segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O Banco Central de Tombini

Por João Sicsu, no sítio Carta Maior:

Não há ninguém que tenha o mínimo de clareza sobre a vida política e econômica do país que não tenha percebido que o Banco Central mudou. O Banco Central presidido por Henrique Meirelles era independente do governo e das necessidades da sociedade. Mas, era prisioneiro das “expectativas” do mercado financeiro. Muitos dizem que, neste caso, é melhor usar a palavra “desejos” no lugar de “expectativas”.



Na gestão de Meirelles, o mercado financeiro foi surpreendido poucas vezes, somente naquelas ocasiões que esperava uma queda. Mas, a taxa de juros Selic foi mantida estável. E, de surpresa positiva ninguém reclamava, o mercado comemorava. E o câmbio? Flutuava livremente... no ritmo do mantra “cambio flutuante é para flutuar”.

Com Meirelles, o Banco Central objetivava o centro da meta de inflação ao final de cada ano. A ferro, fogo e juros buscava o alvo desejado; Meirelles e parte dos seus comandados imaginavam que o controle da inflação era uma questão de machismo monetário. Obrigavam a sociedade a tomar remédio amargo porque amargura era sinônimo de receituário competente e independente.

É óbvio que um projeto de desenvolvimento deve conter um modelo macroeconômico equilibrado que objetive o crescimento, a geração de empregos, a distribuição da renda e o controle inflacionário. Mas, a inflação é um fenômeno que deve ser mantido sob controle com inteligência tendo como base um mix de políticas econômicas. Afinal, a inflação tem várias causas. Portanto, seguindo as melhores teorias e práticas econômicas: para cada objetivo (causa) deve-se ter um instrumento.

O Banco Central de Alexandre Tombini não deixa o câmbio flutuar de forma limpa, “coloca areia na engrenagem”, briga contra sua valorização. Mas também sabe que a valorização contribui para a estabilidade monetária. E assim, por vezes, faz “corpo mole”.

O novo Banco Central não atua de forma que o centro da meta seja atingido ao final do ano. Utiliza a margem (de 2%) para absorver parte das variações de preços - são aquelas elevações que não vale a pena combatê-las aumentando excessivamente a taxa de juros Selic e causando danos ao lado real da economia em termos de desaceleração do ritmo de crescimento e perda de postos de trabalho.

O presidente do Banco Central se reúne regularmente com a Presidente Dilma. Trocam ideias e avaliações. O presidente do Banco Central conversa também com o Ministro Fazenda. Na gestão de Meirelles, a falta de diálogo interno no governo era considerada qualidade que reforçava a independência do BC.

A trajetória da taxa de juros é de queda. Dizem que o mercado já absorveu uma redução para 9,5% em abril de 2012. Nesse caso, o Brasil teria uma taxa básica de juros real inferior a 4%. Mas, pode ser que o mercado se surpreenda com Tombini novamente – a taxa de juros poderá cair mais rapidamente.

No dia 31 de agosto, o mercado ficou escandalizado com o que considerou uma grande surpresa, foi o dia em que a taxa de juros caiu de 12,5% para 12%. Membros da oposição denunciaram a interferência política do governo na gestão técnica do BC. O Estadão estampou em seu site no primeiro minuto do dia 1º de setembro: “Decisão ousada coloca em jogo a credibilidade do Banco Central”.

O mesmo veículo, em chamada para matéria em sua TV, publicou no seu site: “Corte do Copom na taxa Selic: foi pressão política?” E chamava os espectadores para assistir a matéria da seguinte forma: “Decisão arranhou a imagem do Banco Central, reafirmou o poder de Dilma e fez muita gente sentir saudades do conservadorismo de Henrique Meirelles...”.

Hoje, passados três meses, percebeu-se que o Banco Central estava certo: o quadro internacional era grave, a economia brasileira está desaquecendo rapidamente e a inflação (acumulada em 12 meses) entrou em trajetória descendente. Mais uma vez o Banco Central acertou – o que mostra que acertos contundes do BC representam surpresas para as “inteligências” do mercado.

Enfim, de Meirelles para Tombini, o Banco Central mudou. E mudou para melhor: a gestão da política monetária é outra. Mas, ainda é preciso mudar (um pouco) mais. Falta ao Banco Central entrar no debate público. É preciso enfrentar o conservadorismo anti-desenvolvimentista no plano das ideias. O momento é favorável. As teses do mercado definham a cada dia. Os laboratórios das suas ideias explodiram e explodem a cada dia. Da Argentina, de 2001, à crise européia, dos dias de hoje, passando pelos Estados Unidos, de 2007-8, são todos eventos teorizados e aplicados pelos neoliberais de plantão nos mercados.

Muitos dirão que o Presidente do BC e seus diretores não podem entrar no debate porque têm a responsabilidade de “administrar expectativas”, têm que mostrar tranquilidade e sobriedade. O mercado dita que quanto menos um presidente de banco central falar é melhor para não causar turbulências. Se o mercado recomenda, então, é preciso desconfiar, refletir e seguir o caminho oposto.

O Banco Central é um órgão de Governo, tal como tantos outros. A disputa de ideias é parte da governança. É preciso ganhar corações e mentes para que propostas concretas (mais avançadas) possam ser colocadas em prática – e o contrário é verdadeiro também. Caminhando, passo a passo, ações e debates, constroem novos caminhos. Abrir mão da disputa de ideias, como recomendado pelo mercado, é deixar o governo e o Banco Central capengas. É fazer aquilo que o mercado recomenda (porque facilita a sua “vida”), mas, jamais, fará. Seus bancos são máquinas de ativos financeiros e de divulgação de ideias.

O atraso, o subdesenvolvimento, deve ser combatido com ações concretas. Mas, também, com ideias. Afinal, a maior causa do atraso de qualquer sociedade são suas ideias e seus ideais. Portanto, é preciso que no debate público tenhamos um Banco Central na posição ON. A posição OFF para o Banco Central é aquela que o mercado deseja.

Resumo da ópera: o Banco Central deveria adicionar uma estratégia inteligente de comunicação à sua nova gestão monetária.

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