que relatório da Comissão de Inteligência do Senado norte-americano causa espanto e horror, tanto por seu conteúdo quanto por algumas das reações a ele, como o ex-vice-presidente Dick Cheney, que não só tudo é verdade, como foi bom, estava certo, é isto mesmo, a tortura é relevante e benéfica nestes casos, desejável etc.

Last but no least, o relatório acusa a prática de torturas de ser ineficiente: as informações assim obtidas carecem de credibilidade. Como nos tempos da Inquisição, os acusados terminam dizendo o que os torturadores querem ouvir, seja verdade ou não.

O que, para a CIA, talvez seja a acusação mais grave de todas.

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