quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

IPTU: o fraco paga mais

Por Samantha Maia, na revista CartaCapital:

O Imposto Predial e Territorial Urbano tem perdido importância no total de tributos cobrados pelas prefeituras. Estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas mostra que os recursos arrecadados com o tributo representam hoje menos do que aqueles obtidos com o Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Em 2012, foram arrecadados quase 20 bilhões de reais de IPTU, uma média de 101,5 reais por habitante e o correspondente a 1,2% da carga tributária do Brasil. O valor foi 35% menor do que o arrecadado com o IPVA, dividido entre as prefeituras e os estados.

A pesquisa foi apresentada no Seminário Internacional Instrumentos Notáveis de Intervenção Urbana, promovido em Brasília nos dias 21 e 22 de novembro, paralelo à 5ª Conferência Nacional das Cidades. O levantamento mostra que o peso da arrecadação do IPTU em relação ao Produto Interno Bruto no Brasil evoluiu menos em comparação ao ISS. Em 1970, a arrecadação de IPTU era de 0,29% do PIB e a de ISS, de 0,16%. Já em 2012, a participação do IPTU evoluiu para 0,45% e do ISS, para 0,93%.

Especialistas em gestão avaliam que esse comportamento é reflexo do mau aproveitamento do tributo no País. Com caráter redistribuidor de renda, o IPTU pode ser cobrado de parcela da sociedade com mais renda e investido em áreas mais carentes ou na melhora da qualidade dos serviços públicos. Segundo o economista José Roberto Afonso, autor do estudo, não se trata de defender o aumento da carga tributária, mas de tornar a cobrança mais justa e dar poder de investimento às prefeituras, hoje muito dependentes de repasses estaduais e federais.

“Quando se discute uma reforma tributária, ninguém quer falar de tributação patrimonial. É uma injustiça, pois os impostos sobre o consumo são proporcionalmente mais pagos pela população pobre, enquanto a cobrança sobre a propriedade permite redistribuir a renda”, diz ele.

Na comparação com outros países, o Brasil aparece entre os que menos cobram tributos sobre a propriedade imobiliária em relação ao PIB, apesar de ser uma das nações com maior carga tributária. O imposto representa 3,5% das riquezas do Reino Unido, enquanto, no Brasil, esse porcentual é de 0,4%.

A perda de importância do IPTU em relação a outros impostos deu-se ainda nos anos 90, mas a tendência é de piora do quadro. “Se o IPTU tivesse seguido a mesma trajetória do IPVA, hoje as cidades poderiam arrecadar 9 bilhões de reais a mais, ou 22 bilhões de reais a mais caso ele tivesse crescido como o ISS”, explica Afonso. Contra o IPTU conta, segundo o economista, além da impopularidade, o maior custo administrativo comparado a impostos sobre o consumo.

Claudia de Cesare, engenheira civil e especialista em tributação imobiliária, relata que a dificuldade de debater os benefícios do IPTU ocorre em todas as esferas. “Mas quem deve estar mais preocupado com a cobrança são os donos de imóveis de altíssimo valor, que pagam 612 vezes o imposto mínimo.” Outro problema na gestão do IPTU é a disparidade entre o valor venal, sobre o qual o imposto incide, e o valor de mercado, situação que, novamente, beneficia os proprietários de imóveis mais caros. “Atualizar o valor venal é distribuir os impostos de maneira mais justa”, afirma a engenheira.

A discussão esteve recentemente no centro dos debates sobre as finanças do município de São Paulo. A prefeitura aprovou um projeto de lei em 5 de novembro que atualiza a Planta Genérica de Valores da cidade, medida que traz impacto sobre a cobrança do IPTU. Como os valores venais dos imóveis estavam longe da realidade do mercado, a arrecadação de IPTU em 2014 deve ser 24% maior que neste ano.

A medida foi criticada pela população. Apesar de a ação da prefeitura ser exigida por uma lei aprovada em 2009, ela foi interpretada como uma forma de a administração paulistana compensar o congelamento das tarifas de ônibus no meio do ano. O prefeito Fernando Haddad defende a política com o argumento de que a periferia é isenta de IPTU e de que as críticas são fruto de desinformação sobre o tema.

Segundo Claudia de Cesare, não é o valor venal que define o peso do imposto, e sim as alíquotas, ponto não alterado no caso de São Paulo. Dessa forma, ela afirma que o importante para as cidades não é ter um imposto fraco, e sim transparente. Isso seria capaz de reduzir a rejeição dos cidadãos em relação ao tributo. “Na Inglaterra, a cobrança do imposto sobre a propriedade imobiliária vem com a descrição de onde será aplicado. Assim, o IPTU vira uma espécie de condomínio, cobrado de forma justa e com resultados.”

Para Alexandre Cialdini, auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Ceará, a boa administração do IPTU é importante para dar maior autonomia financeira às cidades, e por isso precisa estar de acordo com a realidade do mercado. Segundo ele, apenas 32% dos imóveis residenciais no País pagam o imposto. “Houve um boom no mercado imobiliário com a expansão do crédito e as cidades não se apropriaram desse valor”, afirma o auditor.

2 comentários:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

“ É uma injustiça, pois os impostos sobre o consumo são proporcionalmente mais pagos pela população pobre, enquanto a cobrança sobre a propriedade permite redistribuir a renda”, diz ele.
Comentário: o pobre consome mais que o rico, ou é o inverso? Essa lógica parece estar equivocada. Até concordo que se deva tributar mais o patrimônio, mas pode-se aumentar também, por exemplo, a alíquota para bens de consumo supérfluo ou suntuários, o que não oneraria os pobres.

Roberto Vital Anau disse...

A chave do entendimento da expressão que você criticou é a palavra "proporcionalmente". Significa que o consumo do pobre, como proporção da sua renda, é maior que o do rico, em proporção à renda dele. O pobre consome praticamente 100% da sua renda. O rico poupa, investe uma parte da alta renda que recebe. Daí que o imposto sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI) tira uma parcela (proporção) maior da renda do pobre. Nosso país tem uma tributação que prioriza o consumo como fonte de arrecadação. Por isso, o IPEA, em estudo de 2006, indicou que quem ganha até 2 salários mínimos trabalha 197 dias no ano para pagar impostos, ao passo que quem ganha mais de 20 SM trabalha 106 dias no ano para isso - praticamente a metade. É uma inversão completa!