quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Brasil industrial ou exportador de grãos?

Por Roberto Amaral, na CartaCapital:

Que Brasil desejamos legar às próximas gerações? A pergunta é pertinente porque o futuro está sendo construído hoje e, na sociedade capitalista globalizada e em crise, não há mais espaço seja para o improviso, seja para o voluntarismo, e muito menos para a incompetência. Nunca foi tão necessário o planejamento, estratégico e de longo prazo. Mas dele nos estamos afastando, cingidos pela necessidade de dar respostas imediatas, e por isso pontuais, ao dia-a-dia da crise.
Há ingênuos e gente sabida para todos os gostos e preferências e interesses, nacionais ou não. Para os muito ingênuos, nosso destino está resolvido como futuros exportadores de óleo cru, como a Venezuela (que fornece aos desenvolvidos, EUA à frente, quantidades fabulosas de petróleo, para tudo importar, inclusive legumes; país riquíssimo afundado na mais primitiva estrutura econômica), como o Iraque, como o Irã, ou a Arábia Saudita, ou os Emirados Árabes e outros. Agora, pergunto ao leitor: Você conhece algum grande exportador de petróleo que se tenha transformado em uma grande nação?

A muitos ingênuos (ou sabidos demais) também parece irrelevante que nossas empresas de apoio à produção do pré-sal estejam sendo vendidas, como estão, uma a uma a grupos multinacionais. Parece-lhes a coisa mais natural do mundo nosso destino imediato como principal fornecedor de óleo para os EUA, substituindo a ‘inconfiável’ Venezuela de hoje e o turbulento e caro mercado árabe, que tantas guerras e intervenções caríssimas exige do maior exército do mundo.

Para esses ingênuos, não é espantador nosso futuro de reféns dos interesses estratégicos dos EUA.

Por outro lado, os “muito sabidos” desdenham da industrialização, de seu papel não só econômico-social, como estratégico. Peço ao leitor a indicação de algum grande país, alguma nação rica e desenvolvida cuja economia dependa, tão-só, da roça ou do agronegócio. Dito de outra forma: qual o país moderno que se desenvolveu sem que se tenha industrializado?

Se o nosso país, de 2003 para cá, redescobriu que o binômio ciência e tecnologia é a chave do desenvolvimento, descobriu igualmente que a industrialização é que capilariza a inovação e o progresso técnico, levando o desenvolvimento para a população como um todo. No entanto, há os que, em pleno século XXI, redescobrem a “vocação agrícola” do Brasil como o antígeno da industrialização. Esses desdenham dos que falam em “desindustrialização”, quando o fato objetivo é que a participação da indústria de transformação no PIB nacional, que no início dos anos 80 era de 33%, caiu, em 2010, para 15,7%.

Há os que desdenham da desnacionalização da indústria sobrevivente, mas o fato objetivo é que, só no primeiro semestre deste ano, 167 empresas privadas brasileiras foram compradas por multinacionais, em sua maioria com sede nos EUA (são dados da Pesquisa de Fusões e Aquisições, da consultora KPMG). As empresas brasileiras desnacionalizadas estavam preponderantemente nas áreas de serviços para empresas, tecnologia da informação e produtos químicos e farmacêuticos, mas a desnacionalização ocupa espaços crescentes também na agroindústria do etanol e na química baseada na energia vegetal, áreas que identifico como estratégicas.

A taxa de juros caiu (na verdade, desde agosto do ano passado até aqui caiu nove vezes, chegando ao patamar de 7,5% ao ano); a valorização cambial estancou, e o governo persegue, embora limitado a fatias setoriais, a redução da carga tributária e acena para breve com a queda do preço da energia elétrica e investimentos na logística de transportes. Se os ambientalistas religiosos permitirem.

Mas, apesar dos esforços governamentais, o crescimento industrial não foi retomado e o PIB continua sofrendo de raquitismo (a previsão para 2012 caiu, segundo o ‘mercado’ para 1,64%). E sem crescimento econômico – a fonte do desenvolvimento— todas as demais metas, da eliminação da pobreza à autonomia em ciência e tecnologia, passando por educação, segurança e defesa nacional, estarão descartadas. Uma explicação é a baixa capacidade de inovação da indústria nacional lato sensu, derivada precisamente do fato de a produção brasileira estar subordinada às matrizes das multinacionais, herança do modelo neoliberal: elas produzem tecnologia em suas sedes, enquanto as empresas privadas nacionais preferem pagar royalties a investir em pesquisa. As empresas estatais, as únicas que investiam em ciência e tecnologia, foram desbaratadas pelos governos dos dois Fernandos.

Enquanto isso, os gastos da China (já a segunda economia do mundo) com PID, vale dizer ciência, tecnologia e inovação, são três vezes superiores aos do Brasil (em termos proporcionais ao PIB de cada um) e deverá (lembremos: a China adota o planejamento) dobrar esse valor até 2030.

Não há alternativa fora do aumento dos investimentos públicos e privados.

Acresce levar em conta a recessão das economias européias, japonesa e estadunidense, e a desaceleração da China, com seus reflexos no Brasil: menos compras e esforço de todos para vender mais, ao que se soma a cautela do capital internacional não especulativo.

No Brasil, por exemplo, onde encontrariam, em tese, terreno fértil para semear seus lucros, preferem os capitalistas estrangeiros comprar nossas empresas ao invés de assumirem, com novos investimentos, de que carecemos, novas iniciativas. Ou seja, na crise deles, procuram explorar a nossa, através da aquisição de patrimônio nacional já constituído, possibilitando mais remessas de lucros para o exterior, sem nenhuma contribuição adicional para o nosso desenvolvimento, nem mesmo geração de novos empregos.

Seja por força da abertura comercial, seja por isso ou por aquilo, o peso das manufaturas na pauta das exportações foi, em 2011, de apenas 36%, quando em 1980 havia atingido nada menos que 59%. Vivemos assim um processo de contínua deterioração nos termos de troca de produtos industriais, nos quais prepondera nossa dependência de produtos de alta tecnologia. Seria este o momento de nossa indústria valer-se das políticas governamentais que visam ao aumento da renda nacional, e, por conseqüência óbvia, o crescimento do mercado interno.

Mas a indústria nacional não está, sequer, atendendo às novas demandas do mercado interno, que assim se abre para aumentar as importações vistas pelo governo como instrumento para evitar desabastecimento e pressão inflacionária, e, ainda como estabilizador de preços. Somos, hoje, exportadores de alimentos, carne, grãos e minérios (cujos valores, aliás, estão em queda) por sinal, quase sempre sem nenhum valor agregado e à mercê de progressivas políticas protecionistas dos importadores, variantes desde taxas abusivas a restrições sanitárias. Em 1980, o setor de bens de capital (termômetro do crescimento econômico) representou algo como 20% da produção da indústria de transformação, mas em 2009 essa cifra já havia caído para 10%. O que nos salva são as exportações para o Mercosul, notadamente Argentina (o comércio bilateral alcançou 40 bilhões de dólares com crescimento de 35% das exportações brasileiras) e Venezuela, para quem exportamos predominantemente manufaturados (65% do total).

Crise à parte, o Brasil precisa decidir qual é seu modelo de crescimento, como crescer, para onde crescer e para quem crescer, enfrentando a disjuntiva Brasil dos primários ou do valor agregado. O Brasil gerou 20 milhões de postos de trabalho nos últimos nove anos: trabalho nas cidades, nos serviços, aumento, portanto que passou ao largo do agronegócio. Os serviços representam 70% dos empregos abertos. Mas 95% das ocupações geradas foram de até um salário-mínimo e meio (segundo o Ipea). Em 2002, mais de dois terços de nossas exportações eram destinados aos países ricos, cifra hoje reduzida a 40%, com nossa oportuna opção pela América do Sul, pela África e pela China, o que minimizou os efeitos da crise do chamado “primeiro mundo”. E nada menos de 80% de nossas exportações para a China são de produtos primários. Em 1980, a produção industrial brasileira (Gabriel Palma, BBC, 13.07.2012) superava a do conjunto formado por China, Índia, Coréia do Sul, Malásia e Tailândia; em 2010 representava tão somente 10% do total da produção desses países.

Há, porém, aqueles que, por força do pensamento mecanicista, afirmam que não há “desindustrialização” porque o modelo do Brasil é o mesmo dos países ricos em crise, a saber, tornar-se uma economia de serviços e produção de bens não materiais. Ora, nos ditos países ricos esse movimento derivou da pós-industrialização, óbvia conseqüência do alto desenvolvimento industrial, do intenso e permanente desenvolvimento científico e tecnológico e da modernização dos serviços, e, finalmente, como somatório de tudo isso (cujo pano de fundo é a imperialista divisão internacional do trabalho), resultou da necessidade de transferir parte da fabricação para outros países (como os asiáticos mais atrasados, em busca de salários mais baixos e baixos índices de democracia), como instrumento de redução de custos, conservado nas matrizes o desenvolvimento do know-how.

Ora, o caso brasileiro nada tem em comum com este cenário, pois nosso parque industrial ainda está em desenvolvimento e em busca de consolidação, podendo e devendo desempenhar papel insubstituível como agente modernizador da economia e da sociedade brasileiras.

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