segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Bye, bye, Senhor Mercado

Por João Sicsu, no sítio Carta Maior:

O Banco Central elevou de janeiro a julho por cinco vezes consecutivas a taxa de juros básica da economia, a taxa Selic. Em julho, atingiu 12,5%. Nas duas últimas reuniões houve redução de 0,5% em cada uma delas. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central será no final do mês. O Senhor Mercado está cabisbaixo, mas mantém a sua postura crítica. Suplica internamente: “chega de baixar juros”.


De janeiro a julho as críticas do Senhor Mercado às decisões do Banco Central eram brandas. Pedia mais da “ração de todos os dias”: queria maiores elevações da taxa Selic. Desde o início de outubro, o Senhor Mercado intensificou as críticas: tenta desmoralizar o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e a condução da política monetária. Critica o Governo, por governar, e a Presidente Dilma, por orientar as decisões do Banco Central.

Mas, quem é esse Senhor Mercado? Quais são seus métodos? Ele tem aliados?

O Senhor Mercado não é o espaço físico onde mercadorias e ativos são negociados. É um espaço abstrato onde se encontram um amplo leque de interesses privados que tem como principal objetivo maximizar a rentabilidade e a segurança de ativos financeiros.

O Senhor Mercado tem fortes conexões com economistas acadêmicos. Patrocina pesquisas “científicas” (quem viu o filme Inside Job soube como surgiram estudos mostrando a solidez do sistema financeiro da Islândia, que “virou pó” poucos meses após a publicação das pesquisas “científicas e neutras”). O Senhor Mercado tem sólidas ligações com veículos de comunicação. Patrocina tais veículos através de anúncios, publicação de balanços e com outros mecanismos que somente as partes conhecem.

O Senhor Mercado, sentado sobre trilhões de dólares, com pesquisas “científicas” numa mão e com veículos de comunicação na outra, faz os malabarismos necessários. Cria um mundo imaginário para influir sobre o mundo real, cria um “circo de fantasias”. Para o Senhor Mercado, não importam os meios, importa o fim. Até consultas democráticas, como plebiscitos, podem ser rejeitados se ameaçam seu objetivo maior.

As colunas e matérias de jornais falam, por exemplo, que o Banco Central tomou tal decisão “contrariando as expectativas” do Senhor Mercado. E, por vezes, escrevem: “importantes analistas de mercado têm posição contrária ao governo”. Somente leitores desatentos, e são muitos, levam a sério periódicos que possuem tais conteúdos.

O Senhor Mercado tem uma base de articulação política e de apoio social que é muito fraca no Brasil e no mundo. Contudo, governantes não devem - e não conseguem - ignorar o Senhor Mercado. Afinal, ele tem alguma representação política e muito poder midiático. O Senhor Mercado faz barulho, faz muito barulho e barulho incomoda. São inúmeras colunas, editoriais, comentários nas rádios e TVs e matérias com intrigas intra-governamentais. E tudo é reproduzido e amplificado nos diversos instrumentos da internet.

O “circo de fantasias” atinge somente um grupo social reduzido da classe média e das elites e, algumas vezes, “respinga bordões” em toda a sociedade, mas com intensidade diferenciada. O barulho que vem do “circo de fantasias” do Senhor Mercado atinge, também, os ouvidos de um segmento muito especial: parte dos próprios governantes e de sua base parlamentar e social de apoio.

Dependendo do tema, o barulho é maior ou menor. O tema do gasto público de má qualidade, por exemplo, tem penetração mais ampla. O tema da redução da taxa de juros tem audiência reduzida, mas é transformado em tema da esfera política (interferência política no Banco Central) para ampliar sua repercussão na sociedade. Também é transformado em recrudescimento da inflação para aumentar ainda mais a audiência.

O presidente Lula foi um mestre. Desdenhava o Senhor Mercado quando interessava e se comunicava diretamente com amplos setores da sociedade. Na crise de 2008/2009 deu aula. Mas, o mais importante efeito sobre o governo das atitudes do Senhor Mercado é quando seu barulho impressiona o próprio governante tomador de decisão e sua base aliada.

A nova arte da política de governar, pelo menos no Brasil, não está relacionada com disputas com a oposição. A oposição está perdida, definha e parte dela tenta se credenciar como base fisiológica de apoio. A nova arte da política de governar é a arte de driblar o Senhor Mercado: contra a truculência do zagueiro utilizar a inteligência e a habilidade do atacante. Driblar significa simplesmente governar, governar e governar – e saber absorver com tranqüilidade o barulho que vem da única oposição, o Senhor Mercado.

Ao governo, basta um pouco de ousadia para atacar com inteligência e habilidade. Afinal, o Senhor Mercado está desmoralizado. Sua principal tese, apregoada nos últimos vinte anos, “deu com os burros n’água”: a desregulamentação financeira aumentaria a eficiência dos mercados.

Contudo, a desregulamentação foi a causa básica da crise financeira internacional de 2007/2009. Outros mandamentos do Senhor Mercado, tais como um rígido regime de metas de inflação (aos moldes do Banco da Nova Zelânida temperado com o humor do BundesBank), o regime de câmbio com flutuação pura (sempre elogiado pelo ex-presidente do Banco Central, H. Meireles), entre tantas outras recomendações, também já mostraram a sua inadequação à realidade.

É hora de driblar o Senhor Mercado com alguma facilidade. Mas, a crise internacional abre a oportunidade de desmoralizá-lo ainda mais. Não é hora de dar ouvidos para um Senhor que perdeu a voz. Portanto, é hora de reduzir ainda mais a taxa de juros, mas isto é pouco para um momento tão favorável.

É hora de promover mudanças estruturais. A crise internacional enfraquece também o Senhor Mercado brasileiro que, mesmo sem autoridade intelectual e política, continua criticando a Presidente Dilma, suas atitudes, o presidente Tombini e a condução da política monetária. Infelizmente, alguns governantes não perceberam como é favorável o momento e ainda fazem muitas concessões ao Senhor Mercado utilizando a justificativa de que é necessário “administrar expectativas”.

É hora de muito mais, baixar a taxa de juros é pouco. É hora de uma consolidação do modelo macroeconômico: reduzir juros e ampliar os gastos com infraestrutura, saúde, educação e moradia popular; aprofundar a flexibilização do regime de metas de inflação, estabelecer controles permanentes sobre a entrada de capitais; desindexar a remuneração dos títulos públicos da taxa Selic; consolidar a política de ciência e tecnologia em curso; criar instrumentos variados de defesa da indústria; estabelecer regras de remessas de lucros que beneficiem a indústria doméstica. É hora do desenvolvimento! Bye, bye, Senhor Atraso.

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