terça-feira, 26 de agosto de 2014

Celular na mão, jovens empurram Marina

Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:

Primeiro, as advertências: em 2010, por um bom tempo, Celso Russomano acreditava estar a caminho de se eleger prefeito de São Paulo.

Recuando um pouco mais no tempo, nos anos 80, em São Paulo, eu participei pessoalmente de um dos maiores vexames já dados no Brasil por uma empresa de pesquisas. Da redação da Folha de S. Paulo, na Barão de Limeira, anunciei pessoalmente, ao vivo, na TV Manchete, o resultado da pesquisa de boca-de-urna do Datafolha que dava vitória de Fernando Henrique Cardoso sobre Jânio Quadros na disputa pela Prefeitura de São Paulo. Jânio venceu com 4% de vantagem. Narrei este episódio aqui.

O que quero dizer é que os quadros eleitorais são altamente fluidos e que as pesquisas de opinião, pelo menos as que não são feitas de má fé, também erram muito. Para ler sobre um pesquisa maldosa, de encomenda, feita para influenciar as eleições na Venezuela, clique aqui.

Dito isso, é preciso considerar que o Brasil é um país extremamente provinciano. Todas as mais importantes emissoras de televisão do país estão sediadas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro. Assim é com os grandes jornais. Com a academia, menos agora, mas USP, Unicamp e PUC do Rio continuam ocupando um espaço desigual na formulação do pensamento econômico. Os jornalistas dos aquários, porta-vozes dos patrões, formam uma imensa panela, que fica exposta quando a Veja publica uma resenha elogiosa de um jornalista da Globo, que retribui convidando o jornalista da Veja para uma entrevista na TV.

Todos pontuam desde estes supostos centros irradiadores de opinião como se não houvesse mais Brasil. Outro Brasil. Muitos Brasis.

O ex-presidente Lula entendeu isso. Derivou da constatação a política adotada por ele de distribuir para um maior número de veículos, de todo o país, a publicidade oficial. Foi resultado disso, também, a ênfase dele e, posteriormente, de Dilma, nas entrevistas às rádios do interior.

O erro dos estrategistas do Planalto foi não considerar que havia e continua existindo uma matriz a partir da qual as notícias se disseminam em território nacional: Organizações Globo, grupos Folha, Abril e Estadão, muitas vezes atuando de forma conjunta. Como já escrevi anteriormente - nadando contra a corrente, diga-se - as redes sociais aumentaram, não diminuíram o poder destes grupos. Eles foram capazes, por seu alcance, de mobilizar milhões de usuários das redes sociais para reproduzir seu conteúdo, de graça. O contraponto da blogosfera também se fortaleceu, mas em menor escala.

Há mais de dez anos estas grandes corporações investem no discurso antipolítica. Este discurso as fortalece, na medida em que os barões da mídia podem extrair maiores concessões da iniciativa privada e de todos os poderes da República. Como? Por exemplo, atacando uma empresa que se negue a fazer campanhas publicitárias. Atacando um governo que contrarie interesses dos patrocinadores.Promovendo mutirões investigativos - como o que assistimos contra a Petrobras - com o objetivo de obter lucro direto ou indireto com a privatização do patrimônio público.

“Política é corrupção, todos os políticos são corruptos, o Congresso deveria ser bombardeado” — estas ideias foram incorporadas quase que naturalmente ao discurso dos brasileiros. O objetivo original do consórcio midiático era, naturalmente, tirar do poder governos voltados para reduzir a imensa desigualdade social do Brasil - ainda que cheios de defeitos, montados sobre alianças esdrúxulas e com uma boa dose de corrupção.

É fundamental, aqui, considerar o tratamento desigual dado aos casos de corrupção: os mensalões do DEM e do PSDB, hoje, nem parece que aconteceram, assim como o bilionário desfalque do trensalão em São Paulo, sem considerar casos mais graves e remotos, como a criminosa privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

O fenômeno de Marina Silva é caudatário disso. Ela é a papisa da antipolítica, que inclui mas não abrange apenas o antipetismo. A essa altura, o fenômeno é semelhante à onda que levou Jânio Quadros a derrotar o favorito pelo controle da Prefeitura de São Paulo, que descrevi acima. Naquela ocasião, FHC contava com apoio majoritário e algumas vezes escandaloso da mídia. Jânio não dava entrevistas à Globo, por exemplo. Abertamente com ele, só a rádio Jovem Pan, que promovia pesquisas não científicas, com entrevistas de pessoas nas ruas. Pesquisas que, naturalmente, apontavam o petebista como provável vencedor.

Ou seja, foi uma onda do boca-a-boca, fora dos meios de comunicação convencionais, quase um protesto contra o partido que pretendia submeter São Paulo “ao candidato da Sorbonne”, como dizia Jânio, quando ele era produto legítimo do bairro de classe média baixa da Vila Maria.

Em 2010, eu estava em Manaus na véspera do primeiro turno das eleições presidenciais, quando ainda havia dúvidas se Dilma venceria ou não no primeiro turno. Estava em um lugar público quando testemunhei jovens engajados em levar a eleição para o segundo turno. Todos falavam em Marina. Era uma espécie de onda, de febre de última hora.

Em minha opinião, “fenômenos” como as manifestações de 2013 e ondas eleitorais como a deste momento continuam pegando de surpresa os próprios partidos, os “especialistas” e a “opinião publicada” por conta da desconexão entre os Brasis a que me referi acima.

A mídia que nos “forma e informa”, com seus repórteres e articulistas extremamente concentrados no eixo do Rio-São Paulo-Brasília, não conhece ou demora a reconhecer o país dos jovens brasileiros, conectados entre si por seus telefones celulares e facebooks, mas desconectados de partidos, sindicatos e outras instituições.

Cerca de 35% do eleitorado brasileiro tem menos de 30 anos de idade. É gente que não experimentou a ditadura militar na pele, tem vaga lembrança da inflação descontrolada dos tempos de José Sarney no Planalto, não viveu o desastre resultante da aventura de Fernando Collor e seu Partido da Reconstrução Nacional (PRN). É gente que, ainda que tenha tirado proveito dos programas sociais do governo Lula - que reduziram a desigualdade e promoveram o consumismo - fez isso de forma despolitizada, em contato com as eleições quando muito através daquela “chatice” que consideram a propaganda eleitoral obrigatória, de dois em dois anos.

Estes jovens são politicamente voláteis, querem mudanças e, por conta da habilidade com as redes sociais, exercem uma influência sobre o eleitorado que nunca exerceram no passado. Na casa de dona Irla, em Itapajé, no interior do Ceará - modesta, de três cômodos, que sempre teve TV mas só agora tem geladeira de verdade - são os filhos conectados à internet que trazem as informações para dentro de casa, para os mais velhos da família. São eles que ensinam os pais a lidar com o celular e a montar uma página no Facebook. São eles que trocam mensagens, links, indicam vídeos e dizem que o filho do Lula é o dono da Friboi.

Estes jovens foram intensamente bombardeados pela propaganda “antipolítica” em anos recentes. Talvez não saibam absolutamente nada sobre os planos e projetos de Marina Silva, mas pouco importa. Ela é de origem humilde, evangélica - sinal, para muitos, de que leva a religião a sério - e, acima de tudo, “nova”, ainda não contaminada. É o voto de protesto. É o “Cacareco” do século 21, aquele rinoceronte do zoológico de São Paulo que recebeu um recorde de votos para a Câmara Municipal, no final dos anos 50.

O curioso é que, diante de tantas pesquisas qualitativas, milionárias, Dilma apareça com estes jovens de forma quase institucional em sua propaganda, separada por grades, embora rompa a barreira geracional com os selfies em que posa ao lado de muitos deles. Também é curioso que Aécio Neves, que se pretende candidato da mudança, tenha sido mostrado em seu primeiro programa de terno escuro, distante, oficial, como se precisasse antes de tudo provar sua seriedade.

Quando convidei petistas a refletirem profundamente sobre a irupção das ruas em 2013 - e não a criminalizá-la, atribuindo tudo a “coxinhas” - era justamente no sentido de tentar entender o que move estes jovens. Com certeza, é uma resposta complexa e repleta de nuances. Talvez nem a propaganda eleitoral, nem os debates entre os candidatos, nesta campanha de 2014, sejam suficientes para movê-los de forma maciça em outra direção. Duvido que muitos deles estejam na audiência.

A eleição de 2014, como alertei no primeiro parágrafo, está longe de ser definida. Quando muito, há tendências fortes: Dilma x Marina no segundo turno parece uma forte possibilidade.

Nos Estados Unidos, em 2008, quando Barack Obama se elegeu pela primeira vez, as novas tecnologias foram essenciais para promover a “mudança na qual se pode confiar”, especialmente com a arrecadação de campanha e a arregimentação de milhares de voluntários. Obama apostou quase todas as fichas no entusiasmo e no idealismo da molecada. Lembro-me que Obama fez mais de um evento de campanha em que se reunia num anfiteatro, cercado por jovens, para compartilhar ideias e sugestões com eles. Desceu da tribuna. Arregaçou as mangas. Ouviu. A ideia era se desfazer da tradicional hierarquia que tanto afasta os mais jovens da política institucional. Obama certamente frustrou muitos de seus apoiadores iniciais. Mais tarde, revelou-se mais do mesmo.

No Brasil, o que me parece extremamente curioso é que nem Dilma, nem Aécio, que exerceram cargos executivos simultaneamente, tenham se dado conta das mudanças que, cada um a seu jeito, ajudaram a promover no Brasil. Às vezes parece que se acostumaram ou foram consumidos apenas pela política dos bastidores.

Temos, ainda, um longo mês de campanha pela frente. Quase com certeza, outro tanto antecedendo o segundo turno. Pelo menos hoje, ambos são candidatos a reviver, do lado perdedor, 1989. Para o Brasil, com os mesmos riscos envolvidos 25 anos atrás.

PS do Viomundo: Só agora, depois de ter publicado o texto, soube da promessa feita hoje por Aécio Neves. Segundo a Reuters, “em mais um gesto de popularização de sua campanha, o candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, anunciou um programa social que prevê o pagamento de um salário mínimo para que jovens de 18 a 29 anos voltem as escolas para completar os ensinos fundamental e médio. O tucano afirmou que há no Brasil cerca de 20 milhões de jovens com ensino médio e fundamental incompletos (11 milhões no fundamental e 9 milhões no médio) que precisam melhorar o nível de estudo para ter mais chances de ingressar no mercado de trabalho”. Pois é, brasileiros entre 18 e 29 anos de idade…

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