quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A privatização tucana no campo em SP

Por Renato Simões, no Jornal GGN:

A Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), vinculada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, está divulgando a intenção do Governo do Estado de São Paulo em dispor ou vender áreas rurais atualmente destinadas à pesquisa científica. Segundo a agência, são 42 unidades, com área total de 16 mil hectares, sendo que 1,2 mil hectares poderiam ser disponibilizados imediatamente, representando uma captação de R$ 900 milhões a R$ 1 bilhão.

A fúria privatista do PSDB em geral, e do governador Alckmin em especial, não é novidade para ninguém. Agora, o alvo é o campo. Há que se lembrar que o artigo 272 da Constituição Paulista diz: "O patrimônio físico, cultural e científico dos museus, institutos e centros de pesquisa da administração direta, indireta e fundacional é inalienável e intransferível, sem audiência da comunidade científica e aprovação prévia do Poder Legislativo."

Ou seja, nada poderia se concretizar sem ouvir-se a opinião da comunidade científica e sem a aprovação do Poder Legislativo.

Mas por que o governo Alckmin toma agora esta decisão? Na verdade, este é o segundo tempo de um jogo terrível, cuja primeira etapa foi o sucateamento de diversas instituições de pesquisa no campo. Aliás, esta é a receita do tucanato: dar uma mãozinha na degradação do patrimônio público para, depois, "justificar" a privatização.

Os exemplos são inúmeros: deficiência no planejamento, gestão pouco ágil e centralizada, baixa articulação do trabalho executado por esses institutos com os demais setores de C,T & I, e igualmente, com os órgãos de extensão rural, como a CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, o que prejudica a divulgação das inovações tecnológicas junto aos agricultores.

O mais grave é que essas instituições públicas não têm orientação e nem recursos para priorizar em seus projetos, por exemplo, a agricultura familiar produtora de alimentos.

Segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 2006, este setor possui 151.015 estabelecimentos rurais, representando 66% do total, embora cultive apenas 15% da área agricultável do estado. Sem esquecer que as regiões rurais com maior porcentagem de cobertura florestal coincidem com a maior presença da agricultura familiar, ou seja, existe uma relação positiva entre biodiversidade e agricultura familiar.

O mesmo Censo indica que a agricultura familiar paulista ocupava 328.177 pessoas no campo, que equivale a 16% do total de postos de trabalho na área rural, produzindo nada menos que 36% do Valor Bruto de Produção Agropecuária do estado.

A questão é que o avanço da agricultura familiar demanda forte apoio institucional e tecnológico, o que é impossível sem o suporte dos institutos de pesquisa governamentais. Com certeza isso não acontecerá com os minguados 0,58% do orçamento estadual destinado à Secretaria da Agricultura em 2014.

É indiscutível, então, a necessidade de que a pesquisa agropecuária seja valorizada e orientada para a solução de problemas sociais e ambientais. Isso é que o tucanato deveria ter anunciado; não mais um round da venda de patrimônio público para beneficiar grandes empresas privadas.

O segundo ponto a ser criticado no projeto de privatização rural tem relação com a questão agrária, propriamente dita.

O Estado de São Paulo tem um marco legal que prevê a destinação de terras públicas estaduais para assentar trabalhadores rurais. É a Lei Estadual n. 4.957, de 30 de dezembro de 1985 (ainda em vigor), que dispõe sobre os "Planos Públicos de Valorização e Aproveitamento dos Recursos Fundiários do Estado de São Paulo".

Assim, supondo que tais terras não fossem mais necessárias à pesquisa, depois de ouvida a comunidade científica, a destinação desses recursos fundiários, por força de lei, deveria se direcionar a: "I - promover a efetiva exploração agropecuária ou florestal de terras, que se encontrem ociosas, subaproveitadas ou aproveitadas inadequadamente; II - criar oportunidades de trabalho e de progresso social e econômico a trabalhadores rurais sem terras ou com terras insuficientes para a garantia de sua subsistência. (Incisos I e II do art. 1o).

Nada disso vem sendo levado em conta. Ao arrepio da lei e da vontade das maiorias, o tucanato insiste no modelo neoliberal, que quase levou o mundo à falência completa nos últimos anos.

* Renato Simões é deputado federal (PT-SP)​

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