quinta-feira, 5 de julho de 2012

Crise exige mais ousadia do governo

Por Altamiro Borges

Não dá para dizer que o governo Dilma Rousseff está inerte diante dos efeitos da grave crise econômica mundial. Ele também não tem adotado o clássico e destrutivo receituário neoliberal, com privatizações, demissões no setor público e contrarreformas regressivas. Mesmo assim, as medidas adotadas até agora pela equipe econômica não conseguiram reverter a tendência de queda do crescimento do país. O próprio governo já admite que o PIB deverá crescer apenas 2% neste ano – uma taxa bastante tímida.


Recuo de 4,3% na produção industrial

No início do ano, o ministro Guido Mantega chegou a projetar um crescimento de 4%, após o baque do “pibinho” de 2,7% no ano anterior. Logo depois, a meta foi rebaixada para 3,5% e 2,5%. Agora já se fala, nos bastidores, num crescimento de 2% ou menos. Os dados recentes da indústria parecem confirmar a baixa expectativa. A produção industrial recuou 4,3% em maio, na comparação com o mesmo mês de 2011. A presidenta Dilma ainda garante que “vamos virar esse jogo”, mas os sinais não são animadores.

Num debate ontem em São Paulo, o próprio Guido Mantega advertiu que “essa crise parece menos intensa do que a de 2008 [que fez o PIB brasileiro encolher 0,3% no ano seguinte], mas não é... Agora é uma crise que começa lentamente e vai se agravando e criando os mesmos efeitos deletérios daquele momento. Hoje já temos efeitos semelhantes aos de 2008”. A persistência da crise nos EUA, o seu agravamento na Europa e a recente retração na China e na Índia confirmam o seu diagnóstico pessimista.

As receitas dos banqueiros e industriais

Diante deste cenário preocupante, cada classe social apresenta as suas propostas para o enfrentamento da crise. A alta burguesia, representada principalmente pelos banqueiros, prega o retorno do receituário neoliberal. Para Ilan Goldfajn, economista-chefe do Banco Itaú-Unibanco, “a alta carga tributária, a falta de infraestrutura e a elevação substancial do custo da mão de obra tem reduzido a competitividade” do país. Ou seja: ele prega menos impostos para os ricaços e mais arrocho sobre os trabalhadores!

Já a burguesia industrial critica as altas taxas de juros, no que se diferencia da oligarquia financeira. Mas, ao mesmo tempo, ela também tenta repassar parte do ônus da crise para o lombo dos assalariados. Daí a sua insistência nas reformas trabalhista – “que desonere o capital produtivo” – e previdenciária – “que reduza os gastos públicos”. A participação da indústria no PIB diminui há décadas. Caiu de 17,2%, em 2000, para 15% em 2011. Para os gulosos patrões, as leis trabalhistas seriam responsáveis por essa retração.

Mudança de rumo do governo

No caso do governo federal, um típico condomínio de classes, o debate sobre o enfrentamento da crise é bem mais contraditório e complexo. Num primeiro momento, a presidenta Dilma Rousseff reforçou a ortodoxia neoliberal na política macroeconômica, elevando as taxas de juros e reduzindo drasticamente os investimentos públicos. Diante do agravamento da crise internacional, o governo mudou de rota a partir de meados do ano passado. Várias medidas heterodoxas foram adotadas no período recente.

Desde agosto, o Banco Central reduziu a taxa básica de juros (Selic) de 12,5% para 8,5% ao ano, o que torna o crédito mais barato para os consumidores e também para novos investimentos e serve para reanimar o mercado interno. Já há quem especule que o BC deverá reduzir ainda mais os juros, que poderão encerrar o ano a 7%. A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na próxima semana, confirmará se estas previsões são corretas, o que representaria uma nova derrota do capital especulativo.

O embate com o capital financeiro

Outra atitude positiva no enfrentamento da crise foi adotada pelos dois bancos públicos (BB e CEF), que reduziram suas taxas de juros, forçando os bancos privados a adotarem a mesma linha, temendo o desgaste e a perda de clientes. Além disso, o governo passou a administrar mais diretamente a taxa de câmbio, evitando uma sobrevalorização artificial do real – o que dificultaria ainda mais as exportações e escancararia as importações, com maiores prejuízos para a produção e o emprego no país.

Todas estas medidas, porém, não têm conseguido barrar os efeitos da crise mundial. Elas são positivas, mas ainda revelam a falta de ousadia do governo Dilma na política macroeconômica – para não falar na ausência completa das reformas estruturais no Brasil. O corte dos juros, segundo vários analistas, poderia ser ainda mais acelerado. As medidas cambiais deveriam ser mais duras para proteger a produção nacional. E o Palácio do Planalto precisaria enfrentar com urgência o tema tabu do superávit primário.

A maldição do superávit primário

Esta criminosa reserva de caixa dos banqueiros, fantasiada com o nome pomposo de superávit primário, inibe os investimentos públicos no Brasil. Como apontou o estudo divulgado nesta semana pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o enfrentamento da crise mundial não produzirá efeitos mais consistentes apenas com as justas e pontuais medidas de estímulo ao consumo interno. A retomada da economia depende de pesados investimentos em infraestrutura e na indústria de bens de capital.

Mas o governo resiste em mexer nesta “maldição”. Segundo Roberto Messenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões (GAP) do Ipea, todos os estudos econômicos confirmam que em momentos de grave crise o investimento público torna-se uma espécie de “tábua de salvação da economia... Mas começamos a entrar em uma política, que eu realmente não entendo, que é de privilegiar os superávits primários feitos em cima dos cortes do investimentos”.  

"Não adianta tapar o sol com peneira"

O estudo do Ipea mostra que nos primeiros cinco meses deste ano houve desaceleração nos investimentos públicos no país. Eles somaram R$ 8,5 bilhões, inferior aos R$ 8,8 bilhões em igual período de 2011. Como decorrência imediata, o investimento na produção de máquinas e equipamentos caiu 12% em relação ao mesmo período do ano passado. Para Messenberg, enquanto o governo não enfrentar este gargalo o crescimento da economia será “medíocre e não adianta tapar o sol com peneira”. 

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