domingo, 6 de novembro de 2011

Ramonet e a crise do jornalismo

Por Luciane Agnez, no Observatório do Direito à Comunicação:

A Embaixada da República Bolivariana da Venezuela realizou na terça-feira (1), a conferência "O papel dos meios de comunicação no contexto da crise mundial", com a presença do jornalista Ignacio Ramonet, pesquisador e ex-diretor do jornal Le Monde Diplomatique, e do ex-ministro das comunicações da Venezuela, Jesse Chacón. O evento, que aconteceu no Memorial Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, fez parte das iniciativas para integração das nações que compõem a Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América (ALBA). A mesa foi presidida pelo Embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilien Sánchez Arveláiz.



Ignacio Ramonet levantou reflexões sobre a revolução promovida pelas novas tecnologias, que estão mudando o panorama das comunicações em todo o mundo. Nesse contexto, a imprensa vivencia a maior crise desde o surgimento do chamado jornalismo de massa, há apenas 150 anos. A atmosfera midiática é diferente de 20 anos atrás.

O jornalista explica isso por uma metáfora: há milhões de anos, no fim da Era Jurássica, uma chuva de meteoros que atingiu a Terra, extinguindo os dinossauros e mudando o ecossistema do planeta. “A internet é o novo meteoro que vem alterar o ecossistema midiático”, afirmou. A consequência inevitável é a extinção de alguns tipos de mídia, principalmente no meio impresso, como já vem ocorrendo – muitos jornais desaparecerão. A crise já se mostra mais intensa nos Estados Unidos, onde, na última década, mais de 150 jornais fecharam e houve a redução de cerca de 20 mil empregos.

Ramonet alerta que o impacto da internet não ocorre apenas no meio impresso. Os canais de TV com notícias 24 horas, como a CNN, também enfrentam uma greve crise econômica, muito diferente do sistema de televisão que vivia seu auge no final da década de 1990. “Os canais de informação contínua estão com dificuldades de concorrer com a internet. O principal canal da Espanha fechou, por exemplo”, contou o jornalista.

Por outro lado, o desenvolvimento das redes sociais e dos blogs representa um avanço impossível de ser freado: há novos atores no processo de comunicação que não podem ser ignorados. “Também não quer dizer que esse cenário irá se estabilizar. Há 20 anos, o fenômeno era a CNN. Se esse nosso encontro fosse há três anos, possivelmente não falaríamos de Twitter ou de Facebook. A principal característica da realidade contemporânea é o movimento constante”, explicou Ramonet.

Ramonet também comentou sobre o tema de um de seus livros publicados: “Vivemos num estado de insegurança da informação, não podemos confiar nem no que é publicado na primeira página de um jornal”. Mas ele fez um alerta: “nunca foi feito esse tal ‘bom jornalismo’, nunca houve essa ‘era de ouro’, sempre foi difícil realizar esse jornalismo de qualidade”. Os desafios de antes – e de agora – é a permanente negociação entre a imprensa e os poderes político e econômico estabelecidos.

Um fato é incontestável: o jornalismo perdeu o monopólio da informação. Todos podem, hoje, consultar, acessar e produzir informações. Para Ramonet, “todos podemos ser jornalistas. Talvez não ‘bons’ jornalistas, mas com certeza não existe mais os receptores passivos. Informar-se é um processo ativo”.

Crise de identidade

Uma das principais consequências desse cenário é a crise de identidade vivida pelos jornalistas, pois não se sabe mais qual é a sua especificidade. “Qual a função do jornalismo na sociedade contemporânea? Qual a diferença entre um jornalista de O Estado de S. Paulo e um blogueiro que pode me dar uma informação mais trabalhada?”, provocou Ramonet.

Com os blogs, segundo ele, ganhamos em liberdade, mas é importante observar que nem todos os blogueiros são revolucionários, ao contrário, muitos são reacionários, conservadores. Mas o fato é que o grande volume de informações que a blogosfera produz pode sim derrubar os profissionais de comunicação. “A produção de informação é um trabalho proletariado, mas, ao mesmo tempo, nunca se produziu tanta informação e tão facilmente”, disse. Entre os fatores negativos, o jornalista destaca que, com a multiplicação das fontes, recebemos cada vez mais informações fragmentadas e não somos capazes de reconstituí-las em um contexto, compreendendo a dimensão política, social ou cultural dessa sociedade cada vez mais complexa. “Sentimos uma certa saudade de uma informação mais aprofundada, analítica”, lamentou.

Estados autoritários

Os estados autoritários não controlam mais a circulação da informação e as recentes revoluções no mundo árabe ilustram bem esse momento. “Cortar a internet significa parar os bancos, os ministérios, os serviços básicos do país. E ainda assim não impede que outros meios funcionem, como a telefonia e a televisão”, explicou Ramonet. Para ele, hoje, a circulação da informação funciona como um enxame, vem de todos os lados. “Não foi o Twitter ou qualquer outra rede social que derrubaram os governos na Tunísia ou no Egito, foi o movimento social, mas o ponto de partida foi, sem dúvida, a estratégia de enxame”.

Utilizando um conceito do filósofo francês Pierre Levy, Ramonet destacou que o potencial da inteligência coletiva é maior que a individual, como se caracteriza pelos modelos chamados wiki, mas ainda é um ideal. Segundo o jornalista, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação traz uma ilusão de avanço em relação à democratização da comunicação. “Manter-se informado é muito mais difícil do que usar o Twitter ou o Facebook”, alerta.

Esse é um fenômeno que está apenas no início, não sabemos o que haverá daqui a cinco anos. Somos testemunhas de que novas tecnologias e novas funções surgem em pouco tempo. Para Ramonet, o que sabemos, com certeza, é que os cidadãos terão um papel muito importante para a informação e para debater a comunicação.

O acesso às tecnologias da comunicação é entendido como um direito, uma garantia de bem estar, assim como foi a energia elétrica no final do século XIX. Ter acesso está cada vez mais relacionado a um grau superior de cidadania. Independente das tecnologias, esse será o aspecto mais importante.

“Só não podemos acreditar que acessando as redes sociais estamos fugindo do controle dos grandes conglomerados de mídia. Essas são formas de comunicação do velho sistema de comunicação, que estão em crise, mas que não irão desaparecer como que por milagre. Quando fazemos uma ligação, enviamos uma mensagem de texto, usamos o Twitter, o Facebook ou o Google, estamos contribuindo para o enriquecimento dessas companhias”, ressaltou Ramonet. A comunicação se torna uma matéria-prima estratégia e o importante não é mais o conteúdo, mas a circulação de mensagens – é isso que gera receitas.

Por fim, Ramonet conclui: “A democracia da comunicação ainda é uma ilusão. As novas tecnologias, que proporcionam a multiplicação de fontes e a facilidade da circulação de informação, nos tornam também mais preguiçosos. Informar-se não é mais um ato passivo e não podemos nos contentar com a questão do acesso. Se não fizermos o esforço de procurar e reunir as informações de qualidade, elas não virão ao nosso encontro”.

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