segunda-feira, 19 de março de 2012

E se fosse a CartaCapital na TV Brasil?

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Na mesma semana em que a Folha de São Paulo repercutiu em suas páginas, em tom de denúncia, um contrato de publicidade por prazo determinado celebrado entre um banco controlado pelo governo federal e um dos blogs políticos mais conhecidos do Brasil, o jornal foi premiado pelo governo de São Paulo com um programa no horário mais nobre da TV brasileira, o das noites de domingo, e bem na emissora pública paulista, a TV Cultura.
Entre as poucas reações que se viu a negócio da natureza do que foi firmado entre a emissora pública paulista e uma empresa de comunicação privada que há anos vem sendo acusada de tomar partido do PSDB paulista e do governo de São Paulo ao praticamente não cobrir a gestão do Estado nos últimos quase vinte anos, sobressaiu a do jornalista e proprietário da revista CartaCapital, Mino Carta, em artigo do qual reproduzo trechos.

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– (…) Sou informado a respeito do nascimento de uma TV Folha. Triunfa nas páginas 2 e 3 da Folha de S.Paulo a certidão do evento, a prometer uma nova opção para as noites de domingo na tevê (…)

– (…) A tevê pública paulista acaba de oferecer espaço não somente à Folha, mas também a Estadão, Valor e Veja. (…) Só o jornal da família Frias aproveitou a oportunidade (…)

– (…) Tucanagens similares já foram cometidas em diversas oportunidades nos últimos anos, uma delas em 2010, o ano eleitoral que viu José Serra candidato à Presidência da República. Ainda governador, antes da desincompatibilização, Serra fechou ricos contratos de assinatura dos jornalões (…) Do volumoso pacote não constava obviamente CartaCapital, assim como somos excluídos do recente convite da Cultura (…)

– (…) Volta e meia, CartaCapital é apontada como revista chapa-branca, simplesmente porque apoiou a candidatura de Lula e Dilma Rousseff à Presidência da República. (…) Há quem se abale até a contar os anúncios governistas nas páginas de Carta Capital, e esqueça de computar aqueles saídos nas demais publicações (…)

– (…) Fomos boicotados durante os dois mandatos de Fernando Henrique e nem sempre contamos com o trato isonômico dos adversários que tomaram seu lugar. (…) E nem por isso arrefecemos no alerta perene do espírito crítico. (…) Quanto ao Partido dos Trabalhadores, jamais fugimos da constatação de que no poder portou-se como os demais. (…)

– (…) No mais, desta vez dirijo minha pergunta aos leitores em lugar dos meus botões: qual é a mídia chapa-branca?


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Então surgem os questionamentos que não estão sendo feitos, ainda que o jornal, como diz Mino Carta, tenha se “abalado” a dar explicações que não lhe foram pedidas até agora por aqueles que deveriam zelar pela preservação do interesse público sobre ativos estatais como é a emissora pública de São Paulo, que, por ser “fundacional” (como bem observa um leitor), está sob fiscalização do Ministério Público Estadual de São Paulo.

Apesar da falta de ímpeto do MPE-SP, a ombudsman do Jornal Folha de São Paulo, neste domingo, oferece explicações. E em tom crítico. Reproduzo, abaixo, coluna de Suzana Singer de 18 de março de 2012

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Folha ‘descobre’ vida inteligente na TV

18/03/12

Suzana Singer

Jornal precisa segurar o impulso de autopromoção e ser transparente ao tratar do seu programa na Cultura

Sem nenhuma modéstia, a campanha publicitária do “TV Folha”, que invadiu até as sagradas páginas de opinião do jornal, decretou: o telespectador finalmente terá algo para ver nas noites de domingo.

Ainda é cedo para dizer se a promessa foi cumprida ou se cabe procurar o Procon. Uma estreia é pouco até para avaliar um restaurante.

Mas o que já ficou claro é que o “TV Folha” tenta se diferenciar dos outros telejornais: não tem âncora alinhavando as reportagens, os colunistas aparecem “descontraídos”, a edição busca uma linguagem de documentário e o tom é de crítica -sobrou até para o Chico Buarque.

O primeiro programa começou com um assunto velho, a ação policial na cracolândia, que aconteceu há dois meses, mas serviu de recado aos que acreditam que a Folha, ao usar um espaço da TV Cultura, engatou um namoro com o governo do Estado. A tese da reportagem era que a operação, ineficaz no combate ao problema dos viciados em drogas, visava às eleições.

Louvável, a independência editorial não é suficiente para encerrar a discussão sobre a validade dessa parceria, em que uma empresa privada explora espaço de uma emissora pública.

O jornal não explicou direito as bases desse acordo. Trata-se de uma permuta: em troca dos 30 minutos na televisão, a Folha cede páginas de anúncios para a Cultura. As despesas do “TV Folha” são do jornal, mas são compensadas pela receita publicitária. “A TV Cultura tem como ganhos um programa jornalístico de qualidade a custo zero, além de espaço de divulgação na Folha”, diz a assessoria de imprensa da emissora.

Não houve concorrência, mas a Folha não foi a única convidada. “Não cabe licitação, porque todos os grandes jornais de São Paulo foram chamados em condições de igualdade”, diz a Cultura. Segundo a emissora, o programa do “Estado de S. Paulo” deve estrear no segundo semestre, o “Valor” ainda não apresentou uma proposta e a revista “Veja” desistiu.

A Secretaria de Redação diz que considera válida a terceirização de espaço em emissora pública, desde que seja um recurso para “melhorar e diversificar a programação”.

A audiência da estreia mostrou que “melhorar” a televisão não é fácil. Mesmo com tanta propaganda, o programa obteve 1 ponto no Ibope, um aumento de 0,3 em relação ao da semana anterior (cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo).

O modesto crescimento e a “boa receptividade do público” foram alardeados numa série de pseudorreportagens autopromocionais, que chamavam de “pesquisas Datafolha” sondagens feitas com um número pífio de participantes. Só um texto crítico foi publicado, sob a vinheta “não gostei”, na “Ilustrada”.

“Está exagerado, querem nos convencer de que o programa foi um sucesso. Mas isso tem que ser feito com conteúdo, não com essa espécie de merchandising”, reclamou o leitor Robinson Alves, 28, curador.

O jornal, que noticia com destaque cada perda de audiência da Rede Globo, será submetido agora a um teste de transparência. Para mostrar respeito pela inteligência do leitor, como prometeu na campanha publicitária do “TV Folha”, precisará ser duro com a sua nova criação, que já nasceu petulante, desdenhando a concorrência.


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Assisti ao programa e ao fim do post ofereço ao leitor a sua íntegra em vídeo (em três partes). Minha opinião: foi bem feito, isento, como deveria ser. Estaria tudo bem, caso fosse prática da própria Folha e da grande imprensa em geral tratar com olhos de ver, e sem ilações maldosas, uma parceria entre o poder público e o jornalismo privado? Nesse caso, penso que não.

Busque-se na Folha o que diz sobre a TV Brasil, as suposições acusatórias que esse jornal e os outros veículos contemplados pela extrema generosidade do governo paulista sempre fizeram em relação à emissora pública do governo federal – inclusive quanto à audiência, como diz a ombudsman ao lembrar a audiência pífia que teve o primeiro TV Folha – e, por fim, verifique-se se a TV Brasil, alguma vez, foi menos crítica com o governo federal ou se foi mais crítica do que deveria com os governos controlados pela oposição. Garanto que não se encontrará uma só diferença.

Pelo contrário: a TV Brasil é criticada com freqüência, por setores da militância petista, por não ser usada no jogo político em prol do governo federal.

É por isso que sempre digo que acho corretíssimo que emissoras públicas não sirvam, de maneira alguma, de instrumentos políticos, pois hoje quem controla um desses veículos é o partido que você apóia, mas, amanhã, pode ser controlada por aquele ao qual você se opõe, sendo, portanto, a medida ideal aquela em que uma emissora pública, nesse âmbito, seja usada para fazer apenas jornalismo. E não qualquer jornalismo, mas um jornalismo exemplar.

Prova disso foi a disposição da TV Brasil, recentemente, de pedir desculpas públicas por matéria sobre a invasão do bairro Pinheirinho que repercutira informações veiculadas primeiro pelo UOL, do Grupo Folha, de que havia denúncias de mortos naquela operação policial, informação que ainda não foi confirmada.

Detalhe: a TV Brasil fez isso mesmo após o presidente da EBC, Nelson Breve, ter sido alvo da fúria de um blogueiro da Veja ligado ao PSDB, que partiu para cima dele acusando-o de atuar em prol do governo a que serve.

É óbvio, portanto, que a Folha não faria diferente logo no programa de estréia. Tal seria se o primeiro uso do presentaço que ganhou do governo de São Paulo fosse para agraciá-lo ou até para não lhe fazer alguma crítica. A isenção do primeiro TV Folha foi uma espécie de “vacina” contra questionamentos que sobreviriam.

E assim foi por uma razão muito simples, da qual o texto da ombudsman dá pistas: a concessão do horário nobilíssimo para a Folha foi um péssimo negócio para a TV Cultura. Segundo Suzana Singer, o presentão decorreu de “Uma permuta: em troca dos 30 minutos na televisão, a Folha cede páginas de anúncios para a Cultura”.

Que negócio da China, hein! Dá a entender que o jornalão, que tem (bem) menos de 300 mil assinantes (incluídos, aí, aqueles que recebem o jornal em casa sem pedir e de graça), fará publicidade para um tipo de meio de comunicação que certamente tem muito mais de 300 mil domicílios de audiência.

Ou alguém acha que uma TV como a Cultura, que tem décadas de visibilidade, precisa que um jornal diga que ela existe? Existirá um só paulista que não conhece a TV Cultura? Quanto custa tanto tempo de publicidade no horário mais nobre da TV Brasileira e quanto custarão os anúncios “gratuitos” da emissora no jornal?

Aliás, a programação da emissora já consta de cada edição da Folha, que é muito bem paga por isso pelo governo de São Paulo, que também lhe compra milhares e milhares de exemplares do jornal impresso.

Esse horário extenso que a TV Cultura concedeu a jornais e a uma revista que dificilmente fazem críticas ao governo que controla essa emissora pública enquanto se dedicam a fuzilar os adversários desse mesmo governo custa muito mais do que anúncios em papel-jornal, mas quem deveria notar isso não deu um pio.

Se a contratação pela TV Brasil de um jornalista renomado – e ex-membro do conselho editorial da Folha – como Luis Nassif foi alvo de fuzilaria da Folha, apesar de os valores envolvidos na contratação serem muito mais explicáveis do que a doação do mais nobre horário da televisão brasileira ao jornal, que diria esse jornal se a emissora do governo federal fizesse semelhante acordo com a Carta Capital e, ainda, sem a mesma licitação que ele criticou por não ter existido na contratação daquele jornalista?

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