terça-feira, 4 de março de 2014

A juventude sem sonhos da Europa

Por Luisa Maria González, no sítio Diálogos do Sul:

Depois de um 2013 marcado por altos níveis de desemprego para os jovens, o novo ano chegou na Europa sem oferecer esperanças de melhora: a Organização Internacional do Trabalho anunciou que os menos experimentados voltarão a ser os mais atingidos pelo desemprego.

Nem sequer a Europa de riquezas centenárias salvar-se-á do caos, acrescentou a entidade, pois as condições do mercado de trabalho não mostram sinal algum de recuperação e tudo parece indicar que 2014 quase não registrará aumentos nos índices de emprego.

Como concordam os especialistas, para os jovens esta situação é duplamente traumática, pois além de serem as primeiras vítimas dos cortes, sua transição do sistema educacional para o mundo do trabalho transforma-se em um processo complexo e até doloroso.

Não por acaso as autoridades advertiram quanto ao incremento dos suicídios em função da crise econômica iniciada formalmente em 2008, pois só um ano depois a quantidade de jovens europeus que se matou aumentou 4,2%.

“Nossos resultados mostram que a crise econômica supõe, sem dúvida, risco de suicídio”, afirmou um coletivo de autores no British Medical Journal, os quais confirmaram que na Europa, o fenômeno afeta particularmente os jovens.

A pesquisa acrescentou que a maioria dos suicídios ocorre entre os rapazes de 15 a 24 anos, os quais, além de serem vítimas do desemprego, são usualmente os menos protegidos pelos sistemas de seguridade social.

Adicionalmente, alertou que os suicídios representam só uma pequena parte do sofrimento pois as cifras refletem unicamente a consumação do ato, não mencionando os que ficam na tentativa, e que poderiam chegar a ser 40 vezes mais numerosos.

Citados por um informe da Confederação Sindical Internacional (CSI), os integrantes de uma rede italiana de trabalhadores precários ressaltaram o que significa viver uma juventude sem sonhos:

“Somos uma geração precária, desempregada, infrarremunerada, que trabalha gratuitamente e de forma invisível, condenada a depender muito tempo dos pais. A precariedade é nosso leitmotiv”, afirmaram.

“Vivemos à margem de todos os direitos: o direito de estudar, de ter uma casa, uma renda digna, saúde, relações sentimentais, o direito de viver livres e felizes”, denunciaram.

Sem estudos, sem futuro
A evolução social na Europa, durante várias décadas do século XX, amparada no chamado Estado de bem estar, propiciou a disseminação de expectativas segundo as quais quanto mais se preparassem as crianças e jovens em seus estudos, melhor desempenho teriam no mercado de trabalho.

No entanto, a crise econômica chegou para mostrar que os mecanismos se oxidaram. Por exemplo, em Portugal há cerca de 63 mil graduados universitários sem trabalho, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas.

De fato, a educação esteve entre as primeiras afetadas pela recessão, devido aos cortes de orçamento decretados pelos governos.

No Reino Unido, um dos 10 países com maior Produto Interno Bruto do planeta, recentemente ocorreram vários protestos convocados pelos principais sindicatos de professores para manifestar sua oposição às reduções dos salários e das pensões, além das más condições de trabalho.

E quem sai mais prejudicado quando a educação está ausente da lista de prioridades do governo? Crianças e jovens.

O impacto, segundo testemunhas, é muito forte no ensino superior, dados os elevados custos das universidades privadas e o encerramento de possibilidades nas públicas.

“Os cortes recentes no setor da educação seguramente dissuadirão muitos jovens de iniciar estudos superiores ou ir para a universidade”, indicou o italiano Salvatore Marra, citado no informe da CSI.

Além disso, as dificuldades econômicas das famílias obrigam muitos rapazes e moças a abandonar seus estudos na esperança de inserir-se no mundo do trabalho e dar sua contribuição, uma opção que, como indicam as cifras, também é problemática.

Geração NN: Nem estuda, nem trabalha
“Durante a crise econômica, os jovens são frequentemente os últimos a entrar e os primeiros a sair; isto é, os últimos a serem contratados e os primeiros a serem despedidos”, alertou o Informe Mundial da Juventude das Nações Unidas.

O desemprego juvenil, embora afete de maneira desigual os diferentes países europeus, em geral alcançou, nestes anos, cifras históricas, pois em mais de 10 países o índice supera 25% e em alguns, como Espanha e Grécia, ultrapassa 50%.

Estas taxas frequentemente duplicam as registradas entre os adultos; por exemplo, na Itália o desemprego geral chega a 12%, enquanto para os jovens é de 41,2%, segundo cifras publicadas no final de 2013.

No Reino Unido, quase um milhão de jovens entre 16 e 24 anos está desempregado, o que representa 40% do total das pessoas desocupadas.

Adicionalmente, quase a metade destes jovens permaneceu sem trabalhar por seis meses ou mais.

“Encontrar um emprego transformou-se em uma tarefa quase impossível… e encontrar um bom emprego é uma sorte”, disse o polonês Tomasz Jasinski, membro da Comissão de jovens da Aliança de Sindicatos da Polônia.

“A qualidade dos contratos oferecidos aos jovens não lhes garante um posto estável nem seguro no mercado de trabalho, o que tem uma enorme influência em sua vida pessoal e familiar”, acrescentou.

Apesar dos numerosos pronunciamentos oficiais na União Europeia (UE) sobre a necessidade de fomentar emprego para os jovens, a situação desta geração é ainda alarmante, com índices de desemprego que alcançam cifras históricas.

Enquanto as medidas concretas não chegam, em mais de 10 países do continente a taxa de desemprego juvenil supera os 25% e, em alguns, como Espanha e Grécia, chega a ultrapassar 50%.

Durante várias cúpulas de alto nivel da UE em 2013, os principais dirigentes comunitários manifestaram a necessidade e a disposição de priorizar a inserção no trabalho da juventude, um assunto com o qual concordaram vários mandatários, como o primeiro ministro italiano, Enrico Letta.

Não obstante, a situação está longe de melhorar para os rapazes e moças, vaticinou para 2014 a Organização Internacional do Trabalho, pois este grupo populacional continuará sendo o mais afetado por um mercado de trabalho que não mostra sinais de recuperação.

A pesquisadora do Instituto Sindical Europeu, Margherita Bussi, explicou que mesmo antes da crise o panorama já era inseguro devido à longa transição para o trabalho, à multiplicação dos empregos precários e à baixa remuneração, entre outros fenômenos.

“Mas mesmo se sua situação era em certa medida precária, os jovens esperavam superá-la indo trabalhar no estrangeiro ou ficando mais tempo em casa de seus pais enquanto encontravam o emprego desejado. Agora as possibilidades são muito reduzidas”, acrescentou, citada por um relatório da Confederação Sindical Internacional.

Geração precária e trabalho irregular
A presidenta da Associação de Jovens da Confederação de Sindicatos da Lituânia, Goda Neverauskaite, argumentou que os empregadores querem economizar e conseguir que menos trabalhadores realizem mais trabalho e, para tanto, é mais rentável contratar os de mais experiência.

Enquanto isso, o grego Kostas Petrou considera que os dirigentes e proprietários não oferecem postos de trabalho a recém graduados com o propósito de evitar mais gastos em sua superação.

O que resta então para os jovens? Segundo as tendências, o mais comum é realizar trabalhos irregulares acertados em contratos informais e inseguros, que acabam sendo muito mal remunerados e com condições mínimas.

“Frequentemente, a inserção dos jovens no mercado de trabalho assemelha-se a uma corrida de obstáculos. Os sucessivos contratos de curta duração e mal remunerados são às vezes o único meio para chegar algum dia a um emprego estável”, disse o líder sindicalista francês Thiébaut Weber.

Esta situação leva os menos qualificados a realizar muitas vezes tarefas penosas que podem por em risco sua saúde e provocar lesões musculoesqueléticas, mesmo antes que alcancem a idade madura, acrescentou.

A instabilidade tem consequências graves para o desenvolvimento dos jovens como cidadãos, concordam os especialistas, pois dificulta-se sua socialização e costumam cair em estados de forte depressão e baixa autoestima.

Agora mesmo, por exemplo, na Itália mais de dois milhões de jovens não estão registrados nem como estudantes, nem como trabalhadores, nem como aprendizes em formação.

Sem trabalho não há independência
Uma das maiores contradições da atualidade é que a precarização do trabalho juvenil ocorre depois de décadas em que os níveis de preparação das novas gerações tinham experimentado melhoras.

De acordo com o líder sindical espanhol Ignacio Doreste, “esta geração de jovens alcançou, pela primeira vez, o mais alto nível educativo na história do país. Mas também é a primeira em que tem ou terá piores condições de vida do que seus pais”.

Em consequência, identificaram-se tendências desfavoráveis com o que muitos deles se viram obrigados a permanecer em casa de seus pais e atrasar sua independência e formação de família própria, o que em termos gerais significa postergar a definição de um projeto de vida.

Para o italiano Salvatore Marra, neste sentido há vários fenômenos relacionados com a juventude: escassas possibilidades de viver de forma autônoma e de criar uma vida de família própria, emigração para outros países, exclusão social, problemas devidos à marginalidade, trabalho em negro, pobreza…

No Reino Unido, por exemplo, 26% dos jovens entre 20 e 34 anos ainda vive com seus pais, a cifra mais alta nos últimos anos.

Segundo um relatório do Burô Nacional de Estatísticas, 3,3 milhões permanecia com seus pais em 2013, enquanto uma década atrás o número mal superava os 2,4 milhões.

A tendência tem um impacto em outros indicadores, como a taxa de fecundidade, explicou a pesquisadora Karen Gask, pois as pessoas geralmente esperam tornar-se independentes antes de aventurar-se a ter filhos.

Por sua parte, a jornalista Sejo Vieira alertou sobre a saída massiva deste grupo populacional de Portugal, principalmente os mais qualificados e com nível superior, os quais ante a falta de oportunidades “aventuram-se em uma emigração incerta e perigosa”.

O próprio viceprimeiro ministro britânico Nick Clegg concordou em quão delicado é o panorama atual, para além do terreno econômico, nos âmbitos social e cultural.

Muitos pais temem que apesar de estar melhor formados, quando seus filhos cresçam terão provavelmente níveis de vida mais baixos que os seus, disse em um artigo publicado no diário Telegraph.

“A mobilidade social é também o desejo de cada pai de que seu filho seja melhor do que eles. Certamente, existe medo no país de que a crise tenha marcado o fim de um século de progresso em que cada geração viveu melhor do que a anterior”, afirmou

* Tradução de Ana Corbisier

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