sábado, 10 de agosto de 2013

Ninja: ruptura na indústria cultural

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

A mídia tradicional descobriu o fenômeno da Mídia Ninja durante o período em que as manifestações de protesto que ocuparam grandes cidades brasileiras degeneraram em depredações e ações violentas da Polícia Militar. Muito rapidamente, a partir de dois artigos da jornalista e escritora Elizabeth Lorenzotti, publicados neste Observatório (ver aqui e aqui), o instigante coletivo de comunicadores ganhou intensa notoriedade, com seus integrantes sendo convidados a fazer palestras e participar de programas de debates na televisão.

Não demorou para que o grupo se tornasse também alvo de queixas e denúncias.

Nos últimos dias, manifestações isoladas, surgidas de experiências negativas com o consórcio de produtores culturais denominado Fora do Eixo, começam a se transformar num esquema organizado com o objetivo de demonizar a Mídia Ninja, a partir de problemas com a rede de ativismo cultural do qual nasceu a experiência da “massa de mídias”.

Nesta semana, o assunto chegou à revista Veja, com o tratamento rasteiro e preconceituoso que há alguns anos caracteriza a publicação semanal brasileira de maior circulação. A partir daí, como acontece com os temas onde é inoculado o veneno do antijornalismo de Veja, o debate se transformou em bate-boca.

A manifestação original que deu partida às críticas contra o Fora do Eixo, que por extensão buscam desmoralizar a Mídia Ninja, pode ser lida na página do Facebook sob responsabilidade da produtora de cinema Beatriz Seigner, de 29 anos, que ganhou certa notoriedade há dois anos ao participar da primeira coprodução entre o Brasil e a Índia (ver aqui). Em seguida, também a jornalista Laís Bellini (ver aqui) postou um relato sobre sua experiência negativa com o Fora do Eixo.

A partir daí, desfia-se uma profusão de comentários nos quais se pode perceber uma estranha convergência entre manifestantes que se declaram “de esquerda” e outros que se posicionam no extremo oposto do leque ideológico que costuma ser usado como termômetro do pensamento crítico.

A frase que define o grau de preconceitos manifestados na rede diz o seguinte: “Parabéns! É bom desmascarar estes comunistas que, como todo bom comunista, gosta (sic) de uma verbinha pública”.

A organização “caórdica”

A explicação para esse rápido trajeto da Mídia Ninja e da iniciativa que lhe dá origem, o coletivo Fora do Eixo, é também um aspecto típico do ambiente comunicacional que chamamos de hipermediado: no ecossistema da mídia digital, todos são protagonistas, sejam pessoas racionais ou raivosos militantes de ideias revolucionárias ou reacionárias.

Iniciativas como o coletivo Fora do Eixo e a Mídia Ninja expõem o aspecto mais extemporâneo do conjunto das doutrinas que dominaram o século 20, e que até aqui serviram de suporte conceitual para a narrativa da mídia tradicional.

O ambiente hipermediado representa a verdadeira democracia – não a Ágora dos gregos antigos, onde apenas os cidadãos podiam opinar –, mas um não-lugar onde o indivíduo realiza seu potencial de cidadania. Essa expansão da autonomia do indivíduo, possibilitada pelo desenvolvimento de uma verdadeira “tecnologia da libertação”, naturalmente reduz o espaço para discursos reacionários em todos os lados do espectro ideológico que parece predominar nos debates públicos.

Seja nas hidrófobas babações dos reacionários de direita alinhados com a revista Veja, seja nas prédicas supostamente libertárias, com referência bibliográfica, da esquerda clássica, o que se percebe é a tentativa de demonizar aquilo que escapa ao entendimento comum.

Os dois lados se justificam numa ordem que precisa eliminar as sutilezas e dissimular a complexidade da existência social para se manter relevante. A experiência da produção cultural e comunicacional coletiva, baseada numa vivência em comunidade, não pode ser exercida por qualquer um.

Duas ou três manifestações de vivências negativas não bastam para se contrapor à experiência de centenas de produtores de arte e cultura, que concretizaram, sob o guarda-chuva do Fora do Eixo, milhares de eventos para centenas de milhares de cidadãos, à margem do circuito reconhecido pela mídia tradicional.

A posição do jornalista Bruno Torturra, um dos ativistas do Midia Ninja, pode ser lida aqui. A ensaísta e professora Ivana Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dá voz a dezenas de depoimentos de midiativistas e ativistas culturais em defesa do coletivo Fora do Eixo (ver aqui).

Comunicação e cultura são a essência do processo civilizatório. Uma não existe sem a outra, o que produz essa simbiose da qual o capital se apropriou durante os dois últimos séculos, utilizando seus instrumentos para impor seus dogmas.

A reação a essa hegemonia sempre se deu no interior do próprio sistema, daí a dificuldade de até mesmo ativistas contrários ao capitalismo compreender as possibilidades de um modelo que se desenvolve fora do campo comum que abriga esses antagonismos.

Certamente, tal modelo de organização “caórdica” haverá de conter muitos erros e pode até produzir decepções com atos de má-fé e desvios de conduta, dada sua natureza complexa e o fato de ser, como sempre, uma ação humana. Mas não há como fugir à evidência de que se trata de uma ruptura no coração da indústria de cultura e comunicação.

1 comentários:

Anônimo disse...

Pois o capital é o diabo, até dois séculos atrás estava feliz com a nobreza. Ela morreu, o diabo não. O capital encontrou alguém para chamar de burguês e ninguém mais acredita no diabo, todos correm atrás do dinheiro acreditando que é ele quem reduz diferenças.
Certo ou errado, o responsável por esta informação não é um burguês corporativo.