sexta-feira, 5 de setembro de 2014

As propostas neoliberais de Marina

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Após a má repercussão de várias propostas de Marina Silva, ela recuou da maioria. Recuou do recuo sobre os homossexuais, recuou sobre abandonar o pré-sal, mas, até o momento, não recuou da “autonomia do Banco Central”, que a grande maioria dos brasileiros não sabe o que é e, por isso, não sabe o desastre que significaria.

Trocando em miúdos, um Banco Central independente significa aumentos dos juros muito maiores do que os que ocorrem hoje e, o que é pior, significa o virtual abandono de instrumentos menos perniciosos de combate à inflação.

Um Banco Central independente significaria que instrumentos de combate à inflação como desoneração de impostos ou importações de produtos que estejam em falta – e que, por estarem em falta, sobem de preço – dariam lugar à pura e simples elevação dos juros ao consumidor, política econômica que, usada sem parcimônia, gera desemprego e recessão.

Diante disso, o Blog pediu ao economista e ex-presidente do Ipea Marcio Pochmann que analisasse alguns pontos do plano de governo de Marina Silva que dizem respeito à economia.

Sobre Pochmann, ele se formou em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluiu pós-graduação em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.

Também tem doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), foi pesquisador visitante em universidades de França, Itália e Inglaterra, atuou como consultor no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no Dieese.

No plano internacional, foi consultor em diferentes organismos multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Pochmann dirigiu a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do governo da prefeita Marta Suplicy em São Paulo e, a partir de 2007, passou a exercer a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Nas eleições 2012, Pochmann foi o candidato do PT à Prefeitura de Campinas, mas não se elegeu.

Confira, abaixo, trechos da entrevista.

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Recentemente, a candidata a presidente Marina Silva propôs independência total para o Banco Central. Como você vê essa proposta?

Bem, essa proposição existe há muito tempo no Brasil e, de maneira geral, ainda não havia sido levada para debate em uma campanha eleitoral. Entendo que a independência do Banco Central pode representar um retrocesso na democracia brasileira porque o órgão passaria a ser um aparelho do Estado não mais submetido à aprovação ou à votação popular, significando que os setores que são diretamente subordinados à atuação do Banco Central sejam eles os próprios a exercer o poder de forma independente naquilo que é quase central na política monetária, na política macroeconômica, que é o papel do Banco Central.

Você acredita que com um Banco Central independente o país passaria a combater a inflação usando aumento dos juros preferencialmente, antes de qualquer outro instrumento, como importações, desoneração fiscal da cadeia produtiva etc.?

De fato, essa independência significaria o estabelecimento de um poder paralelo na política macroeconômica. Nos Estados Unidos, por exemplo, o banco central tem um papel mais amplo do que apenas perseguir a estabilidade monetária. Nos Estados Unidos, o Banco Central tem um papel de perseguir tanto a estabilidade monetária quanto um melhor nível de atividade econômica e do nível de emprego. Nas circunstâncias brasileiras, você retiraria da administração pública ou do Poder Executivo a capacidade de gerir tanto a política monetária [taxa de juros] quanto a política cambial [a relação do real com outras moedas, sobretudo o dólar] e a política fiscal [aumento ou diminuição de impostos]. Portanto, você reduziria o poder do presidente, que é submetido à validação popular, dando esse poder a um setor que não tem nenhum compromisso com a democracia [o mercado financeiro].

Você acha que a política econômica que seria adotada por Marina Silva, caso fosse eleita, está clara no programa de governo que ela apresentou?

O programa de governo de Marina tem mais de 40 páginas e sobre vários pontos. Na parte econômica, o que fica claro é um neoliberalismo, uma terceirização de parte das atribuições do Poder Executivo. E não só na questão do Banco Central. No caso da política fiscal, o que diz esse programa de governo é grave porque se cria um “conselho de representantes” que retira do secretário do Tesouro Nacional e, portanto, do ministro da Fazenda a capacidade de fazer política fiscal e política cambial, deixando a taxa de câmbio submetida à vontade do mercado financeiro. É, indiscutivelmente, terceirização da gestão da economia.

Como você vê a posição manifestada por Marina Silva em relação ao pré-sal, que retira importância da exploração dessa riqueza?

Ela faz uma confusão entre a busca permanente e necessária da sustentabilidade ambiental e a capacidade do país de utilizar um recurso limitado que é o petróleo, esquecendo que a humanidade ainda não tem alternativa plena a essa fonte de energia, ainda que existam promessas nessa área. Abandonar a exploração do pré-sal significaria um grave retrocesso e uma brutal redução da atividade econômica no país.

Você concorda com a premissa de que Marina Silva é de esquerda?

Ela é uma mulher de trajetória progressista. Sempre foi vista como uma batalhadora, uma mulher corajosa, mas, obviamente, não se pode avaliar o governo que faria, com os aliados que tem e com os acordos que fez, a partir da sua trajetória pessoal.

Como você vê a frase “Marina tem uma trajetória de esquerda, mas seu programa de governo é de direita”?

No que diz respeito às propostas do programa de governo de Marina para a economia, elas são de um radicalismo mais neoliberal do que as do PSDB.

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