domingo, 23 de novembro de 2014

Kátia Abreu e o tiro no pé de Dilma

Por Paulo Fonteles Filho, em seu blog:

Em uma entrevista ao jornal paraense 'O Liberal' no dia 15 de março de 2009, a senadora e então dirigente máxima da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu, expôs as estratégias fundamentais do latifúndio brasileiro para fazer a luta de ideias na sociedade. No fundamental, procurou apresentar a sua classe, historicamente arcaica e violenta, de forma mais palatável para aquilo que chamamos de opinião pública.

Naqueles dias, o governo da petista Ana Júlia (2007/2011) buscava enfrentar a grilagem de terras, o trabalho escravo e os crimes de encomenda, questões centrais do turbulento mapa agrário da Amazônia. Tais medidas fizeram recuar, e muito, os assassinatos de lideranças sindicais e populares. Os índices só voltaram a ‘normalidade’ estatística com o governo tucano de Simão Jatene, mandatário máximo do Pará até os nossos dias.

O centro do discurso da senadora propunha a criação da Rede Social Rural e para isso buscava se apoiar na malsã experiência histórica da União Democrática Ruralista (UDR) e de antigos quadros políticos da grande propriedade rural do Sul do Pará.

O sentido e conteúdo da iniciativa dos ruralistas anunciavam uma nova etapa na contenda pela posse da terra no Pará e no Brasil, tal o nível maior de politização alcançado pela representação máxima do patronato rural tupiniquim.

As bases do discurso e da prática dos oligarcas do campo - da qual Kátia Abreu é um dos principais expoentes - procuram fazer a integração subalterna da agricultura brasileira aos mercados internacionais, com o risco de nossa soberania alimentar e fundamentaram-se, historicamente, com a premissa ideológica de ódio aos movimentos sociais, procurando com o apoio da mídia hegemônica, criminaliza-los.

Para eles, os herdeiros das Sesmarias, o problema é o povo e, concomitantemente, quem organiza a resistência popular e a civilizatória luta pela democratização da terra no Brasil, base indiscutível para nosso desenvolvimento duradouro.

O convite de Dilma para que Kátia Abreu assuma o Ministério da Agricultura cria uma tensão desnecessária com sua base social que, nas ruas e nas redes fizeram a diferença e asseguraram vitória na maior batalha política travada no país desde 1989.

Em 2009, procurando esmiuçar a tática do Agronegócio e estabelecer as necessárias conexões com a ocupação econômica da Amazônia é que escrevi o artigo abaixo:

*****

As mãos que trabalham ou as botas que escravizam?

Por Paulo Fonteles Filho.

Em uma extensa entrevista a um dos mais lidos jornais do Pará, no último domingo, 15 de março, a demo-senadora e dirigente máxima da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu, expôs com robustez as estratégias fundamentais do latifúndio brasileiro para fazer a luta de ideias na sociedade e, no fundamental, apresentar a sua classe, historicamente arcaica e violenta, de forma mais palatável para aquilo que chamamos de opinião pública.

No corolário de suas vociferações contumazes contra o movimento social camponês, leia-se MST, e contra a governadora Ana Júlia, a demo-senadora propõe a criação da Rede Social Rural, uma espécie de gabinete social sob a consigna de “Mãos que trabalham” e que funcionará em Redenção, sul do Pará.

O município escolhido pelos arautos da grande propriedade rural albergou, em 17 de maio de 1986, o surgimento em terras paraenses da famigerada União Democrática Ruralista - UDR e entre os convidados, o mais ilustre era o presidente da UDR de Goiás, Ronaldo Caiado, além dos prefeitos Arceline Veronese, do próprio município anfitrião e Orlando Mendonça, de Conceição do Araguaia, que foram denunciados pelo então Deputado Estadual Paulo Fonteles na tribuna da Assembleia Legislativa paraense como ávidos participantes de reuniões onde se confeccionavam as macabras listas de marcados para morrer, onde o próprio parlamentar e advogado de trabalhadores rurais teve sua vida ceifada um pouco mais de um ano depois, em junho de 1987.

O curioso é que a derradeira reunião que decretou o fim da UDR no sul do Pará aconteceu em inicios de março de 1991 e o patrimônio ativo e passivo daquela macabra organização fora transferida, como doação, para o Sindicato Rural de Redenção que sediará a propalada "agenda social" dos violentos liderados pela demo-senadora tocantinense.

As ações políticas do latifúndio, trombeteadas por suas lideranças nacionais revelam uma posição de força, ofensiva, e de imediato precisam ser diagnosticadas e combatidas.

O sentido e conteúdo da iniciativa dos ruralistas podem anunciar uma nova etapa na contenda pela posse da terra no Pará e no Brasil, tal o nível maior de politização que engendra a representação máxima do patronato rural tupiniquim.

A atual ofensiva política e ideológica do latifúndio emanam do eixo mais dinâmico e atuante do agrobusiness brasileiro, cujo modelo encontra-se em franca expansão, altamente capitalizado, e se dirige resoluto em direção à Amazônia, território decisivo para se custodiar qualquer projeto de nação.

O fato é que o agronegócio que é a nova indumentária para a mais atrasada estrutura da sociedade brasileira procura, analisando as experiências organizativas passadas, imprimir fôlego contra a histórica bandeira pela democratização das terras do Brasil. E todos nós sabemos que a agenda pública fundiária não está sob a hegemonia da ótica dos trabalhadores, muito ao contrário, e para isso é só observar a tímida reforma agrária do governo Lula. Mas, contraditoriamente, o atual mandatário dos destinos nacionais estabelece uma relação democrática com os agentes mais importantes da luta pela posse da terra no país e este aspecto incomoda, e muito, os setores mais recalcitrantes e xiitas do patronato rural brasileiro.

Analisando experiências passadas, a inteligência da moderna nomenclatura do latifúndio, me parece, vai buscando inspiração em uma das suas mais torpes criaturas que é a própria UDR. A questão aqui não é de mera coincidência geográfica, mas de certo saudosismo por parte do latifúndio no sentido de reeditar a sua mais infame experiência de violações aos direitos humanos a partir da segunda metade do século XX.

E é claro que neste caso a história, em tendência, se repetirá como tragédia e sua maior vocação é intentar contra o próprio Estado Democrático de Direito no sentido de que um banho de sangue pode estar por vir, prática contumaz do latifúndio, antecedida por ameaças e verborragias como faz a demo-senadora Abreu da CNA contra os movimentos sociais e experiências de governos democráticos, como é o caso do Pará.

A questão tem centralidade porque se trata de memória revisitada, aos terríveis e dolorosos exemplos engendrados pela UDR na metade da década de oitenta do século passado. A emergência daquela agremiação fascista estava ligada a duas questões novas para a sociedade brasileira de então, a Redemocratização, conquista histórica do povo brasileiro, depois de vinte e um anos de ditadura militar e o projeto de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que o novo momento procurava engendrar. É preciso que se diga que tal plano fora elaborado no início da Nova República, contando com a elaboração de conhecidas personalidades pró-Reforma Agrária e seu anúncio ocorreu no IV Congresso de Trabalhadores Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), em 1985.

O modelo preconizado durante o período dos generais buscou colonizar as fronteiras em favor do grande capital, nacional e estrangeiro, permitindo a expansão do latifúndio improdutivo em escalas galopantes através de vultosos projetos agropecuários e de “modernização” da agricultura brasileira a partir de milhardárias somas em créditos e subsídios estatais que imprimiam novas tecnologias para privilegiar o mercado externo, o que correspondeu a submissão de nossa política agrícola aos interesses estrangeiros. Para se aplicar tal modelo houve uma intensa militarização da questão da fundiária no país e os custos sociais de tal política foram absolutamente desastrosos por conta da elevada exclusão social e, concomitantemente, dos conflitos gerados na luta pela posse da terra.

A UDR, portanto, surgiu como um instrumento daquilo que é arcaico e velho na luta contra o novo e mudancista. Apareceu no cenário político brasileiro como uma radicalização e, sobretudo, como expressão maior da politização do latifúndio em face da elevação do nível da luta pela terra alcançada no país. É claro que o surgimento daquela organização de sombria lembrança fez aparecer certas disputas e desequilíbrios com o tradicional patronato rural brasileiro por conta do papel de liderança de classe, logo, porém, foram dissipadas no curso das ações políticas das oligarquias rurais fruto de um maior nível de unidade dos endinheirados do campo.

O fato é que a UDR fez intensa propaganda através dos muitos leilões realizados que, para além da arrecadação de recursos que seguramente financiaram a liquidação de muitos lutadores do povo, serviam para atrair simpatizantes, sócios novos, além de infundir laços e convivência social, ou seja, valores de retesado apego à propriedade e ao poder econômico.

A grande arma daquela organização, porém, fora a militância de seus quadros e dirigentes, dotados por rigorosa disciplina capazes de intervir no curso dos acontecimentos do Brasil de então. Do ponto de vista numérico, teria passado segundo o estudo da professora Sonia Regina de Mendonça, especialista no assunto e autora de “A classe dominante agrária: natureza e comportamento- 1964/1990” e publicado pela Expressão Popular, de 3 a 5 mil associados em junho de 1986 para cerca de 130 a 230 mil em novembro de 1987.

O lamentável disso tudo é que uma enorme parcela era formada por pequenos e médios proprietários conquistados pela UDR através da propaganda ideológica que reproduzia medo porque satanizava a Reforma Agrária, além, é claro da inabilidade de certos setores sectários que ocupavam ínfimas ou medianas propriedades rurais.

O fato é que o latifúndio tem grande capacidade e experiência política e organizativa e a ofensiva atual que faz prosperar têm como referência o modus-operandi já experimentados e amplamente conhecidos. Afinal, tal acúmulo não data desde 1850 quando se constituiu o moderno mapa agrário brasileiro cuja expressão representou à vitória dos coronéis contrários as posições renovadoras de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, que em 1823 já apresentava para a agenda política brasileira, quando dos debates de nossa primeira Constituição, a necessidade de mudanças estruturais como a democratização das terras e a abolição da escravatura? O projeto de nação defendido pelo mais culto e conhecido dos Andradas o levaram à prisão e ao infortúnio do exílio no continente europeu.

As bases do atual discurso dos oligarcas do campo fundamentam-se a partir de odiosas manifestações contra os movimentos sociais, procurando com o apoio da grande mídia, criminaliza-los. Aqui o problema é o povo e, concomitantemente, quem organiza a resistência popular.

Procuram, portanto, impedir o novo, açodar o que é pujante e brota da consciência social avançada e têm em sua conduta mais lancinante e temerária a manutenção de uma estrutura que mais nos liga a um passado colonial que haveremos de superar pela própria necessidade histórica do desenvolvimento da civilização brasileira.

Afinal, o que está incluso nas provocações da demo-senadora Abreu, senão a contumaz e visceral violência do latifúndio com seus escravocratas e assassinos? E as violações aos direitos humanos perpetrados pelos donos do poder no campo brasileiro já superaram, em muito, questões pontuais ou táticas, aparecem no limiar do século XXI como estratégia para manutenção e perpetuação do poder dos coronéis, velhos lobos felpudos travestidos de cordeiros legalistas.

O que podemos esperar da “agenda social” dos grandes proprietários senão a agudização dos conflitos no campo?

5 comentários:

SAMWISE disse...

Alguém esperava algo diferente? O que não se esperava é a inércia do governo. É a falta de ação concreta, é a ilusão das notinhas.
O governo precisa mostrar ação, enfrentamento político, enfim, governar. Estudar e apresentar um pacote de ações para garantir e ampliar as conquistas da Classe C. Reconquistando a Classe C, especialmente a do Centro-Sul, o apoio popular será tão forte que acaba esse golpismo que está no ar e a base política reduz as cobranças estridentes. Na série de textos abaixo há uma reflexão neste sentido. O que a Classe C precisa? Recomendo a leitura.

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR3.html

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR2.html

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR.html

SAMWISE disse...

Não concordo. Creio que o governo deve se equilibrar entre os mundos conservador e progressista que compõe nossa sociedade, sem ceder completamente a nenhum dos dois, mas atendendo aos dois no que for possível. O que não pode é ficar inativo como está.

O governo precisa mostrar ação, enfrentamento político, enfim, governar. Estudar e apresentar um pacote de ações para garantir e ampliar as conquistas da Classe C. Reconquistando a Classe C, especialmente a do Centro-Sul, o apoio popular será tão forte que acaba esse golpismo que está no ar e a base política reduz as cobranças estridentes. Na série de textos abaixo há uma reflexão neste sentido. O que a Classe C precisa? Recomendo a leitura.

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR3.html

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR2.html

http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR.html

http://engenheiro.blogspot.com disse...

Quanto às características de nossos ruralistas que se modernizaram na forma de produzir e se enraizaram no passado distante na forma das relações sociais concordo parcialmente com o texto.
Porém acho que algumas afirmações devem ser corrigidas, começando pela afirmação que o agronegócio “procuram fazer a integração subalterna da agricultura brasileira aos mercados internacionais, com o risco de nossa soberania alimentar e fundamentaram-se,...”. Esta separação entre o agronegócio e a segurança alimentar é totalmente falsa, ela parte de uma premissa verdadeira, que o agronegócio se dedica a produtos de exportação como a soja, e como somente a agricultura familiar que produz a maior parte dos produtos para o consumo interno, este não estaria contribuindo para a segurança alimentar.
A segunda parte do raciocínio, que não está colocada no texto, mas indiretamente está implícito que é falso. Esquecem todos que as proteínas animais que mais se consomem nos dias atuais devido à questão de preço são as proteínas advindas da avicultura e suinocultura, estas duas são levadas por pequenos e médios agricultores, porém são extremamente dependentes de insumos provenientes do agronegócio.
Tanto a avicultura como a suinocultura são micros ou médias indústrias de conversão de proteína vegetal em proteína animal, como o rendimento nesta conversão ultrapassa em muito a obtida pela pecuária tradicional, se nos dias atuais o homem da cidade tem a disposição proteína animal de baixo custo (em termos internacionais) é devido à ligação entre o agronegócio e a pequena exploração familiar de criação de aves ou suínos.
Segunda observação é quanto à configuração dos atuais produtores do agronegócio como “herdeiros das Sesmarias” é uma afirmação que não tem base real e dificulta o entendimento da ligação destes produtores com um verdadeiro espírito de escravocrata moderno. Os grandes produtores atuais tem pouca ou nenhuma ligação com as aristocracias rurais dos séculos passados. Na realidade estes produtores têm duas vertentes, ou são produtos da expansão de novas fronteiras agrícolas através de pioneiros que por métodos legais (algumas vezes) e métodos para-legais (na maioria dos casos) avançaram sobre amplas áreas que já eram parcialmente ocupadas por posseiros e indígenas nas regiões internas do Brasil. Além deste grupo há os grupos empresariais que partindo das grandes cidades procuraram no investimento agrícola como mais uma forma de capitalização.
Esta definição de origem do atual grande proprietário é importante para compreender o porquê da expansão do número de médios proprietários na UDR, os dados citados pela professora Sonia Regina de Mendoza do incremento de 3 a 5 mil associados em junho de 1986 para 130 a 230 mil em novembro de 1987, não surpreende a quem entende a origem dos grandes proprietários do meio rural brasileiro.
Também é importante definir a origem destes proprietários de terras para entender o discurso de ódio e a truculência dos mesmos. Estes produtores são mais elementos de primeira ou segunda geração de agricultores médios que abandonaram áreas tradicionais onde a terra era extremamente cara e assumiram o papel de “pioneiros” em locais que as terras já possuíam donos (posseiros e indígenas), logo os novos produtores rurais não assumiam uma ideologia características das oligarquias dos séculos passados, simplesmente formaram a sua própria ideologia.
Logo, procurar nesta uma cópia da ideologia escravocrata e rural dos séculos passados é incorreto. A ideologia dessas novas classes dominantes rurais foi criada nos conceitos patrimoniais da sociedade capitalista urbana, onde a posse e propriedade são adquiridas e não herdadas.
Esta diferença sutil, que parece ser mais semântica do que operacional, explica a ferrenha defesa da propriedade de por médios e até pequenos proprietários rurais, ao discurso dos líderes que ao mesmo tempo são grandes proprietários.
Uma visão correta da origem do novo ruralismo pode ser mais proveitosa para quem procura além de entendê-la, combatê-la nos seus aspectos perniciosos e até criminais.

Anônimo disse...

Podemos discordar e muito de Dilma.Mas sío el sabe qo ue pode passar com este congresso eleito. Portanto, não serei eu a criticar esta escolha. Não gosto. Mas se isto pode ajudar a governabiliodade de Diulma e manter o agronegocio sob controle, que seja !!

Dilma Coelho. disse...

Lembrando: Líder da bancada do agronegócio no Congresso e fiel defensora das propostas de mudanças no Código Florestal brasileiro, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) recebeu das mãos de uma ativista do movimento indígena da Amazônia, junto com o Greenpeace, o prêmio Motosserra de Ouro, símbolo de sua luta incansável pelo esfacelamento da lei que protege as florestas do país.
Caso a turma da motosserra consiga mudar a lei nos termos em que pretendem, tornarão inviável para o Brasil honrar as metas de queda de desmatamento assumidas em Copenhague, na COP15, que preveem a redução até 2020 de 36% a 39% de nossas emissões de gases-estufa. A proposta prejudica também as negociações sobre Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), que institui o pagamento para a conservação de floresta para quem vive nela.