sábado, 25 de junho de 2011

Antecedentes da catástrofe grega

Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

A Grécia não é apenas um bloco monolítico de oprimidos, acossados pelo poder financeiro mundial. A opressão financeira ganhou vertiginosa transparêndcia nos dias que correm. Mas por trás das multidões desesperadas que afluem às ruas e cercam o parlamento tentando retomar o controle sobre o seu destino – incapacidade que está no cerne da tragédia grega clássica - existe uma história de conflitos sociais devastadores. Ela explica, em parte, como foi que se chegou ao atual desfecho expresso em uma dívida externa de 30 mil euros per capita, democraticamente atribuída a cada um dos 11,9 milhões de habitantes do país.



Sob a sanguinária ditadura dos coronéis, que dominou a Grécia de 1967 a 1974, a elite local viveu um período de fastígio e evasão fiscal ímpar no planeta. Grosseiramente pode-se dizer que o endividamento externo que hoje passa de 115% do PIB serviu de biombo à complacente justiça fiscal dos quartéis.

Pesquisas indicam que sob o tacão dos coronéis menos de 100 mil abnegados pagavam imposto de renda na Grécia. Um Olimpo de transgressores. Conta-se que uma tentativa de afrontar a evasão com o rastreamento aéreo das piscinas encravadas nas mansões da plutocracia local foi driblada por uma corrida às capas de grama sintética, que confundiam as imagens dos satélites. Ao restaurar a democracia, a esquerda não teve a coragem de retirar as capas que recobriam privilégios e caixas milionários de investidores, empresas e bancos.

O endividamento externo persistiu como a solução de compromisso na busca da linha de menor resistência. Com o ingresso na UE, os controles ficaram mais rígidos. Como se sabe, pelo Tratado de Maastricht, um país membro não pode ter déficit fiscal superior a 3%. A saída encontrada pelos governantes para contornar a linha fiscal estreita foi pagar polpudas consultorias a grandes bancos norte-americanos e financeiras, como a indefectível Goldman Sachs, hábeis em montar operações de engenharia contábil para manter a irrigação do caixa público sem afrontar Maastricht, nem penalizar a elite local.

As capas de grama sintética cederam lugar então a um longo manto tecido pela criatividade deliquente da grande finança. Um dos artifícios chancelados pelo selo da Goldman Sachs foi penhorar receitas futuras do Estado grego, em troca de antecipações de recursos, naturalmente subtraídas taxas e descontos polpudos para a remuneração do intercurso entre consultores e bancos credores.

O saque ao futuro incluiu, por exemplo, anos e anos de taxas de embarque e desembarque em aeroportos, penhorados pelo Estado grego. Como o dinheiro antecipado foi gasto em outras áreas, é de se supor que o futuro do tráfego aéreo no país, desprovido de fundos para novos investimentos, terá sérios problemas pela frente. A irresponsabilidade ganha cores berrantes quando se sabe que o turismo representa mais de 14% do PIB grego.

O fato é que durante anos, o Estado se endividou sem registrar o rombo como déficit público, graças aos meninos espertos da Goldman Sachas. Quando estourou a crise mundial, a retração dos investidores pôs em xeque a ciranda grega e o déficit verdadeiro explodiu. Muito superior ao limite previsto pela UE, imaginou-se inicialmente que ele seria de 10,5%, tendo sido revisto agora para algo em torno de 12%, mas alguns acham que pode ir além. É nessa quadratura do círculo que os pacotes ortodoxos negociados pelo governo socialista de Papandreu pretendem transferir à população –na forma de cortes de serviços, salários, privatizações e, ah, sim, impostos— a tarefa de sanear décadas de ladroagem fiscal e covardia política. Assim fica mais fácil entender a fúria da multidão que cercou o Parlamento grego no centro de Atenas, na última terça-feira, quando 155 deputados eleitos pelo povo deram seu voto de confiança à forma como o ministro Papandreu busca resolver esse passivo histórico.

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