quinta-feira, 5 de maio de 2011

A luta das palavras (e pelas palavras)

Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no blog RS Urgente:

Há uma luta das palavras sendo travada diariamente e ela é tanto mais acirrada e importante quanto mais crítico e grave for o momento. Nestas situações, as palavras são escolhidas cuidadosamente, como um general escolhe suas armas e estratégias para o campo de batalha. Essas escolhas podem ser descuidadas, displicentes ou obscuras, mas jamais são inocentes. Elas revelam nosso lugar e nossa visão do mundo.



Ao falar sobre as oportunidades históricas perdidas por Portugal e sobre a crise econômica atual que atinge o país, o sociólogo Boaventura de Sousa Santos diz que “a luta pela definição dos termos da crise é sempre o primeiro momento de politização e o mais adverso para os grupos sociais que mais sofrem com a crise”. Os grupos sociais que produzem as crises, acrescenta, mantêm, salvo em casos raros de colapso sistêmico, a capacidade de defini-la de modo a perpetuar os seus interesses durante e depois dela.

Há, portanto, quer vejamos ou não, uma batalha conceitual sendo travada todos os dias, em diferentes frentes e de diferentes modos.

A morte de Bin Laden apresenta-se agora, entre outras coisas, também como um terreno de disputa nesta batalha. Os simbolismos envolvidos na morte e no modo pelo qual ela foi anunciada ao mundo solenemente pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não são acidentais. O escritor chileno Ariel Dorfman, em artigo publicado no jornal Página/12, chamou a atenção para a coincidência entre o assassinato de Bin Laden e dois acontecimentos recentes nos Estados Unidos.

O primeiro deles pertence ao mundo das histórias em quadrinho: em sua história n° 900, o Super Homem anunciou que pensava em ir às Nações Unidas para renunciar à cidadania norteamericana. O segundo acontecimento foi a apresentação pública da certidão de nascimento de Obama para comprovar de uma vez por todas que ele é cidadão estadunidense, e não um estrangeiro como ainda, incrivelmente, fustigavam (e fustigam) alguns (amplos) setores da oposição.

As conexões apresentadas por Dorfman não pretendem alimentar nenhuma teoria conspiratória fantástica ou algo do gênero. Além de assinalar a dimensão que o tema “crise de identidade” assumiu nos EUA, ele nos chama a atenção (e, ao fazer isso, está fazendo muito) para uma classe de eventos que costumam ser tratados de modo desconectado do núcleo duro da conjuntura. As oportunidades históricas perdidas e a luta pela definição dos termos, mencionadas por Boaventura de Sousa Santos, estão relacionadas a essa capacidade de perceber ou não tais símbolos e conexões.

E, neste início de 2011, estamos vivendo uma inusitada aceleração de acontecimentos históricos: revoltas e revoluções na Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Iemen, Bahrein e outros países do Oriente Médio e norte da África; terremoto e tsunami devastadores no Japão, seguidos de um desastre nuclear em Fukushima; crise econômica nos países desenvolvidos, com aumento da xenofobia, especialmente na Europa; e, agora, a morte de Osama Bin Laden.

A história não só não acabou como está abrindo um leque de eventos de consequências imprevisíveis. Neste cenário, não custa nada prestar atenção nas observações de Boaventura e Ariel Dorfman sobre a luta pelas definições e pela percepção das coincidências, supostas ou não. Se Deus e o Diabo existem, ambos moram, também, nos detalhes.

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