domingo, 31 de agosto de 2014

A corrida ao Planalto no meio do tsunami

Por Anna Beatriz Anjos e Glauco Faria, na revista Fórum:

Nesta semana, o que já se prenunciava tomou forma. Se o Instituto Datafolha, antes mesmo da oficialização da candidatura de Marina Silva (PSB), apontava para seu crescimento nas intenções de voto no dia 18 de agosto, a pesquisa do Ibope divulgada na terça (26) veio evidenciar sua força eleitoral. Com menos de uma semana de campanha, a ex-senadora atingiu 29% de intenções de voto e conseguiu ultrapassar Aécio Neves (PSDB), que apareceu com 19%, além de praticamente se equiparar a Dilma Rousseff (PT), que ficou com 34%. Outro levantamento, realizado pelo Instituto MDA e encomendado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), reiterou o cenário.

Mas foi na sexta-feira (29) que os percentuais de Marina se mostraram ainda mais impactantes. O Datafolha indicava um empate entre a pessebista e Dilma, que têm 34 pontos, e uma queda mais acentuada de Aécio, que despencou para 15. Em um possível segundo turno, a pessebista superaria a petista por 50% a 40%. Pela primeira vez desde 1989 o PSDB está próximo de ficar de fora das duas primeiras colocações na disputa presidencial.

Irreversível ou não, a ascensão da ex-ministra de Lula é ameaçadora para todos os seus rivais, mas é devastadora para Aécio. Enquanto Dilma oscilou dois pontos, dentro da margem de erro, o peessedebista perdeu cinco, um quarto do seu potencial eleitorado em 11 dias. A candidata conquistou também parte dos brancos e nulos, que antes contabilizavam 8%, e agora são 7%; e os indecisos, que passaram de 9% para 7% das intenções de voto. Marina influenciou, ainda, o desempenho dos demais presidenciáveis, que, somados, perderam dois pontos.

A má notícia para Aécio é que o levantamento do MDA/CNT mostra que sua derrocada ainda pode continuar. Aproximadamente três quartos dos eleitores de Dilma (76,9%) e de Marina (74,1%) afirmam ter seu voto definido, índice que baixa entre os eleitores de Aécio (64,2%). Ele é apontado ainda como terceira possível opção entre os indecisos, que cogitam votar na ex-senadora (28,8%), na atual presidente (22,6%), com o tucano aparecendo em seguida, (20,7%).

“Muito do voto do Aécio é um voto anti-PT, anti-Dilma. Ela capta voto tanto dos descrentes, quanto dos antipetistas de maneira geral, inclusive dos tucanos convictos”, aponta Benedito Tadeu César, cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais. “Além disso, ao apresentar seu esboço de governo, até para diminuir a resistência do empresariado ela está se aproximando do ideário do PSDB. Então, é natural que uma boa parcela desse eleitorado, quando vê que seu candidato tem pouca chance, migre para ela”, finaliza.

Para o analista, a campanha do PSDB precisa trabalhar para tentar desconstruir a candidatura de Marina. “Tem que fazer isso de maneira muito bem feita, senão ela pode se tornar vítima, tanto pela morte de Eduardo Campos, como por sua postura histórica”, avalia. Ainda de acordo com César, a campanha de Aécio tem realizado pouco nesse sentido – concentra seus esforços em combater o PT.

Segundo Denilde Holzhacker, cientista política e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a bandeira da mudança empunhada por Aécio não o torna uma alternativa à política partidária, da qual parcela do eleitorado se mostra tão descrente. “Ele até estava conseguindo, mas quando surgiu a questão da pista de Cláudio, passou a ser como todos os outros”, analisa. A cientista política acredita que, a partir momento em que as suspeitas começaram a ser levantadas, público passou a enxergar o tucano de outra maneira. “Ele não consegue ter credibilidade junto a esse eleitor que busca a mudança”, explica.

A grande diferença entre o tucano e Marina, nesse sentido, é que a criadora da Rede de Sustentabilidade parece estar acima de instituições ou estruturas partidárias, enquanto o neto de Tancredo ainda é visto como um político tradicional. “A ‘solução’ que o eleitorado está encontrando é apostar em um novo messias. Já ocorreu isto com Jânio Quadros, depois do ciclo varguista-juscelinista e do desenvolvimento e ascensão social ocorridos no período e do ‘mãe de lama’. Ocorreu também com Collor de Mello, depois da ditadura e da inflação desenfreada do governo Sarney. Tanto Jânio quanto Collor eram ‘salvadores da Pátria’ e iam acabar com a corrupção e governar com os ‘bons’”, comenta César.

Eleições de 2002: uma esperança para Aécio (e Dilma)?

Matéria da revista Época do dia 18 de agosto dizia que alguns líderes tucanos começavam a comparar as dificuldades encontradas por Aécio Neves nas atuais eleições com aquelas enfrentadas por José Serra em 2002. Diante de uma situação inédita como a que lançou Marina Silva à presidência, encontrar algumas referências é importante, mas é preciso ressaltar as semelhanças e diferenças entre os dois cenários.

Em 2002, José Serra defendia um governo impopular, o de Fernando Henrique Cardoso, que, logo após assumir seu segundo mandato em 1999, promoveu uma desvalorização cambial que afetou duramente a economia – elevou as taxas de juros em março do mesmo ano ao seu maior patamar histórico, 45%. E a taxa de desemprego, que chegou ao maior índice medido pelo IBGE em novembro de 1999, 8%, era a principal preocupação que rondava a cabeça dos brasileiros.

Serra fez uma campanha descolada do então presidente, apostando nos próprios méritos como ministro da Saúde, ou seja, algo muito distinto do que enfrenta Aécio hoje. A semelhança ocorre justamente quando se lembra que, em um dado momento da corrida ao Planalto, o candidato do PPS, Ciro Gomes, ultrapassou o tucano, apresentando quase o dobro de suas intenções de voto e se aproximando do então líder das pesquisas, Lula.

A “onda Ciro Gomes” teve início em junho, quando ele conseguiu sair de um patamar de 11%, em pesquisa Datafolha realizada no dia 7 de junho, para 28% em 30 de julho. Àquela altura, ficou em segundo lugar, 5% atrás de Lula e derrotando o petista na simulação do segundo turno, por 48% a 44%. No entanto, a partir do início do horário eleitoral gratuito, a candidatura do ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda do governo Itamar desmontou.

Como mostra este artigo do doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Yan Carreirão, “dentre os principais motivos para a queda, pode-se salientar: a campanha negativa de Serra (no 1º debate, em 4 de agosto e desde o início do HPEG, em 20 de agosto), mostrando afirmações de Ciro que não corresponderiam à verdade (o salário mínimo quando Ciro foi Ministro da Fazenda, em 1994, não teria sido de US$ 100 e Ciro não teria cursado apenas escola pública, como afirmava), de modo a associá-lo a uma imagem de mentiroso. A propaganda de Serra mostrava também declaração de Ciro chamando eleitores de ‘burros’, tentando associá-lo à imagem de destemperado; da mesma forma, houve declarações infelizes do candidato, especialmente quanto ao papel de Patrícia Pilar em sua campanha. Tudo isso contribuiu para minar sua credibilidade junto a parcela do eleitorado”.

A campanha negativa de Serra e o próprio comportamento de Ciro a receber os ataques levou sua candidatura ao patamar de 11,79% dos votos válidos nas urnas, menos da metade da votação do peessedebista e atrás também de Anthony Garotinho. Por enquanto, críticas a Marina Silva são pontuais, com a presidenta Dilma respondendo a declarações da pessebista e Aécio apelando para a falta de experiência administrativa. O jogo pesado fica a cargo das redes sociais, onde perfis e páginas conservadoras acusam Marina de ser “petista”, associando-a às figuras de Lula e Dilma. Adversários em geral abordam ainda temáticas como a questão do uso do jatinho da campanha do PSB, suas propostas ortodoxas para a economia ou o seu suposto fundamentalismo religioso. Nada, por enquanto, pegou.

A imagem, as contradições e o programa de Marina

Apesar de forte e bem construída, a imagem de Marina pode ser desgastada por meio das contradições de sua candidatura. Seu passado de luta pelas causas ambientais entra em confronto com seu vice, Beto Albuquerque (PSB), ligado ao agronegócio, e um dos pilares de seu discurso é a intenção de “unir o Brasil”, conversar com pessoas e não com partidos, e trazer para sua administração “os melhores” de cada legenda. Vale lembrar que, quando ministra de Lula, Marina era conhecida justamente pela falta de disposição para o diálogo.

Há ainda outros pontos a serem atacados pelos rivais. “Uma de suas fragilidades é a falta de experiência administrativa, [de conhecimento da] máquina pública”, indica Denilde Holzhacker. “Outro problema é a base. Ela começou com o PSB de forma complicada. Vai ter que articular mais do que fez até agora”, considera.

Antes mesmo da ex-senadora assumir oficialmente sua candidatura à presidência choveram críticas e questionamentos a seu respeito. Ela poderia representar entraves ao desenvolvimento econômico por conta das posturas adotadas quando esteve no governo Lula, também enfrentaria desconfiança por parte do agronegócio e mesmo de setores da elite econômica, que só enxergaria nela uma escada para garantir a existência de um segundo turno entre Dilma e Aécio. Além disso, suas posições religiosas seriam um obstáculo a mais para questões que encontram dificuldade para serem sequer debatidas no âmbito da política nacional, como os direitos da população LGBT e o combate à homofobia.

Em seu programa de governo divulgado na sexta-feira (29), a candidata parceia buscar responder a todos os questionamentos e ataques, surpreendendo pela assertividade. Entre os principais pontos estavam o apoio a propostas em defesa do casamento civil igualitário; articulação no Legislativo em prol da votação do PLC 122/06, que criminaliza a homofobia; compromisso com a aprovação do projeto de lei da Identidade de Gênero Brasileira que regulamenta o direito ao reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans e eliminação de obstáculos à adoção de crianças por casais homoafetivos.

Contudo, na manhã deste sábado (30), a candidata divulgou uma “nota de esclarecimento” fazendo referência somente ao capítulo LGBT. “Em razão de falha processual na editoração, a versão do Programa de Governo divulgada pela internet até então e a que consta em alguns exemplares impressos distribuídos aos veículos de comunicação incorporou uma redação do referido capítulo que não contempla a mediação entre os diversos pensamentos que se dispuseram a contribuir para sua formulação e os posicionamentos de Eduardo Campos e Marina Silva a respeito da definição de políticas para a população LGBT”, diz o texto, divulgando novos pontos a respeito do tema.”

Na “correção”, aparecem questões como “garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo”, quando o trecho divulgado ontem dizia: “Defesa do casamento civil igualitário, com vistas à aprovação dos projetos de lei e da emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil”. O termo “casamento” some na nova versão.

Em geral, os itens se tornam menos específicos. Naquilo que era uma referência direta ao kit do programa Escola sem Homofobia, que o governo Dilma desistiu de distribuir após pressão da bancada evangélica, o texto divulgado ontem defendia o combate ao “bullying, à homofobia e ao preconceito no Plano Nacional de Educação, desenvolvendo material didático destinado a conscientizar sobre a diversidade de orientação sexual e às novas formas de família”. A versão corrigida é genérica e diz: “Incluir o combate ao bullying, à homofobia e ao preconceito no Plano Nacional de Educação”, sem citar a elaboração de material didático.

Também consta no programa um aceno vivo ao mercado financeiro, como na crítica à ampliação da participação dos bancos públicos na concessão de crédito no Brasil, efetivada nos governos do PT. “Os subsídios ao crédito agropecuário e aos programas de habitação popular deverão continuar, mas com maior participação dos bancos privados, evitando subsídios não computados e ineficiências na alocação”, diz trecho do programa.

Para José Paulo Kupfer, em análise feita no jornal O Estado de S.Paulo, “há, nos pontos principais da política macroeconômica, uma clara convergência entre o exposto no programa de governo de Marina Silva e as diretrizes defendidas por Aécio Neves, que replicam ações empreendidas sobretudo no segundo mandato de FHC e formam o atual ideário econômico do PSDB”. Ele questiona como será possível conciliar as ações de princípios liberais com propostas na área social que exigem gastos públicos, como aumento de investimentos em Saúde e Educação e aumento do número de beneficiários do Bolsa Família. “Fica a impressão de que, se papel aceita tudo, papel com programas eleitorais aceitam ainda mais. Diante da austeridade fiscal proposta, nem mesmo um crescimento em escala chinesa desde o início de seu governo permitiria fechar a conta”. São contradições que Marina terá que responder no debate que promete esquentar nos próximos dias.

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As impressões do primeiro debate

Esta semana trouxe outro elemento para acirrar os ânimos da corrida ao Palácio do Planalto: o primeiro debate entre os candidatos. Promovido pela TV Bandeirantes, na última terça-feira (26), o evento confrontou, durante três horas, os sete concorrentes cujos partidos têm representação no Congresso Nacional: além de Dilma, Aécio e Marina, participaram Eduardo Jorge (PV), Luciana Genro (Psol), Pastor Everaldo (PSC) e Levy Fidelix (PRTB).

A grande surpresa da noite foi Eduardo Jorge. Nas pesquisas, ele não emplaca: tanto o Ibope, quanto o Instituto MDA e o Datadolha revelam que ele não atinge nem 1% das intenções de voto. Mas, na afronta aos outros presidenciáveis, levantou temas polêmicos, como o aborto: “O senhor concorda com que 800 mil mulheres sejam tratadas como criminosas por interromper a gravidez?”, perguntou a Aécio Neves em um dos confrontos diretos. Seu comportamento irreverente – chegou até a ser comparado a Plínio de Arruda Sampaio, o showman das eleições de 2010 – o transformou em memes pela internet. Sua página no Facebook, que antes do debate era curtida por cerca de duas mil pessoas, ganhou mais de 20 mil fãs.

Embora tenha roubado a cena, quem se saiu melhor para o eleitor não foi Jorge. “Quem surpreendeu foi a Marina. Ela deu respostas mais incisivas, contundentes”, avalia Denilde Holzhacker, referindo-se às ofensivas de Silva em relação a seus oponentes, sobretudo, à Dilma. Na tentativa de desqualificar o discurso da petista, ela criticou a forma com que descreve a realidade brasileira: “Esse Brasil colorido e cinematográfico de que a presidenta fala não existe. Há descrença na política. Não existe mudança política, que virou troca de ministros e de tempo de televisão. Nós vivemos uma situação de penúria na saúde e na educação”.

Marina atacou ainda o método de gestão da presidenta, chamando-a de “gerente”. “Um dos graves problemas da gerência é ver o Estado refém, um toma-la-dá-cá de favores”, declarou. Aos olhos do eleitor, essa postura de ataque pareceu coerente.

Dilma Rousseff adotou postura mais defensiva. “Ela estará sempre em desvantagem nos debates. Pelo fato de ser governo, é alvo de todos. Tem que enfrentar os outros seis, não tem nenhum aliado, são todos contra”, considera Benedito Tadeu César. Para ele, no entanto, a presidenta estava munida de números e conseguiu expor os feitos de seu governo. “Ela não é uma figura simpática. Dentro das circunstâncias, se saiu muito bem. Não cometeu nenhuma gafe. A resposta da Petrobras me pareceu boa”, explica, aludindo ao embate com Aécio Neves.

Já o tucano, apesar da capacidade retórica e de articulação, poderia ter sido mais direto em suas propostas. “Dos três, Aécio foi o candidato que mais decepcionou”, destaca Holzhacker. “Justamente porque ele precisava ter uma postura mais parecida com a da Marina, assumindo o discurso de que é a liderança mais apta a conduzir o país.” Segundo a cientista política afirma, o peessedebista acertou em alguns momentos, como na defesa do governo de Fernando Henrique Cardoso. Ainda assim, faltou contundência. “Não tenho certeza se o eleitor conseguiu captar o que ele será como presidente”, pontua.

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