segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Serra diverge de Aécio. Fogo amigo?

Por Altamiro Borges

Descartado pelo PSDB, o eterno candidato José Serra surpreendeu na semana passada durante uma palestra para rentistas em São Paulo. Ao analisar o cenário econômico do país, ele discordou do discurso terrorista de Aécio Neves, o cambaleante presidenciável tucano, e da "guerra psicológica" patrocinada pelos urubólogos da mídia. "Eu não vejo que o quadro econômico seja tão calamitoso quanto se divulga", afirmou o rejeitado tucano, segundo relato acanhado do jornal O Globo. Para desencanto da oposição partidária e midiática, ele foi ainda mais taxativo: "Não há o risco de descontrole inflacionário"; "não há perspectiva de descontrole na área fiscal e muito menos de calote".

Para alguns analistas, o inesperado discurso de Serra seria um nítido sinal de "fogo amigo". O político paulista tentaria se afastar da campanha tresloucada do mineiro, que tem explorado o tema econômico para atacar o governo Dilma Rousseff. Em recente artigo, Aécio Neves afirmou que o Brasil enfrenta um "descontrole fiscal generalizado". Ele também afirmou, em entrevistas, que "o governo perdeu o controle sobre a inflação". Na semana passada, em Belo Horizonte, o cambaleante presidenciável do PSDB criticou duramente a "irresponsabilidade do governo federal, que vai nos legar um crescimento pífio, inflação alta e a falta de crescimento do Brasil". O discurso de José Serra, que não dá ponto sem nó e nem é ingênuo, destoa completamente deste diagnóstico apocalíptico.

Ele também vai na contramão das manchetes catastrofistas dos seus amigos da mídia. Como observou Luciano Martins Costa, em artigo no Observatório da Imprensa, ele mostra como "a chamada grande imprensa brasileira largou o jornalismo em algum lugar por aí". "Habituado ao discurso hegemônico dos jornais, sempre reproduzindo a visão catastrofista segundo a qual a política econômica com forte protagonismo do Estado estaria conduzindo o país ao abismo, o leitor atento e crítico do noticiário haverá de produzir aquela pergunta cândida: mudou a economia ou foi Serra que mudou? Tido por muitos como um economista talentoso, José Serra teria, afinal, se despido do discurso de candidato, obrigando-se a elaborar uma análise mais fria e menos partidária da realidade econômica?"

"Essa pergunta só pode ser respondida pelo próprio personagem, e ele terá certamente muitos olhos e ouvidos dispostos a colher suas palavras, uma vez que sempre contou com inteira disponibilidade dos jornalistas - o certo seria usar a expressão subserviência. Mas o pensamento controverso de José Serra e sua surpreendente sinceridade são questões de foro íntimo, possivelmente desbloqueadas por sua condição de não-candidato. Mas o que nos move aqui é a observação da imprensa. Fica, então, o observador diante da seguinte possibilidade: tendo, ao longo das duas últimas décadas, rezado em voz alta pela cartilha econômica do ex-governador, ex-senador e ex-ministro, será que os jornais vão rever sua visão da realidade brasileira?", questiona, com uma ponta de ironia, Luciano Martins Costa.

Os jornalões e os tais "analistas de mercado" - nome fictício dos porta-vozes dos rentistas que lotam a telinha da tevê - até agora não deram destaque ao discurso de José Serra. "Difícil acreditar que nem mesmo os supostamente bem informados colunistas de economia da Folha e do Estadão ignoraram a manifestação surpreendente do ex-governador - é mais provável que os editores dos dois jornais paulistas tenham considerado mais conveniente omitir essa informação de seus leitores", cutuca o atento jornalista do Observatório da Imprensa. O mineiro Aécio Neves também evitou comentar a visão frontalmente divergente. O fato é que há algo de estranho, novamente, no ninho tucano.

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