quinta-feira, 27 de junho de 2013

A crise e as planilhas dos ônibus

Fernando Borges/Terra
Por Luis Nassif, em seu blog:

A decisão do prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, de cancelar a licitação de ônibus, montar um conselho e abrir as planilhas de custos do sistema, permitirá, pela primeira vez, escancarar a maior caixa preta do sistema público: as companhias municipais de transporte.

Ontem, no meu blog, um comentarista contava a história esdrúxula. Uma criança foi atropelada por um ônibus. A mãe entrou com uma ação de indenização. Conseguiu a sentença final. Como não houve o pagamento espontâneo, tentou bloquear bens da empresa. Para sua surpresa, a empresa tinha se evaporado.

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Trata-se de fato comum no meio. Montam-se empresas que, muitas vezes, conseguem contratos por métodos não ortodoxos. Essas empresas acumulam dívidas trabalhistas, fiscais e com fornecedores e são passadas para frente, para laranjas, ou simplesmente evaporam.

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Não se trata de operação banal, de pequenos infratores.

Nos anos 90, uma das empresas de ônibus de São Paulo acumulou dívidas com uma empresa de vale refeição. Quando o credor foi cobrar, a empresa estava em nome de sobrinhos do proprietário, claramente laranjas. No mesmo momento, o proprietário havia montado em Goiás esquemas fraudulentos de liminares de combustíveis – pelo qual conseguia liberar combustível sem pagamento antecipado de tributos (o chamado contribuinte substitutivo) e, depois, desaparecia na poeira sem efetuar o pagamento no ato da venda.

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Algumas grandes fortunas se fazem com esse modelo, ou se mantendo na clandestinidade, ou evoluindo para a economia formal – praticamente o salto inicial da companhia aérea Gol se deu através desse processo cinza de acumulação de capital.

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Praticamente nenhum partido manteve-se imune às relações suspeitas com as empresas de ônibus. A iniciativa de Haddad poderá por um fim a essa promiscuidade.

Hoje em dia, sistemas de GPS e catracas eletrônicas permitem o monitoramento instantâneo das rotas e das viagens de cada ônibus. Existe a Lei de Transparência, obrigando o setor público a dar acesso às informações de contratos. Existe sociedade civil organizada e atuando em rede. Existem técnicos, jovens técnicos, hackers, desenvolvedores de aplicativos disponíveis, sendo estimulados a desenvolver softwares de uso público. E, agora, um prefeito com vontade política de abrir a caixa de Pandora.

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O desafio será o de definir modelos de prestação de contas e aplicativos que facilitem a fiscalização pública.

Depois, um acordo entre movimentos online e a prefeitura para que os órgãos técnicos providenciem um curso para que os jovens fiscais possam cumprir com eficiência sua tarefa cívica.

Não bastam apenas os dados da planilha e dos percursos. Há que ensiná-los a conferir o cadastro das empresas, identificar formas de desvio da arrecadação, eventual existência de empresas laranjas ou fantasmas. Definir formas organizadas de avaliar a qualidade dos serviços, de fotografar e mapear os desvios, de discutir soluções.

É este o salto que se esperava desde o momento em que a nova sociedade online explodiu nas ruas do país.

Os avanços confirmam que o maior estadista da história sempre foi, é e será o misterioso personagem que atende pelo nome de Senhor Crise.

2 comentários:

Alexandre Figueiredo disse...

Sobre os ônibus, o que deve-se considerar é a necessidade de eliminarmos de vez a medida da pintura padronizada, que é a de adotar uma pintura única para cada zona de bairros ou tipo de ônibus, independente da empresa operadora.

Essa medida, há tempos tida como eficaz para a disciplina do transporte coletivo, acabou provando o contrário, pois acoberta a corrupção.

O povo, cheio de afazeres da vida, não vai perder tempo vendo qual o número do consórcio ou do carro que vai pegar, e se diferentes empresas exibem a mesma pintura, fica pior para o povo verificar.

Além disso, a pintura padronizada já acobertou e acoberta muita corrupção nos sistemas de ônibus das cidades. Tem ônibus velho com documentação vencida que se esconde na pintura padronizada, principalmente quando empresas ruins se beneficiam porque ostentam exatamente a mesma pintura que as empresas de bom desempenho.

Outra coisa é que tem empresas que mudaram de nome e de dono sem que o povo soubesse, da mesma forma que a troca de empresas em determinadas linhas. A pintura padronizada não faz a diferença, o povo é enganado sem dó.

Hoje, essa medida está em franca decadência, apesar de ser lançada como "novidade" em cidades como Rio de Janeiro, Niterói e Teresina, e comprovadamente não traz transparência alguma para o transporte público. E vai contra os princípios da licitação, porque mascara justamente as empresas aprovadas pelo processo. O cidadão comum, que deveria ser o maior interessado, passa a ter mais dificuldades de reconhecer uma empresa de ônibus.

Anônimo disse...

Como 'crise' é um nome feminino tem
que ser Senhora Crise.