sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Dilma e Lula: A partitura não muda

Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
 

Quando Fernando Henrique Cardoso e José Serra formavam uma dupla de primeiríssimo plano na política brasileira, quantas vezes um terá criticado comportamentos do outro em conversas entre correligionários e amigos? E nem se diga de quando Serjão Mota formava com eles uma trinca aguerrida... Serjão podia ser de fala muito desabrida.

Há razões de sobra para crer que nem sempre foram ouvidas referências suaves de um integrante da trinca em relação aos companheiros. É do conhecimento até do mundo mineral que nem tudo correu às mil maravilhas entre eles. Não recordo, porém, de ter lido menção a respeito na mídia nativa. A qual neste exato instante relata críticas de Lula à administração da presidenta Dilma, a insinuar alguma turbulência entre os dois.

Dentro dos conformes, está claro. O verdadeiro partido de oposição, nas páginas impressas, e pelo rádio e pela tevê, trata de interpretar a contento o seu papel neste começo do ano eleitoral. É o resultado de uma obsessão visceral, elevada à enésima potência em função do tempo curto.

Não aludo aqui à verdade factual, que no caso desconheço. Dou minha opinião. A partir da ideia de que certas palavras têm de ser entendidas dentro das suas circunstâncias. Político sutil e muito experiente, Lula sabe que mesmo as paredes têm ouvidos, e do febril estado de prontidão da mídia. Talvez lhe convenha escolher melhor os interlocutores. Talvez. Mas que tenha feito alguns reparos ao governo é totalmente admissível, ao sabor de determinados introitos, no gênero “Dilma deveria...” ou “Dilma poderia...”. No condicional. É o que acho, honestamente.

Reparos corretos? Sim, no meu entendimento. Dois pontos críticos são transparentes. Dificuldades no Congresso, dificuldades com o empresariado. Desde seus tempos de sindicalista, Lula é excepcional praticante do jogo político. Contemporizador quando é preciso, certeiro na hora do ataque. Faltou a Dilma Rousseff e ao seu governo fazer política no sentido da negociação eficaz. Da busca, pelo diálogo, do entendimento sem imposições.

O Parlamento tornou-se terreno minado para o governo, mesmo as bancadas petistas, esta é forte impressão, não se afinam com Dilma. O Congresso brasileiro está longe, muito longe, de constituir um poder exemplar. Poder é, entretanto, e ali se compõe a maioria indispensável a quem governa. Os problemas na lida com esta maioria são evidentes, além dos antigos, tradicionais, à luz de uma aliança ditada por conveniências fisiológicas em lugar da coincidência de ideias e princípios. É evidente, também, que não há alternativa à tentativa de resolvê-los pelas sendas, às vezes tortuosas, da política, na sua acepção mais imediatista.

O distanciamento entre o governo e os empresários desfralda-se igual a bandeira ao vento. Nem todos os empresários, além de cuidarem dos seus interesses, preocupam-se com os do País. Por outro lado, é inegável que os responsáveis pela economia e pelo desenvolvimento optaram às vezes por decisões apressadas, para não dizer afoitas, de sorte a prejudicar este ou aquele empresário, em detrimento não somente dele, mas também do próprio interesse nacional.

Lula teria dito que a atual equipe econômica governista tem “prazo vencido”. Certo é que ela amiúde foi hesitante e que, em geral, careceu de atitudes assertivas, enquanto sofremos como nunca as consequências da crise mundial e ressurge o vezo verde-amarelo de contribuir para a inflação à procura da ilusória sensação do bolso cheio. Não é por acaso que o custo de vida aumenta e o Brasil se torna um dos países mais caros do mundo, além do quarto mais desigual. Só não entendo porque a presidenta se preocupa em afirmar que ninguém conseguirá separá-la de Lula.

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